Franzen, as fake news que voam entre os pássaros

24 de novembro 2018 - 16:04

“O fim do fim da terra” (D. Quixote, 2018) é um conjunto de ensaios escritos maioritariamente nos últimos cinco anos por Jonathan Franzen, autor de obras como “The Corrections” (2001), “Freedom” (2010) ou “Purity” (2015). Por Ana Bárbara Pedrosa.

porAna Bárbara Pedrosa

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O fim do fim da terra, Jonathan Franzen
O fim do fim da terra, Jonathan Franzen

A caleidoscopia de temas pode a priori parecer atabalhoada, já que o autor reuniu ensaios sobre o relacionamento com o tio, episódios da sua juventude, a instrumentalização das redes sociais e o papel que têm no delinear de direcções políticas, o 11 de Setembro e, não de somenos, observação de aves, tema sobre o qual Franzen se mostra particularmente obcecado. Aliás, o tema dos pássaros perpassa de tal forma a obra que excertos destes são possíveis: “Sob a ditadura marxista de Enver Hoxha, que durou quarenta e dois anos, a Albânia foi um estado policial excecionalmente repressivo, com uma paisagem pontuada por milhares de guaritas de betão em forma de cogumelo viradas para as impenetráveis fronteiras do país. O totalitarismo destruiu o tecido da sociedade e tradição albanesas, mas para as aves não foi um período mau.” (p. 99).

O primeiro texto do compêndio de ensaios refere-se precisamente à crise do ensaio, “O ensaio em tempos negros”. É lá que Franzen analisa o papel das redes sociais enquanto forma de reprodução do vazio ao invés do juízo crítico: “O jornalismo tradicionalmente rigoroso, em lugares como The New York Times, amoleceu e passou a permitir que o Eu, com a sua voz, as suas opiniões e impressões, ganhasse a ribalta das primeiras páginas, e os críticos literários sentem-se cada vez menos obrigados a analisar os livros com qualquer espécie de objetividade” (p.13).

Esta ideia é relevante, já que Franzen, norte-americano focado na premência da actualidade política, nos efeitos de Trump no mundo e nos das redes sociais em Trump, ou seja, em diálogo com o presente, discorre sobre as armadilhas das redes sociais, a forma como a democratização da publicação também significa a ausência de um filtro que responda pelo conteúdo, e portanto significa também desresponsabilização. Nesse sentido, considera o Twitter o “meio de comunicação mais irresponsável” e explica o seu papel na eleição do actual presidente dos Estados Unidos. De acordo com o autor norte-americano, foram as redes sociais aquilo que permitiu a Trump “contornar a comunidade dos críticos encartados”. Daí a sua conclusão: “Isto resulta daquilo: sem o Twitter e o Facebook não haveria Trump.”

Após as eleições, Zuckerberg pareceu assumir a responsabilidade da criação de uma platarforma ideal para a proliferação de notícias falsas e até assumir que o Facebook poderia começar a filtrar mais as notícias. Contudo, o Twitter, esse “meio de comunicação mais irresponsável”, nada disse. E Trump continuou a twittar fervorosamente, a eleger essa plataforma como a primordial para a sua comunicação com os cidadãos.

Numa altura em que o assunto das fake news começa a chegar a Portugal e dias após Paulo Pena, jornalista do DN, ter desmascarado o site Direita Política, empenhado em proliferar mentiras sobre quem estivesse em desacordo com o seu mentor João Pedro Rosas Fernandes, o primeiro ensaio de Franzen será, do conjunto publicado, o que mais terá a dizer e o que nos falará mais directamente.

Ana Bárbara Pedrosa
Sobre o/a autor(a)

Ana Bárbara Pedrosa

Doutorada em Literatura, investigadora, editora e linguista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.