O novo despedimento coletivo de quase 300 trabalhadores anunciado pela Altice foi o tema do debate de urgência agendado pelo Bloco de Esquerda no Parlamento. Na intervenção de abertura, o deputado José Soeiro recordou os “anúncios triunfais” feitos pela administração da empresa há poucas semanas sobre o aumento das receitas, da base de clientes e da cobertura da fibra.
“Numa empresa com lucros, e em crescimento, que em 2020 recebeu cerca de 11 milhões de euros de Fundos Comunitários por via de Fundação Altice e da Altice Labs, este anúncio é um insulto ao país, uma declaração de guerra aos trabalhadores e uma ofensa à lei”, afirmou o deputado bloquista, que na segunda-feira acompanhou Catarina Martins num encontro com trabalhadores da Altice no Porto. E relatou em seguida alguns dos testemunhos que ouviu nesse encontro: trabalhadores que já receberam a carta de despedimento e a quem a empresa desativou o acesso a computadores ou a qualquer tarefa, “somando à violência da carta de despedimento a humilhação totalmente ilegal do súbito esvaziamento de tarefas, de terem barrado o seu acesso ao Portal da empresa, ao e-mail, ao telemóvel, ao parque de estacionamento e a tortura psicológica de ter que se cumprir um horário sem qualquer função e nestas condições”.
Há também trabalhadores que ganharam o processo contra a Altice no caso da falsa trasmissão de estabelecimento, sendo reintegrados na empresa por ordem do tribunal e voltam agora a estar incluídos na lista de despedimentos, “numa forma velhaca de se vingar de quem mais não fez do que exigir o cumprimento da lei”.
Ao contrário do que a Altice argumenta, prosseguiu Soeiro, as funções destes trabalhadores não acabaram. “Só que a Altice quer substituir trabalhadores com direitos, abrangidos pelo acordo de empresa, incluídos na contratação coletiva, integrados numa carreira, por um exército de precários em outsourcing, que aliás já recrutou para a Intelcia, para fazerem as mesmas funções, agora em modo externalizado e recorrendo a intermediários”. E para cúmulo, acrescentou o deputado, a empresa ainda colocou estes trabalhadores que quer despedir a darem formação aos precários externos que quer utilizar para os substituir nas mesmas funções.
Para o deputado bloquista, este despedimento coletivo “é uma inaceitável manobra de enxugamento da empresa e de substituição de trabalhadores com direitos por trabalhadores precarizados e mal pagos”. Uma manobra facilitada pelas atuais leis laborais, “seja as que tornaram os despedimentos muito mais baratos, com redução para menos de metade do valor da compensação, numa lei que vem da Troika e que o PS se recusa a alterar”, seja pela norma legal contestada pelo Bloco que impede os trabalhadores de contestar os despedimentos ilícitos se receberem a compensação.
Mas este processo na Altice é também “um balão de ensaio” para outras empresas que preparam uma vaga de despedimentos, à semelhança do que tentou fazer em 2017 com a “fraude da manipulação da transmissão de estabelecimento” que deu origem a uma greve geral na Meo/PT. “Essa luta exemplar forçou a atuação da Autoridade para as Condições do Trabalho, do Governo e conseguiu que a lei mudasse para impedir essa fraude”, recordou Soeiro.
Quatro anos depois, “cabe ao Parlamento impedir este balão de ensaio que a empresa se prepara para fazer”, defendeu o deputado durante o debate parlamentar, concluindo que se trata de “uma manipulação da lei e o Governo tem de ter intervenção enérgica nesta matéria” e deixar claro que isso não é admissível.
“Este despedimento não pode ser autorizado, tem de ser travado, e impedido desde já”, concluiu José Soeiro.
“Não há nenhum clima de paz social no mundo do trabalho”
Pelo Governo interveio no debate o secretário de Estado da Segurança Social. Gabriel Bastos afirmou que o executivo está disponível para prestar ao Parlamento a informação de que dispõe e que acompanha “com particular atenção” este despedimento coletivo na Altice, cujo processo irá prosseguir os “trâmites normais” da conciliação das partes, com a participação da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho.
O governante elogiou ainda o clima de paz social no mundo laboral durante a pandemia e as medidas de apoio à manutenção de emprego que custaram 3 mil milhões de euros aos cofres públicos, bem como o reforço das competências e meios humanos da ACT.
Gabriel Bastos acrescentou que em relação à Altice, a ACT fez nos últimos anos 269 visitas inspetivas, de que resultaram 101 contraordenações no valor total de 462 mil euros. E que logo após o anúncio deste despedimento coletivo, a ACT voltou a realizar uma inspeção à empresa para apurar os factos que o justificam. Esse processo ainda está em fase de investigação, pelo que o Governo se abstém de tecer considerações sobre o processo, apenas reafirmando o “empenho para que as negociações possam conduzir a um entendimento entre as partes que permita evitar a concretização do despedimento coletivo”.
Na resposta, Soeiro afirmou que atualmente “não há nenhum clima de paz social no mundo do trabalho”, dada a permanência das leis da troika que embaratecem os despedimentos e a “declaração de guerra aos trabalhadores de empresas que têm lucros e até os aumentaram durante a pandemia, como é o caso da Altice”.
“Não estamos em clima de paz nem de uma contenda entre partes iguais”, prosseguiu Soeiro, questionando o Secretário de Estado se “acha legítimo que empresas com lucros possam despedir durante a pandemia”, e concluindo com um desafio ao Governo para que apresente uma moratória aos despedimentos nessas circunstâncias.