Trata-se de uma decisão "inconsistente. Uma marca não pode ter um discurso de portugalidade numa área, e um discurso de aproveitamento fiscal na outra", diz Carlos Coelho da Ivity Brand Corp, que gere a marca da Coca-Cola em Portugal, citado pelo Diário Económico. Este especialista em marketing diz que os consumidores "não estão só atentos às promoções" dos supermercados Pingo Doce e "poderão considerar os anúncios hipócritas".
A indignação com a fuga do grupo de Alexandre Soares dos Santos para a Holanda continua a crescer nas redes sociais e os grupos no Facebook "Salário Mínimo holandês para os trabalhadores do Pingo Doce já" e "Boicote ao Pingo Doce" já ultrapassaram os mil apoiantes cada um.
As reações negativas surgiram de vários setores da sociedade, com o presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz a considerar estarmos "perante uma situação de pouca responsabilidade social". Citado pelo Público, Alfredo Bruto da Costa diz que "uma empresa quando toma esta decisão tem de responder a questões de natureza ética perante si própria" e deixa a pergunta "a que sociedade a empresa deve o facto de possuir este capital?", recordando a interrogação de Soares dos Santos num canal de televisão em abril de 2011 sobre a saída para a crise: "nós temos é de olhar e perguntar: o que é que eu posso fazer pelo meu país?". Também Eduardo Lourenço comentou este caso, para deixar o aviso de que "pagar mais impostos enquanto alguns colocam o dinheiro onde menos pagam cria uma certa perplexidade ao cidadão comum". O pensador que foi distinguido recentemente com o prémio Pessoa diz ainda que "parece que estamos a entrar numa lei da selva na visão marxista do termo". Também o filósofo José Gil recorreu à noção de "capital sem pátria" de Marx para classificar de "inestética" esta fuga ao sistema fiscal português. "Vai aguçar-se a hostilidade latente que há em relação aos ricos, esta crítica permanente da sociedade portuguesa vai ser aguçada", prevê José Gil.
Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda, preferiu sublinhar que ao mesmo tempo que o governo e a troika apresentam medidas que "pretendem destruir a economia", esta decisão "é uma prova de que os donos da economia do país preferem a mesquinhez à responsabilidade". E recordou ainda o caso do único português mais rico que Soares dos Santos, Américo Amorim, envolvido num processo de fraude fiscal em que "se atrevia a registar para abater no IRC das suas empresas despesas pessoais como viagens de família, festas de aniversário, um cinto de pele de crocodilo e objetos de higiene pessoal".
Também na imprensa económica chovem as críticas à fuga do grupo de Soares dos Santos ao pagamento de impostos em Portugal. O diretor do Diário Económico diz que a decisão do segundo homem mais rico de Portugal de mudar a sede da sociedade que controla o grupo Jerónimo Martins para a Holanda não mereceria nenhum reparo, "não fosse Soares dos Santos um empresário que nos pede, em tom de lição moralista, para não desistirmos do País". Para António Costa trata-se de uma contradição evidente, até "porque os contribuintes individuais e as pequenas e médias empresas não podem ir para a Holanda, mas têm de ouvir o patriarca da família Soares dos Santos, e o segundo homem mais rico do País a dizer como é que se devem comportar para que Portugal saia da situação de emergência em que está".
António Costa contraria ainda as declarações de Soares dos Santos ao seu jornal e diz mesmo que "a primeira e mais importante razão para a escolha da Holanda não é o acesso a um novo mercado de capitais, é o pagamento de menos impostos do que pagaria em Portugal, hoje e no futuro. Porque, como diz o slogan do Pingo Doce, ‘sabe bem pagar tão pouco'", conclui o diretor do Diário Económico.
No Jornal de Negócios, Pedro Santos Guerreiro insurge-se contra o escândalo público que a fuga da Jerónimo Martins levantou. "A decisão da família Soares dos Santos pode ser criticada mas não pelas razões que ontem se ouviram. A Jerónimo Martins não vai pagar menos impostos. E a família que a controla também não. Até porque já pagava poucos", diz o diretor do Negócios. Santos Guerreiro acusa o
empresário de ter "cortado o futuro" com Portugal há muito tempo, com a estratégia de crescimento do grupo a passar cada vez mais pelo estrangeiro. "Investir fora do país não é traição. É apenas desistir dele. E a Jerónimo Martins já partiu para a Polónia há muitos, muitos anos - ou ninguém reparou?", pergunta o diretor do Jornal de Negócios no seu editorial.
A chamada deslocalização fiscal atraiu já 19 das 20 empresas cotadas no PSI-20, que detêm 74 sociedades com sede em paraísos fiscais ou noutras zonas mais vantajosas do ponto de vista de quem quer fugir às obrigações fiscais em Portugal. O Banco Espírito Santo lidera este grupo em número, com dez sociedades, mais uma que o Banif. O destino preferido é a Holanda e segundo o jornal Público 16 destes grupos têm 31 sociedades registadas em Amesterdão.