Portugal também tem um festival do fundo cúmplice do apartheid israelita

25 de junho 2025 - 10:16

O festival de música eletrónica Brunch Electronik pertence ao fundo KKR, que está a ser boicotado por centenas de artistas e milhares de fãs. Campanha BDS Portugal apela aos organizadores para seguirem o bom exemplo de outros festivais da mesma empresa que já assumiram o apoio ao boicote cultural de Israel.

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Brunch Electronik
Brunch Electronik em Lisboa. Foto publicada na página Facebook do festival.

A iniciativa de boicote ao Sónar, um dos festivais de música agora detidos por um fundo ligado a ocupação israelita da Palestina, agitou o mundo da música eletrónica em Espanha, contagiando depois outros géneros musicais, dado que a marca detém também outros grandes festivais de música em Espanha. Em Portugal, o festival Brunch Electronik, cuja edição lisboeta na Tapada da Ajuda decorre há vários anos, foi também parar às mãos deste fundo alvo de boicote.

O fundo Kohlberg Kravis Roberts (KKR) adquiriu a Superstruct Entertainment, um dos maiores promotores de festivais de música do mundo, por cerca de 1.300 milhões de euros no ano passado. Os investimentos deste fundo no apartheid israelita envolvem a participação no capital de empresas de fabrico de armas e de empresas que operam nos territórios palestinianos ocupados. Em Portugal, o maior investimento do fundo KKR foi a aquisição no ano passado da empresa de energias renováveis Greenvolt.

A Superstruct respondeu à polémica afirmando que “nós não somos uma plataforma política, apenas fãs de música e adoramos o que fazemos”, pedindo desculpa aos espetadores dos festivais e a toda a gente que trabalha neles “por parecer que nós é que somos a notícia”. A empresa justifica ter mudado de donos com a necessidade de capital para um negócio que viu perder muitos concorrentes com a pandemia e defendeu os novos acionistas por estarem alinhados com os valores da empresa, destacando também a independência da sua gestão.

Esta empresa organiza mais de 80 festivais em dez países, incluindo mais de uma dezena dos principais festivais do Reino Unido, alguns dos quais se demarcaram dos novos donos, como foi o caso do Boiler Room, que reafirmou o compromisso com as diretrizes da campanha de Boicote Cultural e Académico a Israel.

Em Portugal, além da extensão do Sónar de Barcelona nos últimos anos em Lisboa, a Superstruct é também a dona da marca Brunch Electronik, um festival de música eletrónica cuja edição portuguesa  habitualmente tem lugar na Tapada da Ajuda e este ano conta também com uma edição algarvia em Portimão.

Brunch Electronik e o genocídio em Gaza: silêncio em Lisboa, condenação em Barcelona

A organização do Brunch Electronik de Lisboa não tomou posição sobre o assunto nem quis responder às questões enviadas há duas semanas pelo Esquerda.net para se pronunciar sobre a relação com o fundo KKR e sobre os custos para a sua imagem dessa ausência de demarcação com o fundo que investe no apartheid israelita. O Esquerda.net contactou também os artistas que irão atuar no festival para comentarem a polémica que corre no circuito da música eletrónica por causa do novo investidor dono dos festivais onde atuam, e mais em concreto sobre a sua posição acerca do genocídio em Gaza, mas nenhum quis responder.

Para o Comité de Solidariedade com a Palestina - BDS Portugal, as alterações de propriedade e de controlo financeiro dos festivais “podem ser alheias à vontade das entidades organizadoras, mas uma coisa está ao alcance desses festivais: a afirmação sem equívocos do seu repúdio e distanciação perante a cumplicidade dos investidores para com os crimes de guerra de Israel”, algo que até ao momento o festival lisboeta decidiu não fazer.

Os ativistas dão o exemplo do Boiler Room, que reafirmou o apoio às diretrizes do movimento no que diz respeito à programação de artistas e às parcerias com marcas e à colaboração com artistas e organizadores palestinianos e apelam à organização do Brunch Electronik Lisboa a seguir “o bom exemplo do Boiler Room, sob pena de se tornar um alvo de boicote por parte dos participantes”.

Ao contrário da organização portuguesa, o Brunch Electronik de Barcelona foi rápido a responder à polémica em Espanha, explicando que as pessoas que organizam o festival são alheias à mudança da estrutura acionista e que condenam o genocídio em Gaza e os investimentos em empresas cúmplices desse genocídio. “Já não se trata de uma questão política, mas de humanidade. Por isso, neste momento guardar silêncio não é uma opção. É nossa responsabilidade pronunciarmo-nos”, afirmaram os organizadores, que dizem ter exigido e conseguido garantias que as receitas da Superstruct Entertainment não são distribuídas aos seus acionistas, mas reinvestidas nos festivais do grupo e, no caso deste festival, na própria empresa organizadora.

“Nenhum bilhete de entrada, patrocínio ou receita gerada pelo Brunch Electronik financiará empresas cúmplices do genocídio”, garantiu a organização catalã, acrescentando ter independência na tomada de decisões “criativas, culturais, operacionais e financeiras” das suas atividades.

Campanha palestiniana manteve boicote ao Sónar

A campanha palestiniana de Boicote Cultural e Académico a Israel, membro fundador do movimento BDS, lançou no início do mês um apelo ao boicote ao festival Sónar de Barcelona, apesar de este ter cedido à pressão para afastar a Coca-Cola e o McDonald’s da sua lista de patrocinadores, ter apoiado o apelo da Câmara Municipal para anular os pavilhões do governo e de fabricantes de armas israelitas de um dos seus eventos e ter tomado posição pública contra o genocídio de Israel na Faixa de Gaza. As cedências seguiram-se a uma primeira reação cuja tibieza indignou artistas e espetadores do festival.

O que é a campanha BDS?

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No entanto, afirma esta campanha, ao fim de dois meses de diálogo com a organização do festival, esta não foi capaz de se comprometer em adotar as suas próprias políticas éticas quanto à programação e parcerias, apesar de ter autonomia para o fazer, e “também não anunciou que irá respeitar as diretrizes da BDS no que diz respeito ao boicote cultural a Israel, à antinormalização e à devida diligência”. A campanha relembra que o maior festival queer do Reino Unido, o Mighty Hoopa, que tem o mesmo dono, já veio anunciar que segue as diretrizes do BDS na sua programação e parcerias. “Quem ou o quê está a impedir o Sónar de o fazer também?”, questionam.

Mais de cem artistas anunciaram recusa em participar nos festivais detidos pelo fundo KKR em Espanha

A campanha recorda ainda que além da participação na indústria do apartheid israelita, o fundo KKR também investe no fabrico de armamento nos EUA e em projetos que aceleram a destruição climática e o deslocamento de populações indígenas. E também que contratou recentemente para seu presidente no Médio Oriente o ex-diretor da CIA e antigo chefe do Comando Central dos Estados Unidos, David Petraeus.

Em Espanha, a aquisição da Superstruct por parte do fundo KKR significou que mais de 20 festivais de música passaram a ter como dono uma empresa cúmplice do genocídio israelita. O ministro da Cultura Ernest Urtasun fez saber que o fundo “não é bem-vindo à cultura espanhola” e uma autarquia dos arredores de Madrid cancelou o contrato com a promotora Sharemusic! para festivais nos próximos anos.

Mais de cem artistas e bandas anunciaram ou a sua saída direta, indemnizando os organizadores dos festivais, ou que não voltariam a atuar nos eventos das empresas com capital do fundo estadunidense enquanto festivais como o Sónar, Viña Rock ou Resurrection Fest não apenas condenassem o genocídio em Gaza, mas também aderissem aos critérios da campanha palestiniana de boicote cultural a Israel.

A debandada de artistas de vários festivais espanhóis por causa dos laços dos donos com Israel foi seguida também nos Países Baixos.