Yazaki Saltano: há mais de três décadas a explorar mão-de-obra jovem

por

José Carlos Lopes

06 de abril 2025 - 11:01
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O despedimento de 364 trabalhadores em março na Yazaki Saltano de Ovar, foi apenas mais um passo de uma longa caminhada de mais de três décadas, em que a presença no país desta multinacional vem deixando como marca um significativo numero de trabalhadores que deixaram a sua juventude no chão da fábrica.

Yazaki Saltano em Ovar
Yazaki Saltano em Ovar. Fotografia via Google Maps

O mais recente despedimento de 364 trabalhadores na multinacional japonesa de componentes para automóveis Yazaki Saltano, em Ovar, que se concretizou durante o mês de março, teve como simbólica “conquista” dos trabalhadores vitimas de despedimento a subida da proposta de indemnização inicial da administração, no valor de 1,4 para os 1,5 da contraposta reivindicativa sindical. Assim garantiu acrescentar aos direitos pecuniários resultantes da lei, neste caso do despedimento que a administração justificou com a “situação crítica da indústria automóvel europeia”, levando à aceitação sem resistência na defesa dos postos de trabalho e facilitando a ideia de “excesso de trabalhadores para a produção atual”, deixando ainda caminho aberto para a ameaça de novos despedimentos, a exemplo de mais 100 trabalhadores que temem vir a integrar uma nova lista para o desemprego. Neste caso, do departamento de desenvolvimento e competências desta empresa instalada em Ovar desde 1992.

Os motivos para a empresa multinacional continuar ciclicamente a redução significativa de efetivos, baseiam-se repetidamente na argumentação da quebra de vendas nesta indústria. Instabilidade e fragilidade dos mercados a nível global, que se intensificarão com as consequências da guerra comercial declarada por Donald Trump ao mundo, através de medidas protecionistas como taxas aduaneiras e alfandegárias resultantes das políticas ultraliberais do governo dos Estados Unidos, que neste caso da produção e venda de automóveis, e em particular os reflexos nas exportações de componentes que Portugal, tem uma presença significativa. Fatores que irão continuar a ser mote para a utilização de mão-de-obra cada vez mais precarizada, contratada em função das encomendas (incluindo contratos mês a mês), como há vários anos se vem assistindo na Yazaki Saltano com recurso às empresas de trabalho temporário, e à consequente redução de direitos que foram sendo alcançados através de acordos de empresa a exemplo de prémios de produção e assiduidade.

A repetida crise laboral a que os trabalhadores desta multinacional vêm sendo sujeitos tem resultado em penosos processos que vão lançando para o desemprego centenas de homens e mulheres que, na sua generalidade, ali se iniciaram na entrada no mercado de trabalho. Escolaridade obrigatória exigida na época, que mobilizou no concelho de Ovar e concelhos limítrofes milhares de jovens (chegaram aos 5 mil trabalhadores em turnos) acabados de sair da escola aos 16 anos de idade diretamente para o chão da fábrica. Em muitos casos abdicando de prosseguir estudos, incluindo superiores, tal a tentação dos salários praticados pela multinacional, comparativamente com a média então garantida nos contratos coletivos de trabalho, de setores como indústrias elétricas.

Esta força impressionante de trabalho que se refletiu inevitavelmente na evolução económica e social das famílias e das comunidades na região, foi sendo submetida à precariedade que se instalou na Yazaki Saltano há mais de três décadas a explorar mão-de-obra jovem e a cedo descartá-la em nome das crises internacionais.

Com ritmos de trabalho alucinantes na produção de cablagens para automóveis, que foram produzindo vitimas de doenças profissionais com predominância nas tendinites, atingindo um elevado numero de trabalhadores, que acabaram ainda jovens ou por irem integrando as sucessivas listas de despedimentos ou a procurarem outras alternativas de trabalho.

A Yazaki Saltano instalada em Ovar no início dos anos noventa após a abertura da Yazaki Saltano em Serzedo, Vila Nova de Gaia, no ano de 1986, beneficiou das políticas de incentivos autárquicos como a venda dos terrenos para construção da fábrica a preços meramente simbólicos, como foram os 20 hectares de terreno vendidos então por 20 mil escudos pela Câmara Municipal de Ovar, que também construiu as infraestruturas. Uma estratégia com o pressuposto de garantir crescimento na fixação de indústrias de grande capacidade de empregabilidade da força de trabalho jovem disponível a sair da escola, que foi sendo questionada sempre que os despedimentos realizados provocam crises sociais e económicas preocupantes. Criticas e exigências políticas aos sucessivos governos, sempre que esta empresa beneficiária de financiamentos europeus, recorre com demasiada facilidade e ligeireza aos despedimentos ao longo dos últimos 30 anos.

Sem se poder negar as consequências da atual situação internacional sobre a Yazaki Saltano de Ovar, as vítimas imediatas são sempre os trabalhadores a quem a multinacional nipónica, tal como o capital em geral, só conhece a estratégia do despedimento, independentemente dos efeitos económicos e sociais causados. Caminho para responder às crises, que em 2005 ainda passou pela deslocalização de parte da sua produção na fábrica de Ovar, para a Eslováquia e a Turquia, o que implicou redução de postos de trabalho. Um processo de reestruturação que viria a abrir portas para o despedimento de cerca de 500 trabalhadores.

Seguiu-se dois anos depois, em 2007 a Yazake Saltano de Serzedo, ao fazer um despedimento coletivo de 400 trabalhadores, acabando mais tarde (2008) por encerrar esta unidade industrial em Vila Nova de Gaia.

A instabilidade laboral na Yazaki Saltano de Ovar continuava e um ano depois dos despedimentos em Serzedo, repete a solução mágica para garantir lucros à custa do sacrifício dos trabalhadores, lançando para o desemprego mais de 300 trabalhadores, enquanto em 2009 é aplicado o lay-off, por seis meses e redução de horário de trabalho a 60% dos operários, com um corte de um terço nos vencimentos.

Igualmente vítima das medidas da multinacional, que em 2023 voltou a ameaçar com a deslocalização, foram sendo ainda as empresas subcontratadas que produzem para a Yazaki Saltano, a exemplo da Jorge M. Barros Gomes – Sociedade Unipessoal Lda., uma empresa que viu ser rescindido o contrato de subcontratação que figurava há mais de vinte anos, deixando cerca de trinta trabalhadores no desemprego.

O repetido argumento agora ainda mais inquietante como resultado da crise que se agrava no setor automóvel a nível internacional, os sucessivos processos de despedimento não vão deixar os trabalhadores em paz, e a instabilidade laboral vai aumentar, tais as ameaças em curso, que exigem mais do que simbólicas conquistas de um mês e meio de indemnização pelos despedimentos sem efetivas alternativas de reconversão de postos de trabalho num setor sobre o qual pairam consequências de grande destruição.

O despedimento de 364 trabalhadores em março na Yazaki Saltano de Ovar, foi apenas mais um passo de uma longa caminhada de mais de três décadas, em que a presença no país desta multinacional vem deixando como marca um significativo numero de trabalhadores que deixaram a sua juventude no chão da fábrica, da qual vão sendo dispensados e lançados para o fundo de desemprego Perdidas as ilusões que aos 16 anos de idade tiveram, mas num sonho que durou 5 ou 10 anos, e poucos atingiram os 20 ou 30 anos de fábrica para darem lugar a trabalhadores mais precarizados contratualmente e em função das necessidade de produção.