Empréstimo do FMI ao Paquistão: quem vai pagar é o povo

22 de julho 2023 - 23:31

O Governo congratulou-se com o acordo com o FMI, dizendo que sem ele Paquistão teria entrado em incumprimento como o Sri Lanka. Mas será o povo a pagar um pesado preço pelos termos e condições draconianos do empréstimo. Por Farooq Tariq.

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A diretora-geral do FMI Kristalina Georgieva e o primeiro-ministro paquistanês Shehbaz Sharif em setembro passado.
A diretora-geral do FMI Kristalina Georgieva e o primeiro-ministro paquistanês Shehbaz Sharif em setembro passado. Foto Kim Haughton/FMI - Flickr

A 12 de julho de 2023, o Conselho de Administração do Fundo Monetário Internacional aprovou um empréstimo condicional no valor de 3 mil milhões de dólares para o Paquistão, superior ao previsto. O empréstimo, conhecido como "Stand-By Arrangement" (SBA), foi saudado como uma grande vitória para o Paquistão pelo atual governo de coligação liderado pelo primeiro-ministro Shahbaz Sharif. Os porta-vozes do Governo reconheceram publicamente que, sem o SBA, o Paquistão teria entrado em incumprimento. Mas o povo tem de pagar um pesado preço pelos termos e condições draconianos do FMI.

No dia em que o empréstimo do FMI foi aprovado, o preço da eletricidade aumentou 5 rupias por unidade. O departamento de gás também anunciou um aumento dos preços, como parte do acordo com o FMI. A implementação das condições do FMI para o empréstimo resultou num aumento de preços sem precedentes em todo o país.

Além disso, a taxa de juro já subiu para 21% e foram retirados vários apoios públicos. Foram aplicados novos impostos ao sector imobiliário e da construção, enquanto o imposto sobre bens e serviços (GST) foi aumentado em um por cento. Estão em curso conversações sobre um novo mini-orçamento, que poderá provocar novas subidas de impostos. Estas medidas fiscais atingem sobretudo as pessoas comuns, uma vez que o peso da tributação recai sobre elas. Apesar da introdução de um novo super imposto que varia entre 1 e 10 por cento sobre os indivíduos e empresas abastados desde maio de 2022, não existe atualmente um mecanismo eficaz para cobrar impostos aos ricos.

Para garantir o SBA de 3 mil milhões de dólares, o Paquistão pagou 12 mil milhões de dólares em serviço da dívida externa durante o exercício financeiro de 2022-2023. Para além do empréstimo do FMI, o Paquistão também recebeu um empréstimo de 2 mil milhões de dólares da Arábia Saudita e um empréstimo de mil milhões de dólares dos Emirados Árabes Unidos (EAU). Estes empréstimos atenuaram temporariamente o risco de incumprimento para o Paquistão.

No entanto, para a maioria da população, o Estado já entrou em incumprimento em vários domínios. A pandemia de covid-19 levou a um aumento de 20 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza, e as recentes medidas de austeridade implementadas pelo Governo desde abril de 2022 acrescentaram mais 10 milhões a essa contagem. Embora tenha havido um aumento salarial de 35% para os funcionários do sector público (que tinham exigido um aumento de 100%), não foi concedido qualquer alívio aos trabalhadores do sector privado. De acordo com uma estimativa conservadora do Banco Mundial, a taxa de pobreza no Paquistão deverá atingir 37,2% (3,65 dólares por dia).

As condições impostas pelo FMI ao Paquistão provavelmente não têm paralelo a nível internacional. O FMI exerceu uma influência significativa sobre a classe dirigente paquistanesa, obrigando-a a cumprir todas as exigências. Esta situação é também influenciada pela dinâmica geopolítica em jogo, sendo a China o maior parceiro económico do Paquistão. Através do Corredor Económico Paquistão-China (CPEC), a China investiu no Paquistão mais de 25 mil milhões de dólares, de um total de 60 mil milhões prometidos, principalmente sob a forma de empréstimos. O FMI temia que o Paquistão pudesse utilizar os empréstimos do FMI para reembolsar as dívidas à China.

Apesar das cheias devastadoras do ano passado, que resultaram num prejuízo de 30 mil milhões de dólares, as rigorosas condições impostas pelo FMI foram aplicadas sem ter em conta estes problemas. O Governo não conseguiu reparar adequadamente as vítimas das inundações, com mais de 4 milhões de pessoas ainda a residir em campos de deslocados. Além disso, as promessas feitas ao Paquistão na COP 27, no âmbito do "acordo de perdas e danos", ainda não se concretizaram.

Embora estas medidas económicas possam ter ajudado a evitar uma situação de incumprimento ao estilo do Sri Lanka, corroeram significativamente a popularidade do atual governo. Consequentemente, o antigo primeiro-ministro, Imran Khan, registou um aumento de popularidade, apesar de ter perdido uma moção de censura em 2022. No entanto, esta popularidade está a diminuir. A reação violenta, incluindo ataques a instalações militares, do partido de Imran Khan, o Partido da Justiça do Paquistão (PTI), na sequência da sua breve detenção em 9 de maio, serviu de pretexto ao poder militar para reprimir o PTI. Mais de 3.000 militantes e dirigentes do PTI foram detidos e foram criados tribunais militares para julgar os civis envolvidos em ataques a instalações militares. Ironicamente, Imran Khan foi colocado no poder pelo poder militar, mas foi posteriormente afastado quando fugiu ao seu controlo.

As eleições gerais estão marcadas para outubro, mas há receios de um eventual adiamento. Paradoxalmente, o atual governo impopular de coligação, devido à aplicação das condições impostas pelo FMI, poderá ainda ter uma vantagem nas eleições, uma vez que é apoiado pelo poder militar. A opção alternativa são os partidos religiosos fundamentalistas, que, pelo menos em teoria, mantêm a oposição ao FMI. Estes partidos fundamentalistas podem recuperar a popularidade à semelhança do sucesso que tiveram em 2002, na sequência dos acontecimentos de 11 de setembro. É improvável que o PTI de Imran Khan, a menos que seja desqualificado devido a acusações de corrupção e ataques a instalações militares, alcance o mesmo nível de sucesso que nas anteriores eleições gerais de 2018.

Os partidos de esquerda no Paquistão, hoje em dia marginalizados, estão a ponderar concorrer apenas a alguns mandatos. Ali Wazir, o único deputado socialista na Assembleia Nacional, ganhou proeminência através da sua oposição ao poder militar. No entanto, tornou-se um alvo dos poderosos militares, tendo passado metade do seu mandato atrás das grades. Apesar de continuar a ser popular no seu círculo eleitoral, as fraudes eleitorais poderão impedir a sua vitória nas próximas eleições.


Farooq Tariq é o Secretário-Geral do Comité Kissan Rabita do Paquistão, uma rede de 26 organizações de agricultores e membro da coligação da plataforma internacional La Via Campesina. Artigo publicado em Europe Solidaire Sans Frontières (link is external). Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net.