“Vitória da despenalização do aborto é, ao mesmo tempo, completa e ameaçada”

29 de fevereiro 2024 - 0:46

Mariana Mortágua frisou que é uma vitória completa porque o avanço civilizacional é tão evidente e indesmentível que a direita não se atreve a propor a alteração da lei e até a extrema-direita capitulou. Por outro lado, ela está ameaçada “porque a sua aplicação enfrenta enormes obstáculos no SNS”.

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Foto de Ana Mendes.

Num comício em Torres Novas, que contou ainda com as intervenções do cabeça de lista por Santarém, Bruno Góis, e dos candidatos Luís Gomes e Ana Alves, Mariana Mortágua invocou a “vitória histórica da luta das mulheres pelo direito ao aborto”.

“Neste périplo pelas vitórias do nosso caminho, volto hoje à despenalização do aborto porque esta campanha eleitoral mostra como ela é, ao mesmo tempo, completa e ameaçada”, frisou a líder bloquista.

Mariana Mortágua explicou que “é uma vitória completa porque o avanço civilizacional com a despenalização é tão evidente e indesmentível que a direita não se atreve a propor a alteração da lei”.

“Não há no parlamento português nenhum partido, nem um único que se atreva a propor o regresso da proibição do aborto e da perseguição às mulheres. E, se dúvidas houvesse, esta campanha eliminou-as. Até a extrema-direita capitula e reconhece que a esquerda tinha razão. Vejam o poder desta vitória”, afirmou a coordenadora do Bloco.

Mas, de acordo com Mariana Mortágua, esta vitória é “também incompleta”: “Dezassete após a aprovação da lei, a sua aplicação enfrenta enormes obstáculos no SNS”.

A líder bloquista deu exemplos desses obstáculos: “Os inúmeros atrasos na marcação de consultas, a multiplicação de ‘serviços objetores de consciência’ sempre que, em vez de uma decisão de consciência individual, a objeção de consciência é exercida como posição política coletiva em determinados serviços e/ou hospitais, como campanha de uma direita revanchista”, continuou Mariana Mortágua.

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Acresce que “os obstáculos aos reencaminhamentos” se traduzem “no boicote quotidiano ao acesso das mulheres ao aborto, agravado pelo facto de termos um dos prazos mais curtos para o aborto legal, apenas dez semanas”. Daí decorre que, “para muitas mulheres, para além da humilhação e das dificuldades a que estão sujeitas, o privado é a solução, ou mais uma vez o recurso ao estrangeiro ou a serviços ilegais”.

A coordenadora do Bloco lamentou que o Governo do PS, ao qual “competia assegurar a lei”, e que tinha dinheiro e uma maioria absoluta para o fazer, não tenha tido “competência e determinação”. Assinalando que “Manuel Pizarro sai como um ministro que ofendeu os direitos das mulheres”, Mariana Mortágua afirmou recusar “a hipocrisia de quem reconhece os méritos desta lei ou de quem até celebra o fim da humilhação das mulheres no Código Penal, mas nada faz para assegurar que o SNS cumpre a lei e garante o acesso a este direito”.


Ver fotogaleria do Comício em Torres Novas


Ao longo dos seus 25 anos de existência, o Bloco aprendeu que “nenhuma vitória é garantida para sempre e que cada direito conquistado tem de ser cuidado e garantido - ou não tardará a ser ameaçado”.

“É por isso que é tão importante o voto no Bloco. O Bloco é a certeza de que não passarão”, rematou a dirigente bloquista.

“A falácia do voto útil”

Depois de relembrar outras vitórias do Bloco ao longo dos seus 25 anos de existência, Mariana Mortágua alertou para a “falácia do voto útil”

Se os apelos ao voto útil fossem escritos em livro, o título seria ‘A História de um Arrependimento’”, frisou.

Para justificar esta afirmação, lembrou as consequências do voto útil de José Sócrates em 2005, com os problemas deixados por essa maioria absoluta, como é o caso do congelamento da carreira dos professores, a atormentarem-nos até aos dias de hoje. Ou os apelos ao voto útil de PS e PSD em 2011, altura em que assinaram o acordo com a troika ainda antes das eleições. “Todas as promessas da campanha eram falsas e ambos os partidos sabiam: pediam o voto útil para aplicar a mesma austeridade”, apontou a coordenadora do Bloco.

Em 2015, “com o país esgotado, “o PS voltou a ensaiar o velho apelo”. “Dizia então o presidente do PS: ‘votar no Jerónimo e na Catarina é votar no Passos e no Portas’. Dessa vez a falácia do voto útil ficou exposta no dia seguinte às eleições: o PS ficou atrás da direita e teve de fazer a geringonça com Bloco e PCP. Afinal o voto na esquerda contava e contava muito”, destacou Mariana Mortágua.

Há dois anos, com sondagens que, erradamente, apontavam para um empate, “o medo do empate deu ao PS uma maioria absoluta, as sondagens eram mentira (…) E dessa história já sabemos o final. Com a política da maioria absoluta a agravar todos os novos e velhos problemas”, continuou a líder bloquista.

“Às mulheres e homens que foram enganados pela maioria absoluta”, Mariana Mortágua apelou ao voto no Bloco, “para que haja força para fazer o que nunca foi feito”.

O apelo foi reforçado por Bruno Góis, que terminou dirigindo-se “às trabalhadoras, aos trabalhadores, aos ecologistas e às feministas”: “Só o voto no Bloco garante a defesa intransigente de um programa de investimento público na nossa região, centrado na criação de emprego e na justiça social e climática”, afirmou o candidato.