Todos sabemos que há remédios que, apesar de não curarem a doença, confortam o doente, e inclusive que há placebos que, sem nada modificar a situação real do paciente, fazem-no acreditar que melhorou, ou mesmo que ficou curado. Pois bem, o plano Bush não chega nem a ser placebo.
Por Juan Torres Lópes, publicado originalmente no Público de Espanha e no blog do autor
Diante do que dizem sem prova alguma os poderosos que seguem mais o dictat de Bush, o certo é que sabemos o que aconteceu nos últimos tempos e é por isso que podemos inferir que o seu plano não resolveria nada de substancial, por muito que lavasse a cara a uns quantos bancos à custa do erário público.
Não resolveria nada, em primeiro lugar, porque, adquirindo o Tesouro os "produtos tóxicos" em mãos dos bancos dos Estados Unidos (ou de estrangeiros aí estabelecidos), não se garante que desapareçam em quantidade suficiente - entre outras coisas, porque muitos deles estão camuflados e muitos outros distribuídos por todo o planeta.
Em segundo lugar, porque, mesmo retirando, a tão alto custo, o tóxico espalhado pelo sistema financeiro dos Estados Unidos, também não se garante que os bancos comecem agora a realizar actividades financeiras de novo tipo e alheias à insegurança que prevaleceu nos últimos anos e meses.
Hipotecas-lixo
Alguém, no seu são juízo, pode crer que para devolver a estabilidade financeira à economia mundial basta eliminar apenas as hipotecas-lixo? Acaso não sabemos que as finanças mundiais giram hoje em dia em torno de produtos derivados de uma perigosidade potencial semelhante às subprime?
Em terceiro lugar, porque até mesmo se se devolvesse a suficiente solvência e a liquidez às instituições financeiras em todo o mundo (porque não podemos esquecer que as finanças são, na realidade, o único espaço realmente globalizado do planeta) também não estaria garantido que o financiamento voltaria à actividade real, como é necessário hoje em dia, e por isso o plano também não seria um seguro certo diante da enorme recessão que se aproxima.
Tudo isto é assim, definitivamente, porque o plano não aborda a eliminação dos privilégios nem as "aldrabices de engenharia financeira" (Samuelson dixit) que hoje dominam o mundo das finanças e que causaram a crise actual.
E, evidentemente, porque não se propõe mudar de raíz a lógica financeira que é responsável da instabilidade das últimas décadas: a liberalização sem limites do capital financeiro.
Aí está a chave que nos querem esconder.
Até um bastião da ortodoxia como o Banco Mundial teve de reconhecer que a liberalização financeira "não acrescentou muito ao crescimento, mas parece ter aumentado o número de crises".
Mas nem os seus próprios porta-vozes o querem ouvir, envolvidos como estão numa orgia de ganância, e procurando apenas compensar, com o dinheiro dos cidadãos, (que é o que quer fazer o plano de Bush) as suas perdas e os custos dos seus investimentos aventureiros.
Jogar ao Monopólio
A única solução efectiva é limpar a mesa. Fechar a porta do casino, reprimir a especulação financeira e proteger a criação de riqueza, obrigando a que os recursos financeiros se dediquem a financiar e a proteger a criação de riqueza, obrigando que os recursos financeiros se dediquem a financiar a actividade empresarial e o consumo.
Acaso não mudaria a situação espanhola se o Banco Santander, sem ir mais longe, dedicasse os seus recursos a financiar a produção e o emprego, em vez de jogar ao Monopólio comprando outros bancos? Pois isso é que é preciso mudar.
2/10/2008
Juan Torres López é catedrático de economia aplicada da Universidade de Sevilha
Tradução de Luis Leiria
A solução de Bush não chega nem a ser um placebo
03 de outubro 2008 - 0:00
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