De acordo com Jorge Leite, “o leitmotiv" do seu texto sobre "A Reforma Laboral em Portugal", de 2012, poderia ser identificado “com recurso à expressão a desvalorização do trabalho, ou, se o quisermos associar à lenda da casa dos Atridas, a vingança dos mercados. Desvalorização, acrescente-se, num duplo sentido que mais à frente melhor se desenvolverá: (i) em sentido económico, patrimonial, mercantil (de valor de troca), de redução da retribuição e (ii) em sentido não patrimonial, mais psíquico, ou mais afectivo, ou mais moral, de desconsideração, em alguns casos de real humilhação, por vezes gratuita, da pessoa que trabalha”.
Fazendo referência ao Memorando de Entendimento, subscrito, por um lado, pela “troika” (FMI, CE e BCE) e, por outro lado, pelo Governo português, o professor jubilado da Universidade de Coimbra assinala que, “verdadeiramente, os defensores da estratégia da austeridade pareciam apostados em deprimir as pessoas para em seguida as comprimir e, se considerado necessário, reprimir, fazendo, paralelamente, suceder as medidas a um ritmo, ainda assim, para muitos inesperado”.
Jorge Leite lembra que, ao agravamento dos preços de vários bens e serviços, incluindo alguns de primeira necessidade, se acumularam “muitas medidas todas convergentes no mesmo objectivo ou no mesmo resultado: o do empobrecimento generalizado, ainda que muitas vezes desigual, das pessoas e das famílias que potenciou as dificuldades de muitas empresas com a inevitável consequência de apresentação à insolvência das mais expostas”.
“Foi a estratégia, por muitos considerada errada e até perigosa, da austeridade – um verdadeiro austericídio, para usar um neologismo importado de Espanha, a estratégia do 'custe o que custar', para recorrer a uma expressão muito repetida pelo Primeiro-ministro português– cuja consequência mais visível e mais dramática terá sido a do aumento brutal do desemprego, com a inevitável alteração, desejada ou não, de funcionamento do mercado de trabalho e o consequente agravamento do desequilíbrio entre a oferta e a procura”, sinaliza.
No seu texto, o especialista em Direito do Trabalho ocupa-se, “sem prejuízo de referências meramente ocasionais às restantes”, quase exclusivamente às medidas de natureza laboral, que, por razões de ordem expositiva, subdivide em 5 grupos: as medidas de desvalorização predominantemente económica; as medidas de desvalorização predominantemente pessoal; outras medidas respeitantes à relação individual de trabalho (tempo de trabalho, despedimentos); medidas relativas às relações coletivas de trabalho.
Jorge Leite debruça-se sobre as medidas que promovem a desvalorização económica do trabalho, “com as suas inevitáveis consequências na qualidade de vida do trabalhador e dos que dele dependem, em particular nos casos em que mais reduzidos são os seus rendimentos salariais, por regra os das pessoas sem ou com mais fracos recursos de outra fonte”: redução dos custos salariais por alargamento do tempo de trabalho; a redução do preço anteriormente pago por determinadas prestações de trabalho; e a redução dos custos do despedimento e de outras formas de extinção do contrato de trabalho.
Por outro lado, aborda um conjunto de medidas que nos interpelam acerca do “grau de consideração social do ser humano no trabalho”.
“As últimas reformas laborais têm, com efeito, multiplicado a adoção de medidas susceptíveis de atingirem aspectos psíquicos ou morais das pessoas por elas atingidas, com implicações suscetíveis de se comunicarem ou de se projectarem fora da empresa, designadamente na vida social e, em particular, na vida familiar dos trabalhadores atingidos. Refiro-me, em especial, àquelas normas que permitem, se é que não estimulam, situações de constrangimento psicológico ou mesmo de humilhação, ostensiva ou dissimulada, da pessoa do trabalhador surpreendido em alguns dos momentos de maior fragilidade, em particular nos momentos de acesso ao emprego ou de risco de perda do emprego conseguido”, lê-se no artigo.
Em causa estão, nomeadamente, as normas sobre mobilidade geográfica ou sobre mobilidade funcional, ou ainda sobre não renovação dos contratos a termo certo; os silêncios positivos dos trabalhadores e outras inferências de determinado comportamento do trabalhador.
Para Jorge Leite, “desconsideração da pessoa do trabalhador é, talvez, a expressão que melhor traduz o sentido” destas medidas.
O professor jubilado da Universidade de Coimbra sinaliza ainda que “a precariedade tem sido uma marca quase sempre presente nas sucessivas reformas das leis do trabalho dos últimos anos, traduzida em especial nas alterações ao regime dos contratos temporários, ao aumento e consequente diversificação da oferta de 'produtos laborais' e ao recurso cada vez mais frequente aos expedientes do direito dos negócios”.
O trabalho de Jorge Leite incide ainda sobre as principais medidas que “alargam os poderes do empregador de gestão do tempo de trabalho, em especial as medidas concretizadas em duas figuras relativamente recentes no ordenamento jurídico português: a figura da adaptabilidade e a figura do banco de horas”, bem como sobre as “significativas modificações em duas das modalidades de despedimento por motivos não inerentes ao trabalhador: o despedimento por extinção do posto de trabalho e o despedimento por inadaptação, em ambos os casos com o sentido de facilitar a decisão do empregador em relação ao que anteriormente se encontrava estabelecido”.
A tendência para a desadministrativização da relação de trabalho, com a eliminação da obrigação de envio à Autoridade para as Condições de Trabalho do Regulamento Interno; a simplificação das comunicações de início de atividade da empresa ou de alteração de atividade; o deferimento tácito de requerimento de redução ou de exclusão do intervalo de descanso; a eliminação da obrigação de envio de mapa de horário de trabalho; e a eliminação da obrigação de envio de acordo de isenção de horário; também são alvo da análise do especialista em Direito do Trabalho.
Por fim, Jorge Leite debruça-se sobre os ataques da reforma laboral de 2012 no que concerne à negociação coletiva.