Francisco Louçã

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.

Os resultados das eleições parecem claros: uma queda do PS que perde 9% e a maioria absoluta, um colapso do principal partido da direita com uma subida da extrema-direita parlamentar, um reforço extraordinário do Bloco de Esquerda e também, em menor escala, da CDU. Mas estes resultados exigem uma leitura mais detalhada.

A primeira diferença é sobre o combate à evasão fiscal. Para o PS, tudo está a correr bem. A maioria absoluta recusou a proposta do Bloco (inicialmente aprovada por todos os deputados do PS menos um) de levantamento do segredo bancário. E deixou tudo na mesma. Para o Bloco, só há duas formas de combater a evasão fiscal: a comparação entre os rendimentos declarados e os rendimentos registados no banco, e o registo de todas as transferências para offshores. Nenhuma delas está a ser aplicada, como devia.

António Costa apresentou a 13 de Julho a sua candidatura à Câmara de Lisboa, aliás já muitas vezes anunciada e confirmada. No mesmo dia, um grupo de defensores de um apelo para a "convergência das esquerdas", com forte protagonismo da Renovação Comunista, declarou que o apoiaria, como se esperava (embora os signatários do apelo sempre tivessem jurado recusar tal possibilidade, que agora se concretizou). José Saramago juntou-se aos apoiantes de Costa. E a sua candidatura fez publicar na imprensa uma história fantasiosa acerca de tentativas antigas e novas de acordo com o PCP e com o BE.

Vinte e oito economistas, muitos deles ex-ministros do PS e do PSD, juntaram-se para proclamar um manifesto para a redução do investimento público. Manuela Ferreira Leite rejubilou, como seria de esperar: afinal, conseguia alguns ex-ministros do PS para a sua política de injecção de dinheiro público nas empresas, mais a redução dos orçamentos nos serviços sociais fundamentais.

Contados os votos das eleições, veio o debate das sondagens e das suas culpas. Já só falta o PS vir dizer que perdeu porque as sondagens o davam vencedor, tantas são as desculpas de sucessivos líderes partidários, usando o argumento da pressão das sondagens sobre os eleitores. O que se deve fazer então com as sondagens?

Confesso mais esta fraqueza: adoro os editoriais de José Manuel Fernandes. Bem sei que os meus amigos não se cansam de me dizer que se trata de um político reaccionário, porque é um dos defensores do genocídio no Iraque (cuja “libertação” à bomba lhe mereceu uma sempre comovente “lágrima furtiva”). Bem sei que é um dos homens de confiança de Cavaco Silva e um dos promotores da unidade da direita para a sua vitória presidencial (o que prova como é bem sucedido). Mas o certo é que nada disso me impede de adorar os seus editoriais.

No dia 16 de Abril, o Parlamento aprovou na generalidade três propostas do Bloco de Esquerda: levantamento do segredo bancário, publicação das remunerações dos corpos gerentes das empresas cotadas e uma taxa sobre os pára-quedas dourados. Desde então, tem sido um frenesim: "confisco soviético" garante a primeira página do Jornal de Negócios de dia 20, "inusitada aprovação", lê-se nas páginas da mesma edição, "populismo" e "demagogia inacreditável", dizem à uma todos os comentadores ouvidos pelo jornal.

As respostas à visita de José Eduardo dos Santos a Lisboa são uma fotografia de alguns dos debates ideológicos e políticos mais surpreendentes. A visita em si não teria história: Portugal tem relações diplomáticas e económicas com Angola e deve receber e conversar com os seus representantes. Mas o festim neocolonial que foi erguido com esta visita é revelador dos tiques da economia e da política portuguesa.

O Fórum sobre Democracia e Serviços Públicos, realizado no passado domingo na Aula Magna em Lisboa, suscitou inúmeros comentários, especulações, críticas, angústias e interpretações. São todas reveladoras e demonstram o impacto da iniciativa.

Sócrates não se ensaia: no mesmo dia em que é votado o Orçamento, a maioria absoluta do parlamento aprova o Código do Trabalho. Esta coincidência é politicamente calculada mas é também simbólica, demonstrando que, em ano de recessão, o governo apresenta como solução a precarização da vida social e a promoção do desemprego, com o autoritarismo patronal.