Khadga Prasad Sharma Oli, primeiro-ministro do Nepal, anunciou esta terça-feira a sua demissão enquanto centenas de manifestantes incendiavam o Parlamento do país. Anteriormente três ministros, entre os quais o do Interior, já se tinham demitido depois de, na segunda-feira, 19 pessoas terem sido mortas e centenas feridas na sequência da repressão de protestos contra o autoritarismo e a corrupção do governo protagonizados por jovens, muitos de uniformes escolares e com livros escolares nas mãos.
A polícia é acusada de ter atirado com balas reais contra os manifestantes. A Amnistia Internacional exigiu imediatamente uma “investigação completa, independente e imparcial”. E a porta-voz do Gabinete de Direitos Humanos da ONU, Ravina Shamdasani, foi no mesmo sentido, mostrando-se “chocada com os mortos e feridos”.
À BBC, o ministro da Comunicação do país, Prithvi Subba, tinha confirmado que a polícia utilizou canhões de água, bastões e balas de borracha. Mas a estação televisiva britânica falou com médicos que asseguraram ter recebido vítimas atingidas com balas reais.
Antes da demissão, Oli tinha tentado mitigar a fúria dos manifestantes. Anunciou uma comissão de inquérito ao que tinha qualificado como “trágico incidente”, prometido conversações com os partidos políticos e restabelecido o acesso às redes sociais que as autoridades tinham cortado.
Nada disto foi suficiente. Mas muitos deles dizem à RFI que a própria demissão “não é suficiente ainda que seja uma grande vitória”, palavras de um professor que pensa que se pode tratar uma manobra para voltar ao poder em breve e exige que este “preste contas” e seja “posto na prisão”. Explica ainda que os manifestantes querem “um paradigma completamente novo” com “uma mudança na constituição na qual o chefe de Estado seja eleito pelo povo”.
Enquanto os meios de comunicação locais transmitem imagens de edifícios públicos danificados, um estudante que falou ao mesmo órgão de comunicação social conta que “a situação agravou-se claramente em comparação com o dia de ontem. Os jovens estão a invadir sedes de partidos políticos, a queimar casas de políticos e a destruir as suas propriedades. Queremos ver todos os políticos a sair e um novo governo a assumir o poder.”
Uma das casas destruídas, neste caso incendiada, foi a do próprio primeiro-ministro.
Vários dos coletivos que marcaram as manifestações tinham apelado a que não se atacassem edifícios públicos. Mas o movimento não tem nenhuma liderança ou coordenação.
Em comunicado, Ramchandra Paudel, presidente do país, apela a todos, “incluindo os manifestantes, a cooperar para uma resolução pacífica da situação difícil do país” através de negociações.
E o exército emitiu uma nota na qual anunciava que passaria a assumir a responsabilidade da "segurança" nas ruas do país. Fê-lo 15 minutos antes de entrar em vigor.
A "gen Z" contra os "nepobabies"
A gota que fez transbordar o copo foi o bloqueio de 26 redes sociais, entre as quais todas as mais utilizadas, por parte do governo a semana passada. Este alegava que estavam a lançar notícias falas e a aumentar tensões mas certamente não previu o que se seguiria. Remetia ainda para uma decisão do Supremo Tribunal de 2023 que exigia que cada plataforma nomeasse um representante local e responsável pela regulamentação do seu uso. Nisto viram os jovens não uma tentativa de “regulamentação” mas de controlo.
Para além disso, outro dos motivos dos protestos é a corrupção. Aliás, os jovens manifestantes, que se assumem da “gen z”, ou seja da geração nascida entre a segunda metade da década de 1990 e o início dos anos 2010, consideraram que o encerramento das redes sociais se deveu não só a uma tentativa de limitar a liberdade de expressão em geral mas sobretudo de impedir as alegações de corrupção que pendiam sobre líderes políticos e que circulavam nas redes. O país é dos piores colocados nos rankings de corrupção da Transparência Internacional.
As hashtags #NepoBaby e #NepoKids tornaram-se virais nas últimas semanas, associadas à divulgação de vídeos que ostentavam o estilo de vida altamente luxuoso de elites políticas e dos seus familiares diretos em contraste com o nível de vida do resto dos jovens do país, a braços com o desemprego e a emigração forçada, sobretudo para os países do golfo pérsico ou como trabalhadores sazonais para a Índia.