Alemanha: depois do desastre ambiental, o debate político

18 de julho 2021 - 13:27

A tragédia matou mais de 150 pessoas na Alemanha. A extrema-direita nega as alterações climáticas, o candidato conservador causou indignação ao rir-se enquanto o presidente da República falava sobre as inundações e este diz ser necessário maior envolvimento na luta contra as alterações climáticas.

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Cheias na Alemanha. Foto de SASCHA STEINBACH/EPA/Lusa.
Cheias na Alemanha. Foto de SASCHA STEINBACH/EPA/Lusa.

Mais de 150 pessoas morreram na Alemanha e 27 na Bélgica devido às inundações e enxurradas da última semana no centro da Europa. Este balanço é provisório e pode ainda aumentar porque há muitos desaparecidos e centenas de feridos. Com o temporal amainado e os esforços de resgate ainda a acontecer, a política começa a entrar em cena na Alemanha, um país ainda chocado com o que aconteceu.

Regressada da sua visita aos EUA, Angela Merkel visita este domingo a região da Renânia-Palatinado, indo à aldeia de Schuld, apresentada pelo Ministério do Interior deste estado como “mártir”. A chanceler fala numa “tragédia nacional” e promete ajuda federal para reconstrução dos locais mais afetados.

Merkel está em fim de mandato e a relevância e a dimensão da tragédia acabou por entrar na campanha para a sua sucessão em setembro. Os três candidatos dos maiores partidos alemães, Annalena Baerbock, dos Verdes, Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata, e Armin Laschet, da União Democrata Cristã (CDU), apressaram-se a marcar presença nas regiões mais afetadas ainda a meio da semana. E vários órgãos de comunicação social fizeram questão de comparar estas visitas com uma campanha anterior: em 2002, as inundações do Elba e do Danúbio marcaram a eleição. O chanceler Gerhard Schröder, em baixo nas sondagens, deslocou-se às operações de salvamento. O conservador Edmund Stoiber ficou de férias numa ilha do mar do Norte. Dizia então “não querer fazer campanha com esta catástrofe natural”. Tornou-se comum ler esse momento como decisivo para a re-eleição de Schröder.

O presidente da República, Frank-Walter Steinmeier, do SPD, não hesitou em culpar as alterações climáticas: “apenas se nos empenharmos de forma resoluta na luta contra as alterações climáticas estaremos em condições de lidar com as condições meteorológicas extremas que conhecemos atualmente”. Vários políticos dos principais partidos do sistema fizeram declarações no mesmo sentido e apelaram ao reforço de medidas de proteção do ambiente. Com a exceção da AfD, o partido da extrema-direita, conhecido por promover o negacionismo das alterações climáticas. Karsten Hilse, o deputado da Alternativa para a Alemanha que fala sobre as questões ambientais, declarou, de acordo com o Deutsche Welle, que “cheias e inundações são fenómenos naturais” e que as emissões de carbono não teriam qualquer influência no clima. Dizer o contrário seria “instrumentalizar” o sucedido.

Por sua vez, Laschet pode muito bem ter tido o seu “momento Stoiber”. As imagens dele a rir-se enquanto o presidente da República falava durante uma homenagem às vítimas tornaram-se virais e causaram indignação. O Bild, o jornal mais vendido da Europa, titulou “Laschet ri enquanto o país sofre”. O candidato, que é também governador da Renânia do Norte-Vestfália, um dos estados mais afetados, foi obrigado a pedir desculpas publicamente.

Antes disso tinha dado sinais contrários sobre as políticas ambientais a seguir depois das inundações. Se, por um lado, considerou a situação como “dramática”, acrescentando ao Bild que “estas inundações devem acelerar a implementação de medidas de proteção do clima, tanto a nível europeu, nacional como mundial”. Por outro, na quinta-feira, segundo o Deutsche Welle, tinha recusado voltar atrás nas suas posições pró-indústria extrativista do carvão no canal TV WDR. Quando questionado sobre o tema respondeu: “desculpe-me mas só porque hoje é um dia assim não mudamos de política”.

O Mediapart lembra, a este propósito que o candidato da CDU é conhecido pelas suas posições a favor das indústrias poluentes e até contra a proposta do governo do seu partido de deixar de explorar o carvão em 2038, pelas críticas ao recente Pacto Verde europeu, nomeadamente a proibição de venda de veículos com motores a combustão a partir de 2035, e pela repressão da mobilização regional contra a expansão de uma mega-mina a céu aberto de lignite, um carvão bastante poluente.

Do lado do SPD, Scholz, que para além de candidato do partido que costuma alternar no governo com os conservadores é também o atual ministro das Finanças, também classificou o sucedido como “uma tragédia” e nas suas funções governativas assegurou ser “uma tarefa nacional ajudar financeiramente”.

O regresso, com a força esmagadora das cheias das questões ambientais ao debate político, pode beneficiar Baerbock. Esta anunciou na sua conta do Twitter que interrompeu as férias e que se deslocaria aos locais sem imprensa. Uma escolha que o co-presidente do partido, Robert Habeck, explicou também nas redes sociais porque “agora é tempo das equipas de resgate e não dos políticos”.

A candidata verde, que diz não ser de direita nem de esquerda e que admite governar coligada com a conservadora CDU, começou como favorita na corrida eleitoral até que surgiram os escândalos de ter falsificado o seu currículo e ter plagiado passagens de um ensaio.

Seja como for, as cheias alteraram o modo como se discutiam as alterações climáticas e as medidas ambientais a tomar. Até agora, a CDU acusava os Verdes de quererem aumentar impostos ao passo que ambientalistas de todas as tendências consideravam o programa dos conservadores como “chocante” por implicar uma “recusa de nos proteger da crise climática e de respeitar o objetivo de redução de 1,5 graus” nas palavras de Luisa Neubauer, a porta-voz do movimento Fridays for Future no país segundo o Mediapart. As 139 páginas do manifesto “Estabilidade e renovação” estão centradas numa redução de impostos que beneficiaria sobretudo empresas (a carga fiscal global sobre as empresas ficaria reduzida a 25%) e as pessoas com maiores rendimentos (suprimindo o imposto de solidariedade de que são os maiores contribuintes) e são omissas em questões o valor da taxa carbono a impor ou o que fazer sobre os motores automóveis a combustão.

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