Quero esclarecer cinco pontos diferentes acerca da atual ofensiva militar sobre a Faixa de Gaza, já que os média israelitas estão a esforçar-se por distorcer a perceção internacional da situação.
Nos últimos dois anos, os média internacionais apresentaram Israel como uma vítima a defender-se dos rockets palestinianos. Contudo, é importante notar que cada violação de cessar-fogo durante estes anos foi feita por Israel. Da mesma forma, o último cessar-fogo mediado pelo Egito de 12 de novembro de 2012 – que recebeu a concordância das autoridades tanto de Israel quanto de Gaza – foi mais uma vez rompido por Israel através da execução extrajudicial de Ahmed Jabari, do seu guarda-costas e de um operador de câmara em 14 de novembro de 2012. Israel começou a escalada de violência e desde então dedicou-se a assassinar outros líderes por toda Gaza. Este tipo de operações insidiosas são parte da tática israelita.
Em segundo lugar, é preciso esclarecer diante da comunidade internacional quais foram os motivos por trás do ataque israelita de 14 de novembro. É certo de que Benjamin Netanyahu, Ehud Barak e Avingdor Liberman queriam usar o sangue palestiniano e israelita como propaganda para as próximas eleições de janeiro de 2013. Não podiam começar uma guerra com o Irão, por isso mudaram o foco para Gaza. Estão a usar esta guerra para ganhar o apoio do eleitorado israelita assim como para dividir o povo palestiniano e esmagar a sua vontade de resistência; outra confirmação de que o governo israelita é um governo de guerra, não de paz.
Em terceiro lugar, não se trata apenas de uma guerra contra o Hamas, esta guerra é um ataque a todo o povo palestiniano. Há uma guerra em toda Gaza, contra os seus 1,7 milhões de habitantes, que vivem apertados em apenas 362 quilómetros quadrados. Cada ataque aéreo israelita provoca perdas, e especialmente de vidas civis. Este conflito é também uma guerra contra a resistência popular não violenta dentro da Faixa de Gaza e de Jerusalém. Retrospetivamente, desde 14 de novembro, a maioria dos média ignoraram todos e qualquer esforço da resistência popular e a subsequente repressão violenta na Cisjordânia e em Jerusalém. Esta guerra é também contra a decisão palestiniana de se candidatar a ser um estado observador das Nações Unidas. Desta forma, todos nós, cada palestiniano, está incluído como alvo dos ataques israelitas. Não há exceções.
Em quarto lugar, o povo palestiniano está unido diante da agressão israelita. O que aconteceu no sábado 17 de novembro na Cisjordânia e em Jerusalém prova exatamente o que digo. As manifestações mostraram uma claro ascenso das atividades não violentas de solidariedade com o povo de Gaza.
Em quinto lugar, este é um tipo de guerra incrivelmente sangrenta. Um artigo do New York Times mostrou que uma comparação entre os números de baixas de cada lado leva a uma proporção de 16 palestinianos para cada israelita. Este contraste em baixas tem de ser exposto, porque não é possível comparar o exército israelita, considerado um dos cinco ou seis mais fortes do mundo, com os valentes palestinianos usando apenas meios simples de resistência. Durante a invasão terrestre de Israel a Gaza de 2008-2009, o rácio de mortes palestinianas comparadas com as israelitas foi de 111 para uma. Se Israel decidir promover uma invasão semelhante desta vez, provavelmente veremos números de baixas semelhantes.
Desde a quarta-feira 14 de novembro de 2012, registámos 70 mártires como produto dos ataques israelitas na Faixa de Gaza e quase 600 feridos, entre os quais 85 mulheres, 180 crianças e 30 idosos. Entre os mártires, houve três mulheres, três idosos, e 20 crianças. Estes números não param de crescer.
Vou agora listar os nomes e as idades dos mártires, em particular as crianças, já que gostaria que os média registassem os seus nomes e não só os números. Estamos a falar de Ahmad Bashrawi (11 meses de idade), Hanin Tafi (10 meses de idade), Jumana Abu Suifan (11 meses de idade), Tamir Abu Suifan (2 anos de idade), Walid Abadle (2 ½ anos de idade), Rinan Arafat (7 anos de idade), Faris Basyouni (5 anos de idade), Omar Mashrawi (4 anos de idade), Muhammad Eyad Sa’abala (4 anos de idade), Eyad Abu Kousa (1 ½ anos de idade) morreu esta manhã junto com duas outras crianças da família Abu Foul. E também Hiba Mashrawi (19 anos) que estava grávida de gémeos.
Além disso, esta tarde, cerca das 16h, um ataque aéreo em Sheikh Radwan varreu 14 membros da família Al-Dalou: cinco mulheres, cinco crianças e quatro homens.
Israel desferiu mais de 1.200 ataques aéreos na Faixa de Gaza desde 14 de novembro de 2012, só no sábado foram 300. Os números crescem constantemente no momento mesmo em que falamos. Os ataques têm como alvo áreas residenciais sem qualquer precaução devido à presença de civis. Por exemplo, no sábado, a residência da família Saleh, no distrito de Zaitouna foi atingida em cheio por um caça israelita F-16, demolindo a casa e ferindo gravemente pelo menos 30 pessoas. No mesmo dia, Israel cometeu outro crime, bombardeando um centro de imprensa em Bourj Al-Sharouq, ferindo seis jornalistas palestinianos. Um deles, Khader Zaher, teve depois de sofrer a amputação de uma perna.
Nos protestos ocorridos sábado na Cisjordânia e em Jerusalém, o exército israelita usou balas reais contra manifestantes pacíficos e desarmados, ferindo gravemente Rushdi Tamimi de Nabi Saleh assim como Hussein Shawamri, paramédico da Sociedade de Socorro Médico palestino (PMRS).
As forças israelitas estão a disparar balas reais e gás lacrimogéneo contra ambulâncias palestinianas. Uma ambulância da PMRS foi deliberadamente atingida fora da prisão de Ofer. A voluntária da PMRS Issra' Hdayd, de 20 anos, foi atingida diretamente na cabeça, fraturando o crânio em dois pontos e provocando hemorragias cerebrais. Está a ser assistida no hospital de Ramallah e corre risco de vida.
No sábado, o exército feriu também muitos estudantes universitários, particularmente os valentes estudantes da Universidade Birzeit, incluindo o presidente do conselho estudantil.
Outra nota: ontem descobrimos que o exército israelita está a utilizar um novo tipo de arma. Em vez de balas, têm disparado um novo tipo de bomba que desencadeia choques elétricos junto com o impacto. Este novo tipo de bomba pode provocar morte imediata se atingir uma pessoa na cabeça ou cegueira se atingir uma pessoa na vista.
Estas são, assim, as ações das forças de ocupação israelitas – o “exército mais moral do mundo” – e, evidentemente, a elas é preciso acrescentar o amplo uso de balas de borracha, gás lacrimogéneo e bombas de efeito moral. De facto, ontem, vários manifestantes foram atingidos por balas de borracha nos olhos. Mas os acontecimentos de uso não regimental de balas reais contra manifestantes pacíficos é não só perigoso e imoral, é um flagrante crime de guerra – um dos muitos crimes de guerra cometidos diariamente tanto em Gaza quanto na Cisjordânia.
Exortamos os membros da Liga Árabe, e todos os membros da comunidade internacional para nos apoiar na decisão de pressionar Israel e de usar as medidas do boicote, desinvestimento e sanções.
O mundo testemunhou ontem, e vai testemunhar hoje de novo, atividades de solidariedade sem precedentes com o povo palestiniano. No sábado, houve manifestações na Bélgica, França, em várias cidades do Reino Unido, na Irlanda, em Portugal, nos estados Unidos, e hoje provavelmente veremos manifestações noutros países por todo o mundo.
À medida que se espalham as imagens dos bombardeamentos sobre Gaza, e continuamos a ver mais e mais mortes de crianças palestinianas, esperamos ver um crescimento das ações de solidariedade com o povo palestiniano.
Mustafa Barghouti, dirigente da Iniciativa Nacional Palestina
Transcrição condensada de uma conferência de imprensa que o médico Mustafa Barghouti deu em 18 de novembro de 2012, às 11h, na TV Watan em Ramallah, na Cisjordânia ocupada. As baixas foram atualizadas às 17h30.
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net