Quem move as árvores foi escrito em plena ditadura salazarista, vindo a ser proibida no dia 8 de Abril de 1970. Depois do 25 de Abril, já em 1979, veio a ser reeditada.
A narrativa de Quem move as árvores começa por referir um camponês que, tendo nascido com capacidade de fala, veio a tornar-se mudo e, posteriormente, a recuperar a fala. Também havia tido uma paralisia e recomeçara a andar, razão pela qual o seu caso era considerado milagroso. Este episódio será o mote para uma narrativa em torno dos papéis do que representa a monarquia, a religião e a república, no meio de uma crise ideológica que não só põe em causa os papéis e os poderes do Governador e do Bispo como ressignifica o papel político e social do povo.
Recepção de Quem move as árvores
Ainda que se tenha acesso à data de proibição desta obra, não há registos de qualquer parecer da PIDE, seja no arquivo pessoal de Fiama na PIDE, seja nos arquivos da Direcção Geral dos Serviços de Espectáculo (onde encontrámos apenas apenas a data referida). Contudo, após a análise da obra e conhecendo nós o quadro político-ideológico do regime, assim como a forma como a censura agia, para além do acesso a outros pareceres, as justificações que motivaram esta proibição não são dificilmente adivinháveis.
Nesta obra, denuncia-se o poder religioso no Portugal do início do século XX, podendo estabelecer-se a relação com um regime que usava a religião como um dos seus baluartes de norteamento político e moral. Na acção, o povo emerge de um estado amorfo, em que estava inconsciente de que podia ter poder, de um estado em que estava bem enquadrado num papel social dependente e mudo, alheio aos mecanismos de tomadas de decisões, ainda que estas influenciassem e decidissem as suas vidas, e passa a ter noção do poder que tem quando age enquanto agente colectivo. Desta forma, é ele quem faz mover não só as árvores, parafraseando o próprio título, mas também o estado do país.
Últimas considerações
As relações dialógicas são constantes na obra de Fiama: se em O Testamento vimos que vida e peça se confundem, dialogando, em Quem move as árvores há um paralelismo temporal com alcance no passado, entre a época da monarquia e o Estado Novo. Em nenhum dos casos o povo escolhe, o poder é imposto. Em ambos os casos, o poder que a religião exerce é brutal, baseando-se na imposição do medo como ferramenta de controlo. Nestes contextos, afirmar que “o povo tem muita força” é afirmar que este não tem de estar submisso aos ditames alheios – tem nas suas mãos o poder de transtornar o mundo como é conhecido, revolucionando as relações de força e, no mesmo movimento, toda a estrutura social. Se em O Testamento cabe ao espectador um papel crítico, em Quem move as árvores este papel cabe ao próprio povo, apresentado enquanto sujeito colectivo: inicialmente, furtava-se à discussão política; posteriormente, não só nela se imiscui como vence a disputa entre os três poderes – executivo, religioso e popular –, contrariando grande parte do curso da narrativa, em que os dois primeiros se limitavam a servir-se do segundo, numa relação de forças que evidenciava o conflito, mostrando que não há classes diferentes sem domínio.
A afirmação do povo enquanto força social contrastava com as imposições do Estado Novo, contrariando a dominação e sugerindo que podia romper-se com os pilares do regime, sugerindo, como fora feito com O Testamento, que este tem o poder da sua própria libertação. Ao mesmo tempo, a obra mostra o domínio de uma classe sobre a outra, contrariando a ideia que o Estado Novo tentava disseminar, de que as classes podiam conviver tranquilamente, trabalhando em conjunto para o bem-comum.
Mexendo, desta forma, com a ideia da inevitabilidade dos pilares do Estado Novo, denunciando as contradições dos dois regimes, aqui paralelizados, a produção simbólica de Fiama Hasse Pais Brandão mostra-nos que, para a autora, teatro é militância. A sua produção literária é uma produção política e ideológica e os mecanismos censórios do regime não podiam deixar passar uma obra que tão claramente afrontava a política e a moral oficial.
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