Primavera‭ ‬Árabe...‭ ‬Já é Outono‭?

28 de June 2011 - 13:37

O despertar árabe está a transformar-se no pesadelo árabe.‭ ‬Em vez de instaurar a democracia,‭ ‬os levantamentos,‭ ‬em pelo menos três Estados árabes,‭ ‬estão a‭ ‬transformar-se‭ ‬rapidamente em‭ ‬terríveis guerras civis. Por Patrick Cockburn, Counterpunch

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Manifestação em Damasco- Foto de syriana2011

Nos últimos dias, desenvolvimentos decisivos na Síria, Líbia e Iémen mergulharam esses países numa espiral de lutas violentas e implacáveis pelo poder.

Na Síria, milhares de soldados atacaram a cidade de al-Jisr Shughour, no norte, onde o governo alega que 120 dos seus soldados e polícias foram mortos na semana passada.  Abstraindo da forma comocomo eles de facto morreram, o governo em Damasco está a deixar tragicamente claro que, no futuro, os seus opositores, pacíficos ou não, serão tratados como se fossem homens armados.  Um aspecto extraordinário dos levantamentos sírios é que as pessoas se continuam a manifestar às dezenas de milhar, apesar de tantos serem abatidos.  Mas alguns começam, evidentemente, a acreditar que a sua única alternativa é contra-atacar.

Há uma semana, no Iémene, os manifestantes, que se têm mobilizado e marchado nas ruas de Sanaa desde o início do ano, celebraram com júbilo a notícia de que o presidente Ali Abdullah Saleh tinha deixado o país, a caminho de um hospital na Arábia Saudita, depois de ter sido ferido num ataque à bomba.“Finalmente, o povo  derrotou o regime”, gritavam os manifestantes.  Mas é absurdo descrever isso como um triunfo do protesto pacífico, uma vez que a razão que levou Saleh a Riad foi os ferimentos causados ​​por uma bomba colocada no complexo presidencial.  Está a tornar-se tristemente evidente que o regime de Saleh não está tão dependente da presença do próprio presidente como muitos imaginavam.  Outros membros do clã Saleh estão ao comando de unidades militares, bem armadas e bem treinadas, que continuam a controlar a maior parte do Iémene.

Mesmo antes do que foi claramente uma tentativa de assassinato bem planeada contra Saleh, os manifestantes de rua eram vistos como marginais. Conseguiram permanecer na “Praça da Mudança”só porque os actores tradicionais, incluindo os poderosos líderes tribais e militares, tinham mudado de lado e os foram defender. 

Está o Iémene é a caminho de um confronto permanente, do tipo do que reduziu a Somália a uma anarquia ruinosa? No passado, os iemenitas argumentavam frequentemente que, embora as políticas do Iémene fossem muito violentas e geradoras de divisão, a elite dominante tinha uma capacidade notável de alcançar compromissos de última hora. Talvez isso fosse verdade, mas o fracasso em expulsar o clã Saleh, mesmo quando o seu líder está fora do país, não augura nada de bom e abre o caminho para um colapso da autoridade do Estado. 

A Líbia também percorreu um longo caminho desde as esperanças democráticas de Fevereiro. Um sinal importante desde o início de Junho foi a intervenção de helicópteros de ataque da Nato, tornando os rebeldes mais uma força auxiliar numa campanha levada a cabo por forças estrangeiras. A colocação dos rebeldes é agora decidida sobretudo pela Nato, sem cujo poder aéreo, as forças locais anti-Khadafi há muito teriam sido derrotadas. Muitos líbios querem afastar Khadafi, mas o Conselho Nacional de Transição em Benghazi pode não ter a legitimidade ou o apoio para o substituir. É muito provável que seja destituído antes do final do ano, mas isso será uma vitória alcançada principalmente pela Nato e não pela revolução popular. 

Um quarto país onde o despertar árabe parecia estar à beira do sucesso é o Bahrein.  Mas, desde a intervenção conduzida pelos sauditas e do ataque a manifestantes pró-democracia e à população xiita como um todo, a partir de 15 de Março, este pequeno reino foi abalado por uma guerra civil que grassa logo abaixo da superfície. A decisão do sheik barenita al-Khalifa, de jogar a cartada do sectarismo e fingir que a exigência de uma reforma democrática foi uma conspiração revolucionária orquestrada pelo Irão, ganhou muitos adeptos entre os sunitas. A razão que levou a família a decidir declarar guerra contra a maioria da população árabe do Bahrein permanece um mistério, uma vez que isso a irá tornar permanentemente dependente da Arábia Saudita. Talvez, um sentimento de pânico, no seu auge em Março, e induzida pela queda dos regimes na Tunísia e no Egipto, explique a intensidade da repressão no Bahrein. O preço disso será aprofundar para sempre a feroz hostilidade entre xiitas e sunitas.

Provavelmente não nos devíamos surpreender tanto com a cedência dos movimentos de massas associados à Primavera Árabe. A surpresa reside mais em terem conseguido ser bem sucedidos, tão facilmente, na Tunísia e no Egipto.  Afinal, as chamadas“revoluções de veludo”não têm uma taxa de sucesso elevada. Podem ter funcionado na Europa Oriental quando o comunismo foi eliminado, há 20 anos, mas a liderança comunista não estava preparada para lutar, estava dividida, era massivamente impopular e esperava fazer parte de uma nova ordem. Um melhor paralelo com a Primavera árabe é a tentativa dos movimentos ecologistas de organizarem uma revolução de veludo no Irão, em 2009, que manifestamente falhou. Mesmo tendo sido decretadas eleições naquele ano pelo governo iraniano, ele ainda tinha um núcleo de apoiantes convictos na Guarda Revolucionária. Os pobres das cidades nunca se juntaram em massa aos protestos como fizeram na Tunísia e no Egipto. 

A lição dos últimos seis meses no mundo árabe é que, a menos que os manifestantes possam dividir ou garantir a neutralidade das forças armadas, a sua hipótese de sucesso é limitada. A sua única opção é conseguir uma intervenção militar estrangeira em grande escala, como aconteceu na Líbia. Na prática, isso significa obter o apoio dos EUA, mesmo que a acção militar seja realizada pelo Reino Unido e a França. Foi o medo nas monarquias da Arábia Saudita e do Golfo, este ano, de terem perdido a garantia do apoio de Washington, que os fez entrar em pânico e levou à sua violenta investida contra manifestantes no Bahrein.

Os meios de comunicação estrangeiros, particularmente a Al-Jazeera e os canais por satélite, desempenharam um papel central paraabrir caminho para a Primavera árabe. A censura, o controlo da informação e das comunicações desempenharam um papel importante na constituição dos estados policiais que monopolizaram o poder no mundo árabe a partir dos anos 1970. Mas esse controlo tem sido enfraquecido pela internet, pela televisão por satélite e pelos telemóveis.

Mas, enquanto isso, nem todos os instrumentos do poder mudaram. As forças de segurança permaneceram. A natureza espontânea da revolta árabe foi, no início, uma vantagem porque a polícia não sabia quem prender, mas esta falta de liderança tornou-se uma desvantagem quando a revolução enfrentou oposição. A moderação dos primeiros manifestantes revelou-se uma incapacidade enquanto dirigentes em luta pelo poder. 

Patrick Cockburn é o autor de"Muqtada: Muqtada Al-Sadr, the Shia Revival, and the Struggle for Iraq”

Tradução de Paula Coelho para o Esquerda.net

http://www.counterpunch.org/patrick06132011.html