Maio de 1968!
Mês de todas as esperanças, mês em que confluíram todas as lutas, em que desaguaram as torrentes nascidas na fusão do terrível glaciar nazifascista que tudo esmagara e abafara durante mais de uma década.
A libertação da Europa e, particularmente, da França; o plano Marshall que trouxe para a Europa o investimento necessário para a reconstrução e com ele o domínio económico, financeiro e militar dos EUA; a adopção entusiástica por parte das largas massas populares do american way of life; paralelamente, a popularidade e o prestígio das ideias socialistas e a sua aparente concretização; o movimento de libertação das colónias inspirado nos ideias de liberdade e socialismo nascidos com a revolução soviética e finalmente concretizáveis, apropriados pelos povos colonizados, e teorizados por homens como N'Kruma, Nyerère, Lumumba, Guevara, Amílcar Cabral e, em particular, pelo grande teórico, divulgador e publicista da revolução africana, Franz Fanon, rasgaram os leitos por onde se precipitaram as torrentes tumultuosas que num breve Maio de 68 iriam fazer tremer a civilização burguesa.
O Mundo em que Maio amadureceu
O lançamento da bomba atómica sobre um Japão derrotado e exaurido, prefigurando um novo holocausto, iria traçar as linhas do confronto entre os dois grandes vencedores da guerra: os EUA e a URSS. Os primeiros, com o seu território intacto, a sua economia florescente graças à própria guerra com o que criou o terrível complexo industrial militar, expandiram-se mundialmente, estruturando as instituições que vieram a ser os nós da rede actual da globalização.A segunda, com o prestígio da luta heróica que travou, do papel decisivo que teve na derrota do nazi-fascismo, dos gigantescos sacrifícios por que passou, e do vigor das ideias que marcaram o século vinte e inspiraram a luta do proletariado contra a exploração e dos povos pela sua autodeterminação.
Os primeiros mantendo-se na ofensiva em todos os campos, a segunda assumindo um complexo defensivo de estratégia inadequada, entrando na lógica do adversário, na corrida aos armamentos, na corrupção total dos ideais que lhe conferiram prestígio, caindo no pragmatismo que disseminou a dúvida, o cepticismo, a capitulação nas lutas travadas pelos pobres, os explorados, os colonizados, assumindo-se cada vez mais sem rebuço como contraponto na sinfonia imperialista, na sustentação do sistema do mercado mundial capitalista.
Os anos que se seguiram foram marcados por lutas estruturantes da modernidade: a luta pelos direitos civis nos EUA, a luta contra o armamento nuclear e contra o nuclear em geral, a luta contra o colonialismo, o neocolonialismo e o racismo, a luta pela ecologia, o feminismo.
O alargamento e organização da luta contra o imperialismo, materializa-se na Conferência de Bandung, de 18 a 24 de Abril de 1955, na Indonésia. Daí saiu o conceito de Terceiro Mundo, apropriado pela China no início do seu conflito com a URSS, com a famosa teoria dos três mundos. Nasceu em Bandung o “Movimento dos não Alinhados”. De acordo com este Movimento era o conflito norte/sul - países ricos industrializados contra os países pobres produtores de matérias primas - que determinava as condições da política mundial, e não o confronto leste-oeste, EUA-URSS, que serviu de base à guerra fria. Mas a disputa real entre as duas super-potências liquidou paulatinamente, às vezes violentamente - com violação brutal dos princípios aprovados na conferência - as ilusões de não alinhamento como movimento de estados fora dum contexto de revolução mundial determinado pelos interesses dos povos.
“Não me libertes que eu trato disso”
Maio de 68 confrontou audaciosamente, e pôs em causa para sempre, os dois pilares do sistema mundial de mercado, os EUA e a URSS, mais as suas sequelas ideológicas e político/administrativas
Maio de 68 confrontou audaciosamente, e pôs em causa para sempre, os dois pilares do sistema mundial de mercado, os EUA e a URSS, mais as suas sequelas ideológicas e político/administrativas. Os revolucionários, estudantes e operários, decididos a transformar o mundo, olharam com simpatia para Guevara e para a Revolução Cultural Chinesa, porque aí viram a manifestação dos mesmos ideais de liberdade, igualdade e socialismo revolucionário, inspirado e materializado pela vontade política estruturada na base, e não suspeitavam do “polpotismo” que a revolução cultural escondia, nem da discreta engenharia do homem novo que Guevara insinuava.
Em 1968, ainda antes de Maio, a revolta estudante era já um fenómeno internacional desde o começo do ano lectivo em 1967. Uma dúzia de universidades italianas ocupadas pelos estudantes em Outubro, “greve selvagem” em Nanterre, universidade Crítica em Berlim-Oeste, paralela à universidade regular. Na Alemanha desde 1962 que na universidade tinham expressão a “Acção Subversiva” e “União Universitária Alemã” com base na Universidade Livre de Berlim; contestação da autoridade dos pais, da família, do Estado e da repressão que assassinara em 1967 o estudante Benno Ohnesorg, baleado por um polícia durante uma manifestação; o dirigente estudantil Rudi Dutschke foi, por sua vez, baleado gravemente em 11 de Abril de 1968.
Em Abril de 68, os estudantes brasileiros confrontam-se em batalhas campais com a polícia. Em Tóquio,Varsóvia, Rio de Janeiro, Madrid, por todo o lado explodia com maior ou menor intensidade uma revolta estudante, reveladora do mal-estar profundo que se sentia na universidade, cada vez mais fábrica de chouriços para consumo das empresas, perdendo o carácter universal de centro de excelência para a formação do cidadão através do saber crítico, obtido na troca de experiências entre professores e alunos.
A 4 de Abril de 1968 o líder do movimento pacifista pelos direitos civis nos EUA, Marthin Luther King, é assassinado em Memphis, Tennesse; em 5 de junho de 1968 é assassinado o senador Bob Kennedy que estava na pista dos responsáveis pelo assassínio do irmão, o presidente John Kennedy.
Nesse mesmo ano nos EUA sai o livro de Hanna Arendt, “Homens Em Tempos Sombrios” (Relógio D'Água, 1991). Hannah, então professora na universidade em Nova York, ofereceu o seu apoio a Cohn-Bendit. No livro referido, põe em causa, de forma radical, a compaixão como sentimento estimável, antes comparável ao medo (Aristóteles) e à inveja (Cícero), e assim preconiza a acção em substituição da piedade. “De que serve a compaixão quando temos é que ajudar?”.A abnegação, a abertura aos outros, será então a condição prévia da “humanidade”. Um novo respirar do mundo sente-se vibrar ao ritmo de um mesmo diapasão. Eis que em Medellin, na conferência do episcopado sulamericano, como se ouvissem Hannah sem a ouvir, surge o que seria impensável na Igreja de Roma: o corte com a compaixão e o apelo à acção. Invocando a libertação do homem e o seu desenvolvimento integral, o padre Gustavo Gutierrez lança o movimento da “teologia da libertação”. Chega o Maio de 68, e a partir daí a teologia da libertação pede ao padre que se assimile ao guerrilheiro, e a doutrina marxista é apontada à Igreja como uma “teologia da revolução”.
Crise geral no sistema
O ambiente internacional era de crise do sistema, pondo a nu contradições profundas, desenvolvendo-se movimentos inéditos e surpreendentes, as ideias saltando, possuídas de novo de irrequietude fértil, em resposta à estagnação e aos indícios cada vez mais fortes de apodrecimento do sistema e ao surgimento dos movimentos que o confrontavam.
O ambiente internacional era de crise do sistema, pondo a nu contradições profundas, desenvolvendo-se movimentos inéditos e surpreendentes, as ideias saltando, possuídas de novo de irrequietude fértil
O impenetrável e inamovível sistema soviético, vivendo à sombra da corruptela da revolução de Outubro e do prestígio da “Grande Guerra Patriótica”, que iam emprestando credibilidade à luta ideológica virtual com o sistema capitalista, afagavam as arestas do militarismo e da disputa efectiva pelas matérias primas e pelos mercados mundiais com o imperialismo e suavizavam os ecos da repressão estaliniana pós Estaline, é também e de súbito abalado estrondosamente pela efémera Primavera de Praga que de 5 de Janeiro a 21 de Agosto - quando sucumbiu sob as lagartas dos carros de combate do Pacto de Varsóvia - pôs em movimento a sociedade checa, na afirmação de objectivos, interesses e ideais que a faziam vibrar a um ritmo semelhante ao de Maio de 68.
A guerra do Vietname suscitou o mais amplo e vasto movimento contestatário que teve lugar nos EUA. Associado à resistência contra a guerra surge o movimento hippie que tinha como ideologia a celebração da vida, o pacifismo, a ecologia, o amor livre, o “make love not war” que marcou a sua participação em inúmeros protestos contra a guerra do Vietname. A “Reunião das Tribos”, em S. Francisco em 1967, foi o seu primeiro encontro, a que se seguiu o famoso festival de Woodstock em 1969 e que juntou cerca de 500 mil pessoas.
Foi uma manifestação contra a guerra no Vietname que desencadeou o Maio de 68 em França. Fora ainda, na Alemanha, a guerra do Vietname que levara à radicalização dos protestos estudantis.
Mas foi a guerra da Argélia, ao contrário do que acontecera com a guerra da Indochina e a derrota da França em Dien Bien Phu, que mexeu profundamente com a sociedade francesa e criou o caldo de cultura onde iria gerar-se a confrontação de rua que caracterizou o Maio de 68. A politização da juventude pela militância anti-colonialista e o “operário em construção” pelas greves espontâneas desde o início dos anos sessenta, juntaram-se numa mistura explosiva da recusa intelectual da ideologia dominante com a revolta dos trabalhadores.
O impenetrável e inamovível sistema soviético, é também e de súbito abalado estrondosamente pela efémera Primavera de Praga que pôs em movimento a sociedade checa, na afirmação de objectivos, interesses e ideais que a faziam vibrar a um ritmo semelhante ao de Maio de 68
A Argélia era vista naturalmente como parte integrante da França e, portanto, quando começa a guerra de libertação (1954-62), toda a sociedade francesa sofre uma forte comoção. A resposta francesa é brutal e é em Argel, na Batalha de Argel, que o exército, sob o comando do então coronel Massu, integra pela primeira vez a tortura nos cânones da ética militar, substituindo-se à policia e aos serviços secretos.
Face à radicalização do conflito e com crescente consciência da inevitabilidade do fim do império colonial francês, em Setembro de 1960 um grupo de intelectuais, universitários e artistas fez sair o “manifesto dos 121”, no qual se assumem como movimento de contestação contra a guerra da Argélia. Denunciando a repressão, a tortura e o militarismo o manifesto conclui: “Nós respeitamos e julgamos justificada a recusa de pegar em armas contra o povo argelino; respeitamos e julgamos justificada a conduta daqueles que considerem ser seu dever ajudar e proteger os argelinos oprimidos em nome do povo francês. A causa do povo argelino que contribui de forma decisiva para arruinar o sistema colonial, é a causa de todos os homens livres.
Difícil ir mais longe. Em sintonia, Boris Vian escreveu a célebre canção “Le déserteur”:
À medida que a FNLA avançava militarmente na Argélia, em França sucediam-se os actos de protesto contra a guerra e de solidariedade com a luta de libertação. Em Outubro de 1961 houve em Paris um massacre perpetrado pelas forças da ordem, sob as ordens de Maurice Papon contra uma manifestação de apoio à luta de libertação argelina. Desde 17 de Outubro de 1961 terão sido resgatados 150 cadáveres de argelinos no Sena, entre Paris Rouen. Maurice Papon teria declarado mais tarde: “A polícia fez o que devia fazer" e "Nós ganhamos a batalha de Paris."
Maio de 68 também começou por aqui. A polícia que enfrentou os estudantes fê-lo com o mesmo furor e experiência adquirida na repressão das manifestações anticoloniais. A luta nas ruas entre polícia e estudantes era semelhante, na “antidialéctica”, no antagonismo total e violento do confronto, com a do colonizador e colonizado, definido por Franz Fanon.
O PCF manteve uma discretíssima posição de ambiguidade, mais tendente para o nacionalismo chauvinista do que para a solidariedade internacionalista. Também por aqui se delineou o Maio de 68
O PCF manteve uma discretíssima posição de ambiguidade, mais tendente para o nacionalismo chauvinista do que para a solidariedade internacionalista. Também por aqui se delineou o Maio de 68.
Assim como começou nos primeiro anos da década de sessenta, em que greves espontâneas, chamadas de selvagens, despertavam numa fábrica e se estendiam à fábrica seguinte, sendo os operários obrigados a enfrentar a burocracia sindical para poderem dar combate aos patrões.
Em 1963 teve lugar uma violenta greve de mineiros que se opuseram à ordem (!) dos sindicatos para voltarem ao trabalho. Em 1964, trabalhadores da fábrica Flins da Renault, reclamavam redução do tempo de trabalho: “Queremos mais tempo para viver”.
Os trabalhadores diziam que obtinham mais em 10 horas de combates de rua do que em 10 meses sentados à mesa das negociações. Estas lutas “alargavam o tempo do possível” como disse Sartre.
A atmosfera turbulenta e de combate nas fábricas, um pouco por todo o lado, foi divulgada em Fevereiro de 1968, num documentário de Chris Morker com um colectivo de trabalhadores e cineastas.
Um operário dizia com simplicidade e firmeza: “É escusado os patrões acreditarem que nós perdemos. Nós voltaremos a encontrar-nos e ganharemos. À bientôt, j'espére*”
Foi nesta massa que se fizeram os cerca de 10 milhões de trabalhadores que pararam a França, em Maio de 68, no maior movimento grevista que a França conheceu desde sempre.
Os estudantes parisienses ocuparam as universidades e as ruas. Provocaram o Estado e obrigaram-no a revelar internamente o seu carácter brutal e policial até aí apenas revelado na bárbara repressão colonial que parte importante da sociedade francesa fazia os possíveis por ignorar senão mesmo apoiar
Os estudantes parisienses ocuparam as universidades e as ruas. Provocaram o Estado e obrigaram-no a revelar internamente o seu carácter brutal e policial até aí apenas revelado na bárbara repressão colonial que parte importante da sociedade francesa fazia os possíveis por ignorar senão mesmo apoiar. A brutalidade da polícia, perante o silêncio de De Gaulle e a atrapalhação do governo, serviram de rastilho ao movimento operário que enfrentou (uma vez mais) as direcções sindicais burocratizadas e empedernidas, empenhadas em que tudo se resolvesse na mesa das negociações e numas eleições em que pudessem vir a ter umas migalhas de poder.
A democracia francesa ficou nua, mostrando como pode ser hedionda a face do Estado burguês, virando-se contra aqueles que era suposto serem os seus mais qualificados futuros sustentáculos.
Tudo está posto em causa
A explosão revolucionária de Maio de 68 foi olhada como “premonitória” por António José Saraiva, no seu livro, saído dois anos depois sob a “forma diário”, Maio e a Crise da Civilização Burguesa.
Nessa sua obra Saraiva foi um excelente observador e analista da revolução de Maio e pôs o dedo em muitas das feridas que na altura tolhiam a esquerda, as esquerdas. Foi uma obra polémica na altura, hoje ainda o será.
Saraiva escrevia a Óscar Lopes, seu amigo e companheiro na grande obra que foi a História da Literatura Portuguesa:
“nunca fales de Maio como quem sabe o que foi, porque é difícil explicá-lo até a quem assistiu. Aqui te digo sem hesitação que foi o maior acontecimento do século e que as suas consequências se farão sentir ao longo do tempo. O que aconteceu em Coimbra [greve académica de 1969] (também falo sem saber) foi um importante acontecimento histórico nacional. O Maio em Paris é um momento da história da civilização; mais um momento em que a história é transcendida”
E fazia notar que “o essencial é que o socialismo do Mundo Soviético não mudou a imagem nem a justificação da natureza dos homens. Estamos a morrer doentes de uma civilização que torna os homens cada vez mais opacos dentro e fora deles”.
A revolução de Maio de 68 foi a primeira de âmbito global, integrada num generalizado movimento mundial de contestação não apenas do imperialismo, do colonialismo e do neo-colonialismo, do racismo, pilares fundamentais do sistema capitalista do século XX, mas também, e de forma aguda, da civilização que sustentava (sustenta...) na mais ignóbil exploração uma forma de vida, a que se chegou a chamar a “doença da prosperidade”, a sociedade de consumo que a Europa recebeu entusiasmada como presente envenenado dos EUA.
O “tudo é mercadoria”, do grande historiador português do século XVI João de Barros, e que serve de título à obra de António Borges Coelho sobre a sua vida, absolutizara-se; a expressão de Marx “tudo o que é sólido se dissolve no ar” aparece como profética (Marx que me perdoe, ele que nada teve a ver com profecias) nos anos gloriosos que sorveram a Europa e os europeus do baby boom.
É esta sociedade hedonista, assente na exploração mais bárbara, humilhante e indignificante, que Maio de 68 rejeita liminarmente e se propõe transformar de raiz. Curiosamente, por se recusarem servir sob o látego do dever de obedecer às regras do trabalho, do estudo e do consumo impostas pelos senhores do capital e do poder, os soixanthuitards são, eles mesmos, pasme-se, chamados de hedonistas e acusados de não respeitarem os valores da civilização tão arduamente conquistada.
E é ainda hoje, contra eles, que se levantam as vozes mais reaccionárias, como a de Nicholas Sarkozy que os invectiva e aponta como inspiradores da não obediência servil às regras cada vez mais bárbaras do contrato social capitalista, o neoliberal. Nisso terá razão, e se hoje Sarkozy invoca terminologia como la racaille quando se refere aos que não têm cerimónia na contestação que opõem à exclusão, à restrição e não reconhecimento dos direitos civis, e se levantam violentamente contra a repressão institucionalizada e por vezes brutal, ele está a pensar em De Gaulle quando classificava as manifestações dos estudantes revolucionários de “chienlit”.
Mas, na esquerda, o ápodo hedonista atribuído a uma “certa facção” dos estudantes e mesmo de operários, pretende separar os razoáveis dos radicais, os que “entendem os deveres para com a sociedade” dos que os ignoram e põem em causa as coisas mais sagradas como o respeito pelas instituições, a reverência aos líderes, o curvar-se às ordens dos quadros representantes patronais ou dos trabalhadores que fazem as vezes!
Em Maio de 68 a grande massa estudante e operária, apoiada depois pela sociedade em geral, pôs em causa toda uma estrutura arduamente construída pelos aparelhos políticos e sindicais hierarquizados e blindados
Em Maio de 68 a grande massa estudante e operária, apoiada depois pela sociedade em geral que, quase toda, se deixara contagiar pelo entusiasmo com a proximidade do futuro, pôs em causa toda uma estrutura arduamente construída pelos aparelhos políticos e sindicais hierarquizados e blindados, a falsa unidade dos trabalhadores imposta em nome do monolitismo necessário para a luta subordinada às agendas políticas dos aparelhos partidários, fossem eles, sejam eles..., comunistas, socialistas, maoistas, social-democratas, esquerdistas.
Aprender e recomeçar tudo do início
A revolução de Maio de 68, teve uma réplica em Portugal, nas lutas académicas de Maio de 1969. Mas é com a revolução de 25 de Abril de 1974 que, sem deixar de ter em conta diferenças óbvias sendo a maior de todas a desagregação das forças repressivas e das forças armadas, no caso português - tem grandes semelhanças, nomeadamente porque ambas surgem de dinâmicas anti-coloniais, de exigências democráticas radicais e da igualdade como centro nuclear de qualquer contrato social. Ambas terminaram em fracasso. Mas delas resultaram inegáveis avanços, quer do ponto de vista das reivindicações dos trabalhadores quer quanto aos direitos democráticos e de cidadania.
A revolução de Maio de 68, teve uma réplica em Portugal, nas lutas académicas de Maio de 1969. Mas é com a revolução de 25 de Abril de 1974 que tem grandes semelhanças, nomeadamente porque ambas surgem de dinâmicas anti-coloniais, de exigências democráticas radicais e da igualdade como centro nuclear de qualquer contrato social
Essencialmente surgiram, no seu desenvolvimento, como movimento de grandes massas questionando as estruturas institucionais e partidárias, fazendo apelo à acção organizada na base e mostrando as debilidades decorrentes da falta de organizações políticas plurais, abertas, combativas onde possam coexistir as mais variadas ideias de progresso e de luta pela transformação social e pelo socialismo, a construir na dinâmica criada pela própria luta e pelo movimento social.
Ambas foram, no entanto e como disse António José Saraiva sobre o Maio de 68, “premonitórias”.
Nas polémicas já instaladas em tempo de comemoração dos 40 anos de Maio de 68, muitas opiniões haverá e todas elas, excepto as dos reaccionários empedernidos como Sarkozy, encontrarão coisas boas e más na revolução que pôs a nu a crise de civilização burguesa.
Mas, do que precisamos, é de a olhar como aquilo que de facto foi, apesar da sua efemeridade: a demonstração do poder revolucionário dos movimentos sociais quando impregnados de política viva e actuante e libertos das cadeias do dogma ideológico, do controlo político e do pragmatismo oportunista. Quando “ser realista é exigir o impossível”.
Fiquemo-nos, é sempre bom, com a opinião de um mestre:
“Os tempos daquela superstição que atribuía as revoluções à descrença de uns tantos agitadores já passaram. Cada qual sabe agora onde quer que haja uma convulsão revolucionária, que existe no fundo de tudo isso qualquer necessidade social que as instituições viciadas impedem seja satisfeita. A necessidade não pode ser muitas vezes expressa com a precisa violência para se lhe outorgar um êxito imediato, mas qualquer tentativa de repressão pela força a tornará cada vez mais poderosa, até conseguir fazê-la romper todos os seus entraves. Se formos então derrotados, não temos mais nada a fazer do que começar novamente tudo de princípio.
E, felizmente, o breve intervalo que nos concedem entre o final do primeiro e o princípio do segundo acto do movimento, dá-nos tempo para realizar uma parte interessante da obra: o estudo das causas que produziram a prévia comoção e a sua derrota, as causas que não deverão ser procuradas nos acidentais esforços, talentos, faltas, erros ou traições de alguns dos chefes, mas antes no estado social geral e nas condições de existência de cada uma das nações agitadas.”
Karl Marx, “Revolução e Contra-revolução”
Artigo de Mário Tomé, publicado no dossier "Maio de 68" da revista A Comuna nº 14+15 de março de 2008
Bibliografia
António José Saraiva “Maio e a Crise da Revolução Burguesa”, Publicações Europa- América
Franz Fanon “Por la revolution Africana”, Tiempo Presente, Fondo de Cultura Económica
Les damnés de la terre, La Découverte/Poche
Hannah Arendt “Homens em tempos sombrios”, Relógio D'Água
Jean Paul Sartre, Daniel Cohn-Bendit, Henri Lefebvre “A Revolta de Maio em França”, D. Quixote
Karl Marx “Revolução e Contra-revolução”, Parceria A.M. Pereira,Lda
Kristin Ross “Rouler plus vite, laver plus blanc”, Flammarion,
“Mai68 et ses vies ultérieurs”, Editions Complexe/ Le Monde Diplomatique
Leonor Curado Neves “Correspondência A. J. Saraiva e Óscar Lopes”, Gradiva
Sauvageot, Geismar, Cohn-Bendit, Duteuil “A revolta estudante”, Ulisseia
Vasco Gasquet “500 Afiches, Mai 68”, Editions Aden
Nota:
* Até breve, espero.