Os Verdes, fundados como um partido pacifista, são agora fervorosos defensores do rearmamento.
A estabilidade era uma das maiores virtudes da Alemanha. Já não é. Uma crise política provocou as eleições federais antecipadas de 23 de fevereiro. E a maior economia da Europa está em recessão há dois anos. A indústria alemã foi afetada pelo aumento dos custos da energia, na sequência das sanções da UE contra a Rússia. Grandes grupos empresariais, como a Volkswagen, estão a planear a redução de dezenas de milhares de postos de trabalho; as falências de empresas atingiram o seu nível mais elevado desde a crise financeira de 2008 e a desindustrialização é iminente. Em novembro passado, a coligação governamental entre o Partido Social-Democrata (SPD), os Verdes (Die Grünen) e o liberal Partido Democrático Livre (FDP) desfez-se devido a disputas orçamentais para 2025.
O pagamento do fornecimento de armas à Ucrânia foi um fator-chave. O enorme custo do rearmamento da própria Alemanha já estava a pesar nas finanças do governo. Desde 2022, quando o chanceler Olaf Scholz prometeu um fundo especial de 100 mil milhões de euros ao longo de cinco anos para reforçar as forças armadas, os Verdes, o SPD e a União Democrata Cristã (CDU) falaram de até mais 300 mil milhões de euros, separados da dotação orçamental regular para a defesa (Der Spiegel, 16 de fevereiro de 2024). O facto de os países da NATO já terem um orçamento militar dez vezes superior ao da Rússia não entra no debate.
Todos os partidos, exceto o Die Linke e a Aliança Sahra Wagenknecht, concordam que é necessário um rearmamento numa escala sem precedentes, mas divergem quanto à forma de o pagar. A CDU, a Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita, e o FDP propõem cortes drásticos nas despesas sociais, enquanto o SPD e os Verdes favorecem o aumento do endividamento – embora não tenham excluído uma aliança pró-austeridade com a CDU, cujo líder, Friedrich Merz, diz que a Alemanha deve “ousar ser mais capitalista”. O politólogo Christoph Butterwegge receia que, após as eleições, haja um “ataque frontal ao Estado social”.
O novo militarismo da Alemanha, impensável há apenas alguns anos, coincidiu com uma mudança radical na sua cultura política. Nos cartazes eleitorais do SPD, o ministro da Defesa Boris Pistorius (SPD), que apelou a um exército “apto para a guerra em 2029”, posa em equipamento de combate, de arma na mão – uma reviravolta espetacular para o partido cuja política de desanuviamento e aproximação à União Soviética valeu ao chanceler Willy Brandt o Prémio Nobel da Paz.
Armas, armas e mais armas
Mas nenhum partido mudou mais do que os Verdes. Fundados em 1980 como um partido anti-guerra, tornaram-se, nos últimos anos, fervorosos e belicosos defensores do rearmamento. Anton Hofreiter, que durante muitos anos presidiu o grupo parlamentar do partido no Bundestag, está continuamente a exigir “armas, armas e mais armas”, e critica a recusa do SPD em enviar à Ucrânia mísseis de cruzeiro de longo alcance Taurus.
Durante a campanha eleitoral federal de 2021, os Verdes insistiram que as armas não deveriam ser fornecidas aos beligerantes num conflito; apenas um ano depois, a Ministra dos Negócios Estrangeiros Annalena Baerbock (Verdes) delineou o novo discurso duplo da política dos Verdes: “O fornecimento de armas ajuda a salvar vidas”, afirmou no Süddeutsche Zeitung em setembro de 2022. O seu antecessor, Joschka Fischer, apelou desde então a que a UE desenvolvesse o seu próprio arsenal nuclear, uma ideia apoiada por jornalistas supostamente progressistas, como Ulrike Herrmann, do taz.
Os Verdes, com os seus parceiros de coligação e os dois principais partidos da oposição – a CDU e o AfD – também apoiam as guerras de Israel no Médio Oriente. Sendo o maior fornecedor de armas a Telavive, a seguir aos Estados Unidos, a Alemanha protege Israel financeira e diplomaticamente. Enquanto o governo federal se apresenta como um defensor resoluto do direito internacional na Ucrânia, ridiculariza-o quando se trata de Israel, ajudando-o a cometer crimes de guerra que a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch classificam como genocídio. Nem Baerbock nem o ministro da Economia e vice-chanceler Robert Habeck (também candidato dos Verdes a chanceler) puseram em causa os carregamentos de armas ou sugeriram que estes deveriam ser condicionados ao fim do ataque de Israel a Gaza.
Um tom militar de verde
A mudança para um tom de verde nitidamente militar choca os poucos ativistas do partido que recordam o manifesto fundador de 1980: “A política externa ecológica é uma política de não-violência… A não-violência não significa rendição, mas a garantia da paz e da vida por meios políticos e não militares… O desenvolvimento de um regime civil fundado no valor orientador da paz deve ser acompanhado do início imediato da dissolução dos blocos militares, especialmente da NATO e do Pacto de Varsóvia”. Em plena Guerra Fria, apelou ao “desmantelamento da indústria de armamento alemã e à sua conversão para a produção pacífica”.
Um ponto de viragem importante na transformação dos Verdes no partido da guerra foi o conflito do Kosovo. Na primavera de 1999, a coligação SPD-Verdes, liderada por Gerhard Schröder (SPD) e pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros Joschka Fischer (Verdes), decidiu que a Alemanha participaria no bombardeamento da Sérvia pela NATO sem o apoio do Conselho de Segurança da ONU. Esta decisão violou a Carta das Nações Unidas, o acordo Dois Mais Quatro e a Constituição alemã, que proíbe as guerras de agressão.
Na conferência do partido de 1999, Fischer justificou esta decisão com as palavras: “Nunca mais Auschwitz, nunca mais genocídio”. A sua comparação da guerra civil no Kosovo com Auschwitz suscitou protestos de sobreviventes do Holocausto, que a classificaram de “vergonhosa”, mas ajudou a garantir a aprovação do partido para o envolvimento da Alemanha na campanha da NATO. Comparar os adversários do Ocidente a Hitler e ao seu extermínio de judeus, para legitimar intervenções militares, faz parte do repertório dos Verdes desde então. Em abril de 2022, o antigo ministro do Ambiente, Jürgen Trittin, estabeleceu um paralelo entre o massacre de civis ucranianos pelas tropas russas em Bucha (cerca de 200, segundo a ONU) e as atrocidades cometidas pelos esquadrões da morte móveis das SS, que executaram centenas de milhares de judeus na Europa de Leste.
Ao longo dos anos, a política externa dos Verdes foi-se alinhando gradualmente com a dos neoconservadores americanos. A promoção dos “valores ocidentais”, se necessário através de uma intervenção militar, tem sido apoiada por think tanks atlantistas que contam nos seus membros com proeminentes Verdes. Baerbock, que se diz inspirada pela ex-secretária de Estado norte-americana Madeleine Albright, foi bolseira do German Marshall Fund of the United States, enquanto a maioria das figuras de topo do partido nos últimos 20 anos, incluindo Claudia Roth, Katrin Göring-Eckardt, Cem Özdemir, Reinhard Bütikofer e Omid Nouripour, têm sido membros da Atlantic Bridge, uma rede de banqueiros, estrategas militares, jornalistas e políticos que tem como objetivo reforçar as relações entre a Alemanha e os EUA.
Do ponto de vista dos EUA, a cooptação dos líderes dos Verdes tem sido um grande sucesso: o partido que outrora era a favor da dissolução da NATO defende agora o seu alargamento e a militarização da política externa alemã. No impasse com a China, os Verdes também alinharam com os falcões americanos. Esta mudança abriu uma grande brecha entre o círculo de ativistas ambientais, ainda próximos dos Verdes, e o movimento pacifista; as suas relações estreitas foram outrora a fonte da força do movimento.
Uma figura chave nesta mudança é Ralf Fücks, um antigo maoísta, mais tarde codiretor durante duas décadas da Fundação Heinrich Böll (filiada nos Verdes). Atualmente, é diretor do Centro para a Modernidade Liberal, um think tank de Berlim que pretende defender as “democracias liberais” contra os “regimes autoritários” através do rearmamento e do atlantismo. Esta organização supostamente não governamental é financiada em grande parte pelo Estado alemão.
Esqueçam o pacifismo e o anticapitalismo
No final dos anos 80, Fücks e o ativista político Daniel Cohn-Bendit faziam parte de uma fação que procurava afastar os Verdes do anticapitalismo e do pacifismo. No entanto, em 1998, o manifesto eleitoral federal dos Verdes ainda apelava a “uma ordem pan-europeia de paz e segurança” que pudesse “substituir a NATO e criar as condições necessárias para o desarmamento total”. Estas promessas eleitorais desapareceram para sempre depois de os Verdes terem entrado para o governo federal e votado a favor da guerra do Kosovo.
O outro grande fator subjacente a esta mudança é a evolução demográfica dos eleitores do partido. Os dissidentes da década de 1970 transformaram-se nas classes abastadas, urbanas e instruídas da década de 1990, que é onde o partido encontra agora os seus apoiantes. Cerca de 78% do eleitorado dos Verdes diz ser a favor da continuação do fornecimento de armas à Ucrânia, mais do que em qualquer outro partido, mas apenas 9% estaria preparado para pegar em armas para defender o seu país. Lutar contra a Rússia até ao último ucraniano é a sua resposta ao projeto de compromisso militar em nome dos “valores ocidentais”.
Desde fevereiro de 2022, as posições dos Verdes em matéria de política externa estão entre as mais agressivas da Alemanha. Imediatamente após a invasão da Ucrânia, Baerbock, como muitos políticos ocidentais, disse que deveriam ser tomadas medidas para “arruinar a Rússia”. Em 6 de abril de 2022, Jürgen Trittin disse no Bundestag: “Estamos a enviar a Rússia de Vladimir, o Terrível, de volta aos anos 60”, e sugeriu que as sanções deveriam continuar mesmo após o fim da guerra. Assim, os Verdes opuseram-se a todos os esforços para encontrar uma solução diplomática, mesmo depois de os chefes de Estado-Maior dos Estados Unidos e da Ucrânia terem admitido que estavam perante um impasse militar. No entanto, a estratégia de enfraquecimento de Moscovo e de afastamento permanente da UE em relação à Rússia tem um preço para a Alemanha: a ameaça de declínio industrial. Quaisquer tarifas impostas pela administração Trump irão certamente agravar a situação, tal como o crescente afastamento da Alemanha em relação à China. Berlim vê-se cada vez mais isolada entre os grandes blocos.
Embora o número de membros do partido tenha duplicado entre 2017 e 2024, a percentagem de votos dos Verdes nas eleições para o Parlamento Europeu de junho de 2024 foi praticamente reduzida para metade, para 11,6%, em comparação com 20,5% em 2019. As suas perdas foram maiores entre os jovens eleitores. Em setembro, o partido sofreu uma nova derrota nas eleições parlamentares nos antigos Länder da Turíngia, Brandeburgo e Saxónia, onde perdeu todos os seus lugares nos governos estaduais. Na Turíngia e em Brandeburgo, a percentagem de votos dos Verdes não atingiu sequer o limiar de 5% para voltar a entrar nos parlamentos. Os líderes nacionais do partido, Omid Nouripour e Ricarda Lang, anunciaram a sua demissão na conferência partidária de novembro. Os dirigentes e todo o comité executivo da sua organização juvenil também se demitiram, tendo mesmo abandonado o partido por este estar a tomar uma direção incompatível com os seus ideais. Mas a direção nacional não dá sinais de mudar de rumo. Robert Habeck apelou a que a Alemanha gastasse 3,5% do seu PIB na defesa, dedicando uma parte significativa do orçamento federal ao sector da economia que mais prejudica o ambiente. A ideia de posicionar a Alemanha e a UE como uma força de paz entre os blocos rivais na nova realidade geopolítica nem sequer é mencionada.
Fabian Scheidler é jornalista e autor de The End of the Megamachine: a Brief History of a Failing Civilization.
Texto publicado originalmente no The Nation.