Excecionais, temporários, especiais… são estes os adjetivos com que as autoridades comunitárias qualificam os impostos sobre a banca na União Europeia (UE) que foram aplicados por uma dezena de países europeus. O que não dizem é que a quantia cobrada é muito inferior ao resgate público de mais de seis biliões de euros (6.000.000.000.000€) que as entidades financeiras receberam desde a crise de 2008.
Pelo menos uma dezena de países europeus aplica algum tipo de agravamento especial da tributação sobre os bancos. É o que consta do Risk Assessment Report (Relatório sobre a Avaliação de Risco), consolidado em dezembro de 2023 [1], segundo o qual a coleta de impostos sobre a banca europeia aumentou cerca de 30% entre junho de 2022 e junho de 2023. Os países em questão são a Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Holanda, Itália, Hungria, Lituânia, Polónia, República Checa, Roménia e Suécia. As taxas, discriminadas por país, são as seguintes:
A Espanha impôs uma taxa temporária de 4,8% sobre as margens de juros e comissões dos bancos que, em 2019, o ano anterior à pandemia, faturaram mais de 800 milhões de euros. Este imposto extraordinário sobre os bancos, juntamente com o imposto sobre as empresas de energia, foi introduzido em meados de 2022 para financiar parte do escudo anti-crise. Em 2022, foram cobrados 1.263 milhões de euros com este imposto sobre as instituições financeiras e espera-se que em 2023 o valor seja semelhante. Ainda não há previsões para a coleta de 2024, que será cobrada no ano seguinte. Os parceiros da coligação governamental, PSOE e Sumar, comprometeram-se a rever os impostos, atualmente extraordinários, para os tornar permanentes a partir de 2025.[2]
A Itália aplica um imposto de 40% sobre a diferença da receita líquida de juros entre 2021 e 2023, com o qual espera arrecadar cerca de três mil milhões de euros. Anunciado em agosto de 2023, um mês depois alterou-o, oferecendo aos bancos uma via de escape: poderiam evitar o pagamento do imposto se aumentassem os seus níveis de capital, na condição de estas reservas não serem utilizadas para remunerar os acionistas através de dividendos ou de programas de recompra de ações.[3]
A Bélgica aumentou a contribuição para o Fundo de Garantia de Depósitos e eliminou a dedutibilidade fiscal. Com estas medidas, o Governo belga tem por objetivo angariar 150 milhões de euros.[4] Os Países Baixos aumentaram o imposto especial sobre os bancos em 30% e criaram um novo imposto sobre as recompras de ações para todas as empresas cotadas. A Áustria aplica um imposto de 0,029% sobre o património líquido e os depósitos garantidos. A Dinamarca aumentou para 26% o imposto sobre as sociedades aplicável aos bancos. A Suécia cobra um imposto de 5-6 pontos de base sobre os passivos dos bancos com mais de 15 mil milhões de euros de ativos.
A Hungria cobra 0,21% sobre o total dos ativos, com exceção dos empréstimos interbancários, e introduziu um novo imposto sobre o volume de negócios de 10% em 2022 e 8% em 2023. A Lituânia aplica um imposto de 60% sobre as receitas líquidas de juros, 50% mais elevado do que a média dos últimos quatro anos. A Polónia aplica um imposto de 0,44% sobre os ativos, os ativos não produtivos, os fundos próprios e as obrigações do tesouro. A República Checa aplica uma sobretaxa de 60% sobre os lucros excedentários. A Roménia impõe um imposto adicional de 1% sobre o volume de negócios.
Embora o relatório da AEB não o inclua, a estes países junta-se a Irlanda, cujo governo vai aumentar em 2024 o imposto que aplica desde 2014 às instituições que receberam ajuda pública durante a crise financeira. Graças a este imposto, as receitas mais do que duplicarão este ano, passando de 87 milhões de euros para 200 milhões de euros. Os bancos afetados são o AIB, o Bank of Ireland e o Permanent TSB.[5]
Precisamente o resgate bancário foi um dos argumentos apresentados pelo governo de Pedro Sánchez para justificar o imposto «excecional e temporário» em julho de 2022: «O Estado, durante a crise financeira, resgatou o sector bancário a um custo, segundo o Tribunal de Contas, de 66.567 milhões de euros», recordou o Presidente. A Ministra das Finanças, María Jesús Montero, acrescentou: «Todos sabemos que este país, numa altura muito complicada e pela mão de governos conservadores, socorreu os bancos. E sempre dissemos, na altura como oposição e agora como governo, que era essencial salvar os cidadãos no seu conjunto. São estas empresas que estão a ter os maiores lucros, que estão a inflar os seus resultados líquidos e, portanto, parece justo que lhes seja pedido que paguem um imposto adicional, temporariamente, para os anos de 2022 e 2023» [6].
Vale a pena recordar que o resgate público dos bancos da UE desde a crise de 2008 até 2017 ultrapassa os seis biliões de euros, entre instrumentos de apoio ao capital (1,12 biliões de euros) e instrumentos de apoio à liquidez (5,03 biliões de euros), de acordo com o Relatório Especial 21/2020 do Tribunal de Contas Europeu.[7] «Desde a crise de 2008 até hoje, o sector dos serviços financeiros recebeu muito mais auxílios estatais do que qualquer outro sector da economia», declarou na altura Mihails Kozlovs, membro do Tribunal de Contas Europeu responsável pela auditoria. «Um controlo adequado e exaustivo destes auxílios estatais é crucial para proteger a concorrência no mercado interno e os contribuintes da UE do fardo dos resgates bancários», acrescentou.
Significativamente, as mesmas pessoas que assinaram a hipoteca do resgate bancário, sob a falsa premissa de que não custaria um único euro aos cofres públicos, são as que criticam agora a tributação das instituições financeiras. É o caso de Luis de Guindos, que, enquanto ministro da Economia, em 2012, assinou o Memorando de Entendimento de 100 mil milhões de euros para o resgate financeiro espanhol. Em 2023, como vice-presidente do Banco Central Europeu, pede que o imposto bancário não afecte «nem a liquidez nem a solvabilidade» das instituições. [8] Em novembro de 2022, o Banco Central Europeu (BCE) publicou um parecer recomendando uma análise das consequências negativas da taxa bancária. A este respeito, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, agradeceu ironicamente a De Guindos pela «ajuda», mas reiterou que o governo prosseguiria o seu roteiro. [9]
Na mesma linha, a Autoridade Bancária Europeia, no seu já mencionado Relatório sobre a Avaliação de Risco, defendeu os interesses da banca, afirmando que as novas medidas poderiam implicar «maior incerteza para o sector bancário». Alertas que não se fizeram ouvir nem quando a banca europeia acumulou desequilíbrios nem quando houve que resgatá-la com dinheiro público.
Notas:
[1] EBA. (12/12/2023). The EU banking sector remains resilient despite pockets of risk stemming from the change in interest rates. EBA.
[2] Sempere, P. (27/12/2023). «El Gobierno extenderá impuestos a banca y energéticas e incluirá en los Presupuestos incentivos a la reinversión». Cinco Días.
[3] Sobrino, R. / Agencias (25/09/2023). «Italia ofrece una vía a los bancos para no pagar el impuesto extraordinario: elevar sus niveles de capital». Cinco Días.
[4] Bombaerts, JP. (09/10/2023). «Les grandes banques mises à contribution pour boucler le budget». L’Echo.
[5] Cinco Días. (10/10/2023). Irlanda junta-se à Espanha e Itália e aumentará os impostos à banca. Cinco Días.
[6] Sánchez, F. / Europa Press. (12/07/2022). «El Gobierno recuerda el rescate bancario para justificar el impuesto al sector». El Periódico.
[7] European Court of Auditors. (2020). Controlo dos auxílios estatais às instituições financeiras na UE: é necessário um balanço de qualidade. Publications Office.
[8] De la Quintana, L. (17/05/2023). «De Guindos pide que el impuesto a la banca no afecte “ni a la liquidez ni a la solvencia”». El Mundo.
[9] RTVE.es / Agencias. (04/11/2022). «Sánchez, a De Guindos tras las críticas del BCE a la tasa a la banca: “Gracias por la ‘ayuda’ pero seguimos adelante”». RTVE.
Fátima Martín é jornalista e membro do CADTM espanhol.
Texto publicado originalmente na página do CADTM.