Bósnia e Herzegovina: O povo nas ruas, pela primeira vez desde 1995

20 de junho 2013 - 10:37

As manifestações sucedem-se em Sarajevo e noutras cidades bósnias contra o bloqueio de discutíveis instituições. Esta é a primeira vez desde o fim da guerra, em 1995, que um movimento reúne todos os cidadãos da Bósnia e Herzegovina. Por Jean-Arnault Dérens

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Esta é a primeira vez desde o fim da guerra, em 1995, que um movimento reúne todos os cidadãos da Bósnia e Herzegovina Foto retirada de A l'encontre

Há uma semana que se sucedem manifestações e desfiles em Sarajevo, mas também noutras cidades do país que continua "bloqueado" pelo mecanismo infernal de discutíveis instituições. Quarta-feira, milhares de pessoas manifestaram-se em Banja Luka, capital da entidade sérvia.

“Abaixo o nacionalismo, viva a cidadania da Bósnia e Herzegovina: o painel redigido nos dois alfabetos usados no país, o cirílico e o latino, flutuava acima da multidão reunida terça-feira em frente ao parlamento em Sarajevo. Eram mais de 10.000 pessoas: agricultores, ou trabalhadores cujo salário não é pago há meses, vieram, em cortejo, engrossar a multidão. Solidários, os taxistas de Sarajevo bloquearam o trânsito durante várias horas.

Tudo começou com um pretexto quase "fútil": um bebé de três meses de idade que precisava de tratamento urgente no estrangeiro não pôde viajar por falta de um passaporte. Na verdade, desde 12 de fevereiro último, os recém-nascidos não podem obter o número de identificação nacional, devido a um desacordo entre as partes, sobre o novo nome das províncias da República Sérvia, a entidade sérvia no país. Portanto, todos os bebés nascidos desde então estão "em situação irregular”.

No dia 6 de junho, algumas centenas de pessoas reuniram-se em frente ao Parlamento, em Sarajevo. A multidão foi engrossando ao longo do dia, os manifestantes decidiram "cercar" o edifício, impedindo os deputados de sair, enquanto não legislassem sobre o problema. O texto não foi aprovado, mas o "cerco" foi levantado no dia seguinte às 4 horas da manhã. Desde então, o movimento continua. Os estudantes entraram em ação, tanto em Sarajevo como em Banja Luka, capital da República Sérvia. Outras manifestações tiveram lugar em Zenica, Tuzla, Prijedor, Brcko e outras cidades mais pequenas.

Esta é a primeira vez desde o fim da guerra, em 1995, que um movimento reúne todos os cidadãos da Bósnia e Herzegovina. Para Darko, militante de um pequeno grupo anarquista em Sarajevo ," o barril estava cheio há muito tempo. Aguardava-se apenas que chegasse a faísca que iria pegar fogo "... Esta" faísca" pode ter vindo da Turquia, país que ainda é muito próximo da Bósnia e Herzegovina, politicamente e culturalmente. Na semana passada, foram realizados em Sarajevo comícios de apoio aos manifestantes turcos da Praça Taksim. Eles "colaram-se" às marchas de protesto...

Quarta-feira em Banja Luka, milhares de manifestantes desafiaram a proibição de manifestações emitida pelas autoridades, tendo-se os estudantes juntado a aposentados e antigos combatentes. Mais uma vez, rapidamente se fez a aproximação ao movimento "Ocupar Gezi Park". Há mais de um ano que os cidadãos da cidade se manifestam regularmente para tentar salvar o parque Picin que as autoridades locais também querem transformar num centro comercial. "Na República Sérvia, as pessoas estão habituadas a ouvir o poder. Toda a gente vive mal, mas não voltou a haver qualquer movimento social desde o fim da guerra ", explica a jornalista Dragana Tadic. "A mobilização para o parque era, portanto, algo sem precedentes, o início de uma consciência cívica".

Estes prenúncios de "primavera bósnia" preocupam muito as autoridades. Rajko Vasic, o secretário-geral do Partido dos Sociais-Democratas Independentes (SNSD), a formação de Milorad Dodik, presidente da República Sérvia, teve que pedir a demissão depois de, no seu blogue, ter apelidado, de "bastardos" os estudantes que protestavam em Banja Luka. Na verdade, a classe política é alvo de igual rejeição em ambas as entidades do país. Além disso, com exceção do novo presidente da câmara de Sarajevo, o popular Ivo Komšić, que apareceu numa das manifestações, é notória a ausência de todos os políticos do país desde o início do movimento.

Artigo deJean-Arnault Dérens1, publicado no jornal suíço Le Temps, no dia 13 de junho de 2013. Disponível em A l'encontre. Tradução de Deolinda Peralta para esquerda.net


1 Jean-Arnault Dérensé desde 1998 responsável pela publicação Le Courrier des Balkans. Colabora em várias publicações como Le Monde Diplomatique, La Libre Belgique, Ouest-France, Le Temps. Já publicou vários livros, entre os quais Balkans, a crisena coleção Gallimard Folio.