Hungria

Braço de ferro sobre direitos LGBTQI+ intensifica-se

06 de junho 2025 - 11:27

Uma advogada-geral do Tribunal Europeu de Justiça considerou que a lei que proíbe conteúdos LGBTQI+ nas escolas e nas emissões diurnas televisivas viola os direitos humanos. O governo de Orbán proíbe marchas mas a organização do Pride de Budapeste desafia-o prometendo o maior evento de sempre.

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Pride de Budapeste de 2024.Pride de Budapeste de 2024.
Pride de Budapeste de 2024. Foto: Budapeste Pride

Tamara Ćapeta, advogada-geral do Tribunal Europeu de Justiça, emitiu esta quinta-feira um parecer não vinculativo em que considera que a lei húngara que proíbe conteúdos sobre pessoas LGBTQI+ nas escolas e no horário nobre da TV viola os direitos humanos básicos da dignidade humana, respeito pela vida familiar e não discriminação presentes no Tratado da União Europeia e na Carta dos Direitos Fundamentais.

Também avalia que viola a liberdade de expressão, contrariando as leis de comércio e audiovisual europeias que impedem os governos de impedir restrições às empresas de comunicação social sem que haja um interesse público bem fundamentado.

No TEJ, as opiniões dos advogados-geral não são lei mas os juízes desta instância seguem-nas na maioria dos casos.

Ao longo de 69 páginas, a jurista contraria amplamente os argumentos do governo de extrema-direita de Viktor Orbán a favor de uma lei de 2021 que este chamou de “proteção das crianças”. Trata-se uma legislação em sentido semelhante à lei russa contra a “propaganda gay” e que bane por completo a presença de pessoas ou temas LGBTQI+ em materiais educativos mas também em programas televisivos, filmes ou anúncios publicitários que passem antes das 22 horas.

Para Ćapeta, a lei não foi baseada em qualquer prova científica mas num “preconceito de que a vida homossexual e não-cisgénero não tem estatuto ou valor igual à heterossexual ou cisgénero”.

Daí que, ao invés de proteger as crianças de “danos” como alega, esta legislação “expande tais danos”. Isto porque “os efeitos estigmatizantes da legislação húngara, que cria um clima de hostilidade em relação às pessoas LGBTI, podem afetar os sentimentos de identidade, autoestima e autoconfiança das pessoas LGBTI” e porque “os menores que pertencem à comunidade LGBTI são especialmente afetados, pois a remoção de informação sobre a vida LGBTI da esfera pública impede-os de perceber que a sua vida não é anormal”. Para além disso, “afeta também a sua aceitação pelos colegas, na escola ou noutros ambientes, afetando, por conseguinte, o seu direito a uma 'vida social privada'.”

De um lado a proibição das marchas, do outro o orgulho jura que vai sair à rua

Este parecer chega numa altura em que as proibições de eventos LGBTQI+ se adensam. Em 18 de março passado foi aprovada no Parlamento uma lei que permite a proibição de atos públicos que estejam contra a lei de 2021 contra a “propaganda LGBTQI”. Esta permite que tecnologia biométrica de reconhecimento facial seja utilizada para rastrear participantes e multá-los. No mês seguinte, a 14 de abril, foi aprovada uma emenda constitucional nesse mesmo sentido. Alterou-se a hierarquia constitucional para o direito das crianças “à proteção e desenvolvimento moral” vir logo a seguir ao direito à vida apenas para estabelecer uma base constitucional para proibir ajuntamentos em nome da “violação dos direitos das crianças”, ou seja para proibir eventos LGBTQI+ .

Já depois disso, foi pedida a autorização para uma marcha LGBTQI+ em Budapeste a 1 junho para protestar contra a homofobia e a transfobia e defender igualdade de direitos. Esta foi negada pela polícia por “violar os direitos das crianças”, por considerar que pessoas com menos de 18 anos possam “envolver-se em condutas proibidas legalmente” durante o evento e porque haveria “vítimas passivas”, ou seja pessoas que se tornariam “espetadores” da marcha” devido “à sua natureza pública”.

Organizações de defesa dos direitos humanos como a Amnistia Internacional, a Háttér Society, o Comité Helsínquia da Hungria, a Rainbow Mission Foundation e a União Húngara de Liberdades Civis responderam considerando que “a decisão ilustra o quão arbitrária é a aplicação da lei: a recém-introduzida restrição à liberdade de reunião visa silenciar pessoas e comunidades arbitrariamente selecionadas pelo governo e apenas permite o discurso público sobre questões toleradas pela maioria governante”.

Assim, “o Estado restringe discriminatoriamente um dos direitos democráticos mais fundamentais: o direito à reunião pacífica e à liberdade de expressão. A decisão implica que se possa realizar qualquer tipo de reunião, exceto aquelas que lembrem a polícia da Marcha do Orgulho. Não se sabe quais as considerações que são tidas em conta na tomada de decisão. Esta flagrante arbitrariedade por parte das autoridades coloca-nos a todos em risco, independentemente da orientação sexual ou identidade de género, pois agora podem banir qualquer comunidade ou opinião que o governo considere desconfortável por razões políticas, sob o pretexto de “proteção da criança” – sem qualquer justificação legal ou científica”.

O Pride de Budapeste celebra este ano o seu 30º aniversário. E a organização promete que a marcha acontecerá no próximo dia 28 “seja como for”, independentemente da decisão governamental, “este irá acontecer” e “será o maior de sempre”.