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Qatar recusa compensar trabalhadores vítimas de abusos laborais

Ministro do Trabalho do Qatar diz que tem a porta aberta para receber pedidos de compensação de trabalhadores e acusa Amnistia Internacional de criar um "golpe publicitário" com a sua campanha por um fundo de compensação.
Construção em Doha. Foto OIT/Apex Image. 2011/Flickr

A exploração da mão-de-obra na construção das infraestruturas necessárias ao acolhimento do Mundial de Futebol tem sido denunciada por inúmeras ONG na última década. Além dos milhares de mortos na construção civil - no ano passado o Guardian contabilizava 6.500 óbitos apenas de trabalhadores originários da Índia, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka - multiplicaram-se os casos de abusos contra estes trabalhadores, que não receberam a remuneração prometida à chegada e são alojados sem as condições mínimas de higiene, ficando com os seus passaportes retidos pelos empregadores.

A vaga de denúncias e a pressão internacional levaram as autoridades do Qatar a introduzirem em 2018 algumas melhorias no sistema laboral, retirando barreiras ao acesso à justiça por parte dos trabalhadores que são roubados pelos patrões e alvo de outros abusos como a recusa de dias de folga, falta de segurança no trabalho ou a proibição de mudar de empregador. O fundo criado em 2019, de acordo com dados oficiais, terá compensado 35 mil trabalhadores com uma verba de cerca de 100 milhões de dólares.

A Amnistia Internacional lançou uma campanha para que a FIFA e o Qatar criassem um fundo de compensação aos trabalhadores. No início de novembro, o ministro do Trabalho acusou a Amnistia de promover um "golpe publicitário" e garantiu que o governo tem a porta aberta para receber quem tenha direito a compensações e ainda não as tenha recebido. A ONG respondeu que a grande maioria dos trabalhadores alvo de exploração saíram entretanto do país para o Nepal ou o Bangladesh e não têm meios para aceder ao esquema criado pelo executivo, ficando assim sem compensação pelos salários roubados ou pelos montantes que foram obrigados a pagar aos recrutadores. E muito menos terão acesso os familiares dos trabalhadores mortos nas obras do Mundial.

"Enquanto o dinheiro que foi pago este ano é sem dúvida importante, as palavras do ministro do Qatar de que a porta está aberta para os trabalhadores que sofreram abusos são insuficientes e é necessária uma resposta muito mais proativa para assegurar que a justiça esteja ao alcance de todos. O Qatar deve aumentar os fundos de compensação existentes e criar um novo - ninguém está a dizer que é fácil, mas se houver vontade pode ser encontrada uma solução que consiga transformar a vida de tantos trabalhadores", afirmou Steve Cockburn, responsável pelo departamento de Justiça Social e Económica da Amnistia Internacional.

Em maio deste ano, a Amnistia Internacional, juntamente com sindicatos, outras ONG e a Organização Internacional do Trabalho escreveram uma carta aberta ao líder da FIFA a exigir que a organização reserve 440 milhões de dólares - uma quantia equivalente aos prémios de jogo para as equipas - para este fundo de compensação.

O apelo foi secundado por futebolistas famosos e federações de vários países, como a Bélgica, Alemanha, Inglaterra, França, Países Baixos, País de Gales, Noruega e Estados Unidos.

"Trata-se de uma escolha clara para a FIFA: dedicar uma pequena parte das receitas do Campeonato do Mundo para fazer uma diferença enorme na vida de milhares de trabalhadores ou não fazer nada e aceitar que a competição ficará manchada indelevelmente pelos abusos dos direitos humanos", afirmou Cockburn.

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