Obituário

Sebastião Salgado (1944-2025): a imagem como instrumento da transformação social

24 de maio 2025 - 14:01

Da pobreza nas Américas às marcas do colonialismo em África, Sebastião Salgado imortalizou trabalhadores e migrantes numa obra sem par.

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Sebastião Salgado
Sebastião Salgado. Fotografia de Fernando Frazão/Agência Brasil

Faleceu na sexta-feira Sebastião Salgado, aos 81 anos. Fotógrafo de renome, nasceu em 1944 em Aimorés, nas Minas Gerais e iniciou a sua carreira em 1973. Desenvolveu projetos de fotografia em mais de 100 países, retratando realidades de desigualdade, pobreza e devastação ambiental.

Documentou a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (SMT) no Brasil, desde a ocupação da fazenda Giacomet-Marodina, no Paraná, ao episódio do massacre de Eldorado de Carajás, no Pará. Chegou a dizer que o MST “é um movimento de ocupação desse espaço vazio, para dar vida e sentido a essa terra”, considerando-o “um elemento necessário tanto para a ecologia como para o lado social, da redistribuição de renda”. É isso que trata um dos seus mais famosos livros, Terra.

O seu primeiro livro, Outras Américas retratava a pobreza na América Latina como uma denúncia mas também como um testemunho, uma afirmação sobre a importância da dignidade humana. Já O Homem em Pânico resultou de uma colaboração com os Médicos Sem Fronteiras sobre a seca no Norte de África.

Foi mesmo em África, a que chamou "o mais sofisticado dos continentes", que Sebastião Salgado trabalhou extensamente, dizendo sentir-se "em casa" e produzindo mesmo uma obra com o nome África, com texto de Mia Couto, e que mais uma vez demonstrou pela sua simples honestidade as marcas coloniais e desiguais no território. 

Em Trabalhadores, juntou registos de 1986 a 1992 sobre o trabalho manual pelo mundo fora, e em Êxodos e Retratos de Crianças do Êxodo captou a realidade das deslocações populacionais em massa entre 1993 e 1999.

"Fotografo o que acho importante do ponto de vista político e social", disse com humildade à Deutsche Welle. Mas não esqueceu a ecologia e o meio ambiente no seu trabalho, sempre encontrou aí beleza e tragédia. "O nosso planeta é de uma beleza, de uma vastidão, de uma vivacidade… Tudo é vivo", explicou uma entrevista ao Público.

Assumiu o "prazer de fotografar" como um motor para o seu trabalho, mas nem por isso descontou fervorosamente uma participação política. Sebastião Salgado esteve ao lado de Eduardo Galeano, Aleida Guevara, Noam Chomsky, João Pedro Stedile, Leonardo Boff e da líder das Mães da Praça de Maio, Hebe de Bonafini, no Fórum Social Mundial de 2003, em Porto Alegre, numa altura em que parecia possível uma outra globalização e um futuro diferente daquele que o capitalismo nos deixou.

Nas suas redes sociais, o MST lembrou o fotógrafo dizendo que a “sua partida é uma perda imensa para a arte, para os direitos humanos e para todos que acreditam na imagem como instrumento de transformação social” e lembrando que “foi um dos apoiantes da construção da Escola Nacional Florestan Fernandes, doando fotografias e fortalecendo projeto de formação política e emancipadora que a escola representa”.

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