Testemunhos da greve geral

porFrancisco Louçã

30 de maio 2007 - 0:00
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23.30 (dia 29). Piquete de greve no Metro, Marquês de Pombal. Umas boas dezenas de trabalhadores, homens e mulheres, estão no piquete. A greve começa à meia-noite, e a empresa tenta forçar o funcionamento das linhas de metro entre a meia-noite e a uma, para depois retomarem às seis da manhã. O primeiro embate faz-se portanto no primeiro minuto da greve. Com o piquete estão alguns trabalhadores que tinham ido para trabalhar, porque temiam a represália e não são sindicalizados - mas aceitam fazer greve e ficam com os seus colegas. Há vários sindicatos representados, com algumas diferenças de opinião, mas que chegaram a um acordo: não se cumprem os serviços mínimos.

A administração contratou equipas de advogados que falaram com cada trabalhador para o fazer assinar uma folha responsabilizando-se pelos serviços mínimos. O correio expresso levou a casa de cada trabalhador uma folha para assinar no mesmo sentido. Apesar destas ameaças, a adesão à greve é muito elevada.

No entanto, chegou um inspector, um pouco antes da meia-noite, anunciando que iria picar o ponto, o que fragilizaria a paralisação. Os colegas conseguiram convencê-lo a aderir à greve.

O Metro fechou por completo durante todo o dia.

0.30. Piquete na Valorsul. A Valorsul entrou em greve na véspera, no contexto da pressão da administração contra o acordo de empresa. São trabalhadores por turnos, algumas dezenas, e todos fizeram greve. Com o piquete estão também alguns sindicalistas do Gás de Portugal, empresa que também trabalha nas instalações da incineradora.

1.30 Piquete na Saint-Gobain. São duas fábricas, uma produz vidro plano, outra vidro para automóveis, como para a Auto-Europa. Estão em greve, o piquete é pequeno, muito tranquilo, há muita confiança. Onde as coisas correm mal é no comité europeu da empresa, onde só a CT portuguesa se bate contra os despedimentos e deslocalizações.

Discutem-se as comissões arbitrais, o novo instrumento de pressão do patronato e do governo, onde pontificam nomes como o ex-ministro do PSD, Catroga. São estas comissões que definiram os serviços mínimos: na Valorsul, onde os turnos são de dez trabalhadores, os serviços mínimos seriam de nove. Os trabalhadores não aceitaram.

3.00. Piquete na Carris. O piquete tem alguns trabalhadores da Carris e outros apoiantes da greve, que está convocada para a partir das 3 da manhã. A essa hora regressam quatro autocarros, dos nove que estão em circulação aquela hora. É um bom sinal. Os motoristas estão sozinhos, a pressão é muito grande e a organização social na empresa é mais frágil do que no passado, mas estes quatro decidiram fazer greve. Os trabalhadores da Carris no piquete vão depois à Vimeca e a outras empresas de transportes, para convidar os trabalhadores a aderirem à luta.

Umas horas depois, sabe-se que são raros os que acabaram por aderir à greve e que a maior parte da frota da Carris circulou em Lisboa.

7.45. Piquete na AutoEuropa. A greve começou à meia-noite. No parque industrial algumas empresas pararam, mas noutras a produção manteve-se; algumas das empresas são quase totalmente constituídas por precários. Na Autoeuropa parou de manhã uma das linhas de produção de um dos automóveis, e a linha principal tem cerca de 20% de grevistas.

A direcção da CGTP, com Carvalho da Silva, visitou o piquete. Ainda era cedo para fazer uma avaliação, mas sentiam-se as dificuldades: muitas empresas pararam, incluindo algumas das estratégicas nos transportes e na indústria, mas a função pública e outros serviços ainda não tinham aberto. (entrevista na rádio esquerda.net)

10.20. Debate com o Ministro das Finanças no parlamento, acerca das Grandes Opções do Plano. Perguntei-lhe sobre a autoria da circular da Direcção Geral de Contribuições e Impostos que pretendia identificar os grevistas - e que a Comissão Nacional de Protecção de Dados declarou ilegal. O ministro argumentou que essa circular era de exclusiva responsabilidade do Director-geral e que não era sua nem do Secretário de Estado.

14.00. Piquete na Lisnave/Gestnave. A greve começou à meia-noite, com apoio total dos trabalhadores da produção. As centenas de trabalhadores dos sub-empreiteiros aderiram igualmente - quase todos imigrantes. A CT e os sindicatos esforçaram-se por conseguir o apoio dos imigrantes, à porta da fábrica está um cartaz em português, romeno e russo. E conseguiram.

As ameaças de despedimento na empresa determinam uma luta dura dos trabalhadores. A greve só não é seguida por alguns dos administrativos.

As administrações da Lisnave e Gestnave enviaram aos trabalhadores, nos dias anteriores à greve, uma nota anunciando que considerariam os grevistas como faltosos sem justificação, ao contrário do que estabelece a lei da greve (e mesmo o Código Bagão Félix).

Francisco Louçã
Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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