Os primeiros 1º de Maio

porÁlvaro Arranja

No Congresso Socialista de Paris de 1889, que instituiu a efeméride em honra dos mártires de Chicago, estavam dois portugueses. No ano seguinte, o nosso país foi dos primeiros a instituir o 1º de Maio. Sob ameaça das autoridades, rumava-se então à campa de José Fontana e faziam-se greves.

10 de janeiro 2025 - 9:56
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Multidão durante as comemorações  do dia 1º de Maio de 1897 no antigo Largo de Camões  actual D. João da Câmara no Rossio em Lisboa
Multidão durante as comemorações do dia 1º de Maio de 1897 no antigo Largo de Camões actual D. João da Câmara no Rossio em Lisboa. Foto do blogue "Histórias com História".

Em 1886, oito operários foram condenados à morte em Chicago. O seu crime foi participarem na luta pelas 8 horas de trabalho, iniciada em 1 de maio desse ano. A tragédia dos «Mártires de Chicago», levou o Congresso Socialista de Paris de 1889, a consagrar o 1º de Maio como data comemorativa do movimento operário e socialista.

Imagem dos «Mártires de Chicago», no jornal Aurora Social, da União dos Sindicatos Operários de Évora, em 1920.
Imagem dos «Mártires de Chicago», no jornal Aurora Social, da União dos Sindicatos Operários de Évora, em 1920.

Dois delegados portugueses estiveram presentes em Paris, representando o Partido Socialista e a Associação do Trabalhadores da Região Portuguesa (ATRP): Luís de Figueiredo, tipógrafo, de Lisboa e Francisco Viterbo Campos, operário marceneiro, do Porto.

Pondo em prática as resoluções do Congresso de Paris, Portugal está entre o primeiro grupo de países onde se comemora o 1º de Maio. Logo em 18 de janeiro de 1890, no Porto, no Congresso das Associações Operárias, a manifestação de 1º de Maio mereceu a aprovação das organizações presentes.

Em 1 de abril de 1890, o Conselho Federal do Sul da ATRP, decide comemorar logo nesse ano o 1º de Maio. A ata da sessão refere que se resolveu «empregar todos os esforços a fim de promover a manifestação para o dia normal de 8 horas de trabalho, acompanhando assim o movimento que em todos os países se está preparando para o 1º de Maio»1.

Corria agitado o ano de 1890. Começou logo em 11 de janeiro com o Ultimato britânico, motivo para mais um episódio do rotativismo monárquico, com a substituição do governo progressista pelo regenerador de António Serpa. Também foi o ano da afirmação do republicanismo, apoiado na contestação a um rei cúmplice dos ingleses.

Em Lisboa também foi agitado esse primeiro 1º de Maio, em 1890. O primeiro ato foi uma romagem ao túmulo de José Fontana, figura fundadora do movimento operário e socialista português.

Os manifestantes eram esperados à porta do cemitério dos Prazeres por uma força de cavalaria e uma força policial no interior.

Segundo A República:

«Dentro do cemitério, à direita da porta formaram-se uns 40 polícias: outros guardas fardados e à paisana deslocaram-se em patrulhas pelas ruas que convergem à rua 11, onde se ergue o monumento a Fontana (…) Mesmo junto ao monumento colocaram-se dois chefes de esquadra. Em grupos, ao redor, mais de vinte polícias. O povo entretanto aglomerava-se. Às duas e meia estavam nos Prazeres umas 3.000 pessoas. (…) Coroas de flores foram depostas no monumento.»

Luís de Figueiredo falou em nome das organizações operárias:

«Hoje, que em todo o mundo o operariado se levantou, dever nosso é aqui curvarmo-nos junto ao túmulo daquele que tanto lutou para que o operário fosse livre e feliz».

A reação das autoridades não se fez esperar:

«Logo um dos chefes postos de guarda ao túmulo, intimou o orador a calar-se por ter falado em política.

O povo saudou Luís de Figueiredo. Nova e inconsciente ofensa à lei, pois que outro chefe de esquadra intimou para cessarem os aplausos.»

Dada a ordem de dispersar, os operários não reagiram e serenamente abandonaram o local. Porém, «pelas cinco horas da tarde um grupo de 100 operários», voltou ao local:

«foram levantados vivas à classe operária, à solidariedade dos povos e à República social.

A polícia acorreu desordenadamente, esbaforida, mas quando chegou…era já “trop tard”.»

Monumento a José Fontana no cemitério dos Prazeres.
Monumento a José Fontana no cemitério dos Prazeres.

O comício de rua que se deveria seguir à romagem ao cemitério, foi proibido porque a lei não permitia comícios em ruas públicas.

Mas o dia não se ficou por comemorações e discursos. Para participarem no 1º de Maio em horas de trabalho, os trabalhadores só o podiam fazer entrando em greve.

O jornal informa que:

«os trabalhadores metalúrgicos foram dos que mais aderiram ao movimento.

Nas fábricas Dauphinet, Empresa Industrial, Industrial Portuguesa e outras, não apareceram os operários.

O feriado foi mais copioso entre os operários construtores de prédios.

Paralisaram as obras contíguas à alfandega. Nem um único operário ali trabalhou. (…) Não houve faina em muitos prédios em construção. Muitos outros operários abandonaram o trabalho.

Houve às 8 horas da noite, na Calçada do Cascão, a reunião de delegados de várias classes operárias. Estiveram presentes uns 800 operários.»

Na sequência das ações do dia 1º de Maio, muitos trabalhadores são despedidos. Segundo A República:

«Foram despedidos operários da fábrica Baerlein por não terem ido trabalhar no dia 1. Nove carpinteiros da fábrica à Guia foram despedidos.»2

No Porto, embora com algumas divergências entre socialistas e anarquistas (que pretendiam uma manifestação frente aos Paços do Concelho), a manifestação no Monte Aventino (nas Antas), local tradicional de reunião do operariado portuense da época, teve uma grande adesão, pois segundo o jornal A República Social, ali se reuniram 12.000 trabalhadores3.

Jornal O Protesto Operário, 3 de maio de 1891.
Jornal O Protesto Operário, 3 de maio de 1891.

No ano seguinte, a data está definitivamente estabelecida no calendário do movimento operário. O Protesto Operário, define o 1º de Maio como o dia «da reunião dos explorados em face mesmo do baluarte dos seus opressores.»

A reivindicação das oito horas de trabalho continua e continuará central no 1º de Maio. O comício de Lisboa decorre na Calçada do Forno do Tijolo.« Às nove horas da manhã, 5000 pessoas estavam ali para escutar os oradores. Muita polícia também.» À tarde cerca de 12.000 pessoas estiveram na romagem ao túmulo de José Fontana.

Greves de várias classes voltam a marcar o dia:

«Na construção civil pararam quase todas as obras.(…) Na Litografia Castro & Cª os patrões, cedendo a um pedido dos operários, reduziram a nove as horas de trabalho por dia. (…) Os rolheiros do Barreiro aderiram ao comício. Nas oficinas da Companhia Carris de Ferro não se trabalhou. Continuam em gréve os soldadores de Setúbal.4»

Muitos jornais adotaram o título de 1º de Maio, logo desde 1891, de diferentes tendências e locais de publicação.

Jornal O 1º de Maio, 1 de Maio de 1891.
Jornal O 1º de Maio, 1 de Maio de 1891.

Ao longo da década de 90 do século XIX, como na primeira década do século XX, as comemorações crescem em número de participantes e estendem-se um pouco por todo o país, com relevo para as zonas atingidas pela lenta industrialização do país. O caráter festivo, com desfiles e festas, coexistiu com a afirmação das reivindicações operárias, lembradas muitos oradores, em inúmeras sessões e comícios.

Como seria de esperar quase todos os oradores eram homens. Porém uma mulher também se destacou como oradora nas sessões do 1º de Maio. Foi Angelina Vidal, professora, jornalista, poetisa e conferencista, muito ligado à Voz do Operário, discursou em muitos dias 1º de Maio, em várias localidades (como no Barreiro, em 1909, onde foi a oradora principal no comício).

Em artigo no jornal O Trabalho, de Setúbal, a propósito do 1º de maio, escreveu:

«Dia de festa? Não! (…) O 1º de Maio deve ser a monumental parada, do exército internacional do Trabalho, para demonstrar ao Milhão que toda a sua força desapareceria se não fosse valorizada pelo braço, músculo da grande indústria. (…) A escravidão moderna evolucionou da gleba à oficina. (…) A ordem industrial liberal tem o carater frio do despotismo dos idos tempos.»

Sobre a condição da mulher operária:

«Pobre, humilde mulher, a quem a grande indústria torna quase estranha ao seu lar, quase alheia aos filhos, quase adversária do companheiro das suas amarguras!

É para essa que o meu coração se inclina enternecido e fraternal!»5

Postal da Voz do Operário sobre Angelina Vidal.
Postal da Voz do Operário sobre Angelina Vidal.

Com a proclamação da República, há um reconhecimento de facto da data, embora nunca se torne feriado oficial, embora algumas Câmaras a reconheçam como feriado municipal. O Governo Provisório da República reconhece as 8 horas de trabalho aos trabalhadores civis do exército e da marinha, mas só em 1919 se torna lei geral.

Com a criação da União Operária Nacional, em 1914 e da Confederação Geral do Trabalho (CGT), em 1919, as comemorações do 1º de Maio deixam definitivamente de ser controladas pelos socialistas, para serem assumidas pela corrente anarcosindicalistas dominante no movimento sindical.

A difícil relação entre o operariado e a República reflete-se nas comemorações do 1º de Maio.

A enorme participação popular no 1º de Maio de 1919 é exemplificativa do reforço do movimento sindical no pós 1ª Guerra, dos receios da sociedade burguesa, provocando uma alteração da atitude do sindicalismo português em relação ao 1º de Maio.

Vemos isso na cobertura que a A Batalha, jornal diário da CGT de grande tiragem, faz da manifestação do 1º de Maio de 1919:

«Corriam tétricos boatos acerca do dia 1º de Maio. A burguesia acreditava plenamente numa jornada sangrenta, em que os sans-cullotes sairiam das suas alfurjas e viriam atravessar os bairros chics, provocando e ameaçando as pessoas de respeitabilidade. Visionavam-se já os assaltos à propriedade do honrado comércio da nossa praça e às própria residências particulares. Nédios e anafados, capitalistas acordaram sobressaltados na madrugada do grande dia, cuidando ouvir ao longe o ulular das multidões esfaimadas. Mas afinal, as comemorações do 1º de Maio decorreram serenamente.

Foi em Lisboa que a manifestação atingiu o máximo de intensidade. A paralisação foi absoluta e ao comício monstro efetuado nas terras do Parque Eduardo VII, acorreram cerca de 30000 operários, que depois, em grande número, atravessaram a cidade, vindo saudar A Batalha, cantando bem alto A Internacional e hasteando bandeiras vermelhas.»

A Batalha, 3 de maio de 1919.
A Batalha, 3 de maio de 1919.

A comemoração do 1º de Maio em liberdade estava, porém, nos seus últimos anos. O plano da oligarquia financeira, industrial e agrária, para derrubar a República democrática, com o objetivo de instaurar a ditadura para esmagar os direitos dos trabalhadores, estava em marcha, imitando os fascismos que surgiam em vários países europeus.

O 1º de Maio de 1926 é o último a ser comemorado em liberdade.

O jornal A Batalha, em 1926,  no último 1º de Maio antes da ditadura.
O jornal A Batalha, em 1926, no último 1º de Maio antes da ditadura.

Em 28 de maio de 1926, instala-se a «violenta e brutal ditadura» de «banqueiros, comerciantes, industriais e agricultores que não cultivam terras, defendida pelo exército» que «cairá sobre os sindicatos operários, sobre a liberdade de reunião e pensamento, reduzindo, pela asfixia, o país ao silêncio»7, de que falava A Batalha um ano e quatro meses antes do golpe.

Depois de 28 de maio de 1926 e até 25 de Abril de 1974, a ditadura vai proibir e perseguir violentamente qualquer comemoração do 1º de Maio.


Notas:

1 Nogueira, César, Notas Para a História do Socialismo em Portugal, Lisboa, Portugália, 1964, p.178.

2 A República, 3 de maio de 1890.

3 Sousa, Manuel Joaquim de, O Sindicalismo em Portugal, Porto, Afrontamento, 1974, p.67.

4 O Protesto Operário, 3 de maio de 1891.

5 O Trabalho, 3 de maio de 1914.

6 A Batalha, 3 de maio de 1919.

7 A Batalha, 30 de janeiro de 1925.

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