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Prestações sociais em queda - O press release “sem aderência à realidade”

Os canais generalistas editam notícias e reportagens pejadas de números fazendo-nos crer que há cada vez menos pobres em Portugal e que o País continua no bom caminho. Esta é a leitura que convém, a que se encaixa na narrativa que nos querem impor. Artigo de Margarida Janeiro.

Custódia Reves caminha todas as manhãs para a casa da senhora onde faz umas horas e dá “um jeitinho às coisas lá no apartamento”. Regra geral aspira e lava o chão, limpa os pós, puxa as orelhas das camas, compõe a casa de banho, mete máquinas da roupa a girar e estende-as na corda da marquise, ainda passa os jornais nos vidros e espelhos, engoma a roupa que houver no cesto e, tendo tempo, deixa o jantar adiantado. Custódia Reves termina lá pela uma e meia da tarde e regressa à sua casa onde fará tudo de novo. Recebe à semana, por isso, às sextas passa sempre pelo Minipreço. É claro que não tem contrato, não passa recibos verdes nem desconta pelo que recebe. Isso era dantes, nos tempos em que trabalhou tantos anos na Moviflor. Aí Custódia até lidava com os computadores, tinha os fins-de-semana livres, tinha férias e respectivos subsídios, o ordenado na conta a cada dia 30 de cada mês. Actualmente desempregada e a receber subsídio faz um esforço a cada dia, a cada manhã. Não vive sozinha. O companheiro, também ele desempregado de um comércio de restauração há já dois anos, solicitou o rendimento social de inserção que, no entanto, lhe foi negado.

Custódia Reves já fez as contas. Se os desempregados como eles vivem juntos ou com outros familiares, o RSI só é atribuído se, neste caso, o total do rendimento familiar não for superior a 322,18 euros, uma aritmética a que se chega pela seguinte fórmula (189,52€ atribuídas pelo titular e 132,66 por cada indivíduo maior a que se acrescentariam 94,76 caso houvesse filhos menores a cargo). Assim, como Custódia Reves recebe 478,09 euros de subsídio de desemprego, o RSI não pode ser atribuído a este casal.

Numa esfera paralela em que qualquer coincidência com a realidade parece ser mera ficção, abrimos as televisões e percebemos que os assessores de imprensa do governo, no caso concreto do Ministério da Segurança Social, continuam a desempenhar convictamente o seu papel. A partir de press release enviados hoje às redacções, os canais generalistas editam notícias e reportagens pejadas de números fazendo-nos crer que há cada vez menos pobres em Portugal e que o País continua no bom caminho a poupar e a poupar.

Esta é a leitura a fazer das notícias divulgadas e é, sem dúvida, a leitura que convém, a que se encaixa na narrativa que nos querem impor.

“Em 2013 foram atribuídas menos prestações sociais”, “dados do final do ano passado indicam que desceram os custos com subsídios pagos” ou “prestações sociais não contributivas em queda” são algumas das frases televisivas ou dos títulos dos jornais de hoje.

Os números, as percentagens, as contas retiram o lugar das pessoas, dos nomes, dos rostos, das famílias, das casas e das vidas e todo e qualquer número que desce parece ser encarado como algo de positivo.

Mas o que podemos ler na realidade através dos números divulgados?

De facto, entre Dezembro de 2012 e Dezembro de 2013 houve menos 48.945 pessoas com direito ao rendimento social de inserção, o que representa uma quebra de 17,4%. No final do ano havia 231.949 portugueses a receber esta prestação. Sucede, porém, que as regras para a sua atribuição têm vindo a mudar tornando-se cada vez mais apertadas e restritivas.

Só isso justifica as descidas. Só isso justifica que 48.945 mil desempregados tenham deixado de receber esta prestação social.

Os restantes apoios sociais chegam a apenas 377 mil pessoas e também aqui há 443 mil que ficam de fora, já que os dados mais recentes do desemprego apurados pelo Eurostat apontam para 819 mil desempregados no País.

Como vivem hoje estas pessoas vítimas de dupla exclusão, primeiro por serem desempregados, segundo por não conseguirem aceder aos apoios sociais? E que jornalismo é este que nos mostra apenas as cifras, as contabilidades e as aritméticas sem responder aos “porquês” e sem colocar a nu a verdade de que estamos cada vez mais e mais e mais pobres? Fazendo-nos crer, de forma perversa, precisamente o contrário?

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