Fukuyama e a exigência de um lugar ao sol

29 de novembro 2018 - 17:05

Fukuyama conclui que o nacionalismo e o islamismo (“o Islão político”) podem ser encarados como duas faces da mesma moeda, na medida em que ambos exprimem uma identidade de grupo que procura reconhecimento público. Por Ana Bárbara Pedrosa.

porAna Bárbara Pedrosa

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 “Identidades: a exigência de dignidade e a política do ressentimento”, de Francis Fukuyama, foi publicado pela D. Quixote em Portugal no passado Outubro.
 “Identidades: a exigência de dignidade e a política do ressentimento”, de Francis Fukuyama, foi publicado pela D. Quixote em Portugal no passado Outubro.

 “Identidades: a exigência de dignidade e a política do ressentimento”, de Francis Fukuyama, foi publicado pela D. Quixote em Portugal no passado Outubro. O nome de Fukuyama já era conhecido do público português: a mesma editora publicou “Ordem Política e Decadência Política Da Revolução Industrial à Globalização da Democracia” em 2015 e “As Origens da Ordem Política Dos Tempos Pré-Humanos até à Revolução Francesa” em 2012; “A Construção de Estados” saiu pela Gradiva em 2006.

Neste livro, Fukuyama retrata a forma como as exigências das identidades norteiam a a actualidade política internacional, forjam grupos e criam uma sensação de pertença contra a abstracção da sociedade (o caso do Estado Islâmico é um dos exemplos). Assim, as políticas identitárias passam também pela ideia da desconsideração da dignidade dos referidos grupos, razão pela qual Fukuyama acaba por concluir que é a “política de ressentimento” o que dirige as democracias europeias e norte-americana.

No que identifica como uma nova etapa entre as esquerdas e as direitas, e fazendo uma análise a uma escala abrangente, que inclui Europa e EUA, o autor conclui que a esquerda se tem “focado menos na igualdade económica em termos gerais e mais em promover os interesses de uma ampla variedade de grupos que são percebidos como marginalizados – negros, imigrantes, mulheres, hispânicos, a comunidade LGBT, refugiados e outros parecidos”. Ao mesmo tempo, a direita “está a redefinir-se como patriota que procura proteger a identidade nacional tradicional, identidade que muitas vezes é associada a raça, etnicidade ou religião” (p. 24/25).

O autor considera ainda que há três fenómenos presentes no conceito moderno de identidade: o thymos, “um aspeto universal da personalidade humana que anseia reconheciment”; a distinção entre a pessoa interior e a exterior, valorizando-se a primeira acima da sociedade exterior; uma evolução do sentimento da dignidade em que o reconhecimento deve ser universal (p. 27). Com isto, universaliza-se a dignidade, ao alargá-la, e a demanda privada transforma-se num projecto político e social. A individualidade deve ser então respeitada acima dos arranjos sociais, deve entender-se a dignidade assente na liberdade moral, universalizada, e o eu interior deve ser reconhecido.

Fukuyama conclui ainda que o nacionalismo e o islamismo (“o Islão político”) podem ser encarados como duas faces da mesma moeda, na medida em que ambos exprimem uma identidade de grupo que procura reconhecimento público. Nascidos em circunstâncias similares (modernização económica, mudanças sociais), promovem inovadoras formas de associação.

O autor nipo-americano releva assim o exemplo da identidade nacional, que nasce por uma crença na legitimidade do sistema político do país, sendo que aqui a sua democraticidade não tem peso. A identidade extrapola a ideia de crença, já que pode ser incorporada na lei ou em instituições formais, uma vez que é através destas que se considera a língua oficial da nação ou que se estabelece o compêndio do que será transmitido através do que é ensinado. E isto, claro, para além do domínio cultural e do cânone de valores.

Num e noutro caso, o político afecta o pessoal na medida em que a auto-estima individual se relaciona com a estima que é concebida no grupo em que o indivíduo se insere, e por isso os movimentos tornam-se sólidos porque dão terreno a quem, antes da concepção dos primeiros, não tinha um espaço que rompesse a sua invisibilidade, força motriz do ressentimento e razão para a exigência do reconhecimento público. Será isso, no entender de Fukuyama, a “moderna política identitária”. O termo será novo, mas estes grupos replicam as perspectivas de movimentos identitários já existentes, principalmente nacionalistas e religiosos.

Os termos identitários poderão ser mais amplos ou estreitos e cabe aos grupos marginalizados a opção entre um e outro. Ou seja, podem exigir à sociedade um tratamento equivalente ao dos seus grupos dominantes ou clamar uma identidade separada para os seus membros, exigindo respeito pela sua diferença.

Neste livro, Fukuyama defende, assim, que as exigências de identidade são um ponto fulcral na forma como a política mundial foi e está a ser delineada e que o auto-reconhecimento aos níveis de nação, religião e etnia está a remoldar as forças de inter-relacionamento entre sociedades e dentro das sociedades, motivando o espraiar de políticas anti-imigração (baseadas no fortalecimento da noção de alteridade), o Islão politizado e o surgimento dos nacionalismos em grande força.

Ana Bárbara Pedrosa
Sobre o/a autor(a)

Ana Bárbara Pedrosa

Escritora. Doutorada em Literatura, investigadora, editora e linguista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.