"Prestamos contas aos maiores credores da nossa confiança: os desempregados"

porCatarina Martins

O que respondemos hoje a um desempregado que pergunte porquê? Porque apoia o Bloco, pela primeira vez, um Orçamento do Partido Socialista? É precisamente aos desempregados que a resposta é mais difícil de dar. Por Catarina Martins.

04 de março 2016 - 23:16
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Foto Paulete Matos

O Bloco presta contas por este Orçamento. É o Orçamento do governo do PS, não é o Orçamento do Bloco, mas acaba de ser viabilizado na generalidade com o nosso voto - e não ficamos a meio caminho quando se trata de assumir responsabilidades. Prestamos contas. E o Bloco não presta contas às fontes anónimas de Bruxelas, nem a patrões indignados com o aumento do salário mínimo. Prestamos contas aos maiores credores da nossa confiança, àqueles a quem os deputados do Bloco dedicam e dedicarão o esforço maior deste seu mandato: um milhão de portugueses sem emprego, na grande maioria sem qualquer apoio, um milhão de pessoas com as vidas suspensas pelas opções erradas de uma estratégia injusta, a austeridade.

Se este Orçamento garante alguma tímida mudança positiva é porque foi possível um entendimento com os partidos à esquerda do PS

O que respondemos hoje a um desempregado que pergunte porquê? Porque apoia o Bloco, pela primeira vez, um Orçamento do Partido Socialista? É precisamente aos desempregados que a resposta é mais difícil de dar. Quem vive um dia-a-dia de carências, quem subsiste muitas vezes abaixo do limiar da pobreza, não encontra neste Orçamento mudança que baste.

Mesmo com a introdução na especialidade de melhorias nos apoios sociais - subsídio social de desemprego, abono de família -, propostas pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda, mesmo com o acesso automático a uma tarifa social reforçada para baixar a fatura da energia, como prevê o acordo entre PS e Bloco, tudo isso é ainda muito pouco em vidas onde falta tanto. Respostas fortes, que deveriam ser para ontem, como a generalização do subsídio social de desemprego a todos os desempregados, exigem, como o Bloco sempre disse, coragem para transformações mais profundas, como a renegociação da dívida, mudanças de política que a relação de forças ainda não permite.

O Bloco não colocou entre parêntesis a sua principal proposta para defender os desempregados deste país: renegociar a dívida e libertar os recursos necessários para apoiar todos aqueles a quem a austeridade roubou o emprego

Esta é, portanto, a primeira resposta que darei ao desempregado que me pergunte porquê. Se este Orçamento garante alguma tímida mudança positiva é porque foi possível um entendimento com os partidos à esquerda do PS. Fizemos esse entendimento em respeito pelo nosso mandato, mas não o confundimos com o nosso mandato. O Bloco não colocou entre parêntesis a sua principal proposta para defender os desempregados deste país: renegociar a dívida e libertar os recursos necessários para apoiar todos aqueles a quem a austeridade roubou o emprego.

A minha segunda resposta aos desempregados deste país, aos que cá estão e aos que tiveram de emigrar, é que este é um Orçamento que inicia a recuperação dos rendimentos de quem menos ganha. Nas pensões, nos salários, no combate à precariedade, este caminho pode começar a trazer oxigénio a uma economia que a austeridade asfixiou.

Não há emprego num país com a economia de rastos. Não há austeridade criativa, nem redistributiva, e muito menos de esquerda. Austeridade é transferir rendimentos do trabalho para o capital e, por isso, do país para fora. Recuperar rendimentos de quem menos tem, de quem nunca colocará o dinheiro num qualquer offshore, mas sim o gastará aqui no que mais precisa, é o primeiro passo para quebrar o ciclo infernal das falências e da destruição de emprego. Recuperar rendimentos de quem trabalha e trabalhou toda a vida, é recuperar a economia, é recuperar emprego.

Há hoje uma maioria de deputados com um compromisso claro perante o país: repor rendimentos do trabalho e respeitar os direitos constitucionais. É nesta direção que vai o Orçamento do Estado, pela primeira vez em muitos anos e o Bloco orgulha-se do seu contributo para este resultado

Por isso vale a pena perguntar o que seria o Orçamento da direita para 2016. Conhecemo-lo. É o orçamento que estava implícito no plano de estabilidade que o governo PSD/CDS entregou em Bruxelas. Um orçamento que protegia do IMI os fundos de investimento e, entre aumentos de impostos, cortes e congelamentos, retirava às famílias 2 mil milhões de euros.

Pelo contrário, o Orçamento que agora começa a ser debatido na especialidade vai noutro sentido. É certo que é tímido na recuperação de salários e pensões. Que permanecem problemas importantes, - na contratação pública, saúde, educação,cultura -, e que somos críticos de muitas das opções do governo. Que são escassas as respostas a quem mais urgência tem numa mudança. Mas há hoje uma maioria de deputados com um compromisso claro perante o país: repor rendimentos do trabalho e respeitar os direitos constitucionais. É nesta direção que vai o Orçamento do Estado, pela primeira vez em muitos, muitos anos, e, sem falsas modéstias, o Bloco orgulha-se do seu contributo para este resultado.


Intervenção de Catarina Martins na abertura do debate sobre Orçamento de Estado para 2016.

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