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Os 100 dias de Mariano Rajoy no governo de Espanha
Com apenas 100 dias de governo já deu para perceber que são os piores 100 dias enfrentados por um primeiro ministro desde o retorno da democracia, em 1977. Neste período, Mariano Rajoy já teve que enfrentar uma greve geral, o castigo insolente de um mercado que não tem nenhum tipo de paciência política, o desgaste inusitado nas eleições regionais em que perdeu mais de meio milhão de votos, o encorpado aumento do desemprego que supostamente ele iria domar, um enfrentamento latente com os seus aliados do nacionalismo de centro-direita da Catalunha e até um puxão de orelhas dos seus sócios europeus porque, segundo eles, não está a fazer bem o trabalho de casa, já que não fez todo o ajustamento necessário no orçamento 2012 para pôr fim à crise.
Neste contexto desolador, no qual os conflitos sociais e o descontentamento nas ruas crescem como espuma, o Partido Popular apresentou o orçamento para o presente ano. O ajustamento é brutal e supera, com sobras, o primeiro que José Luís Rodríguez Zapatero realizou e que foi qualificado na altura como o “mais contundente da historia recente”. 27 mil milhões de euros a menos que no ano passado, com o objetivo de reduzir o défice fiscal de 8,5 para 5,3%. As prioridades do corte são uma declaração de princípios: a investigação científica perde 35%, o incentivo ao cinema outro tanto, haverá 166 milhões de euros a menos para bolsas de estudo, 28% a menos para o Plano Nacional de Combate às Drogas, 39% a menos para atender pessoas idosas e 21% menos para destinar à prevenção à violência de género, 42% de corte para a atenção à infância e 43% para os serviços sociais básicos. Já para a Casa do Rey só cortaram 2% e, como se o pão e circo fossem parte deste insólito programa, só cresce o gasto no item desportos, ao mesmo tempo em que se anuncia uma redução no destinado para cobrir o subsídio de desemprego, algo que ninguém sabe muito bem como se conseguirá, já que a destruição de empregos alcançou um ritmo sem precedentes nos últimos meses e tudo indica que não fará mais que aumentar.
Às resistências que os ajustamentos despertam, Rajoy tem respondido com o seu parco estilo galego: “Tem coisas que nem os próprios membros do partido gostam”. Mas não existem alternativas. Ao menos esse é o chavão com o qual a direita, acompanhada em coro pela quase totalidade da imprensa, tenta colar numa opinião pública a cada dia mais cética e furiosa. A magnitude dos problemas políticos que esta vigorosa política de corte neoliberal traz consigo é difícil de quantificar: à greve geral mais contundente em décadas, soma-se um conflito sindical setorizado, detonado nos últimos meses. Mas não são os trabalhadores nem os jovens, entre os quais o desemprego alcança 50%, os únicos “indignados”. A magnitude dos cortes em infraestruturas e obras públicas – este ano será gasto metade do que foi gasto em 2010, um ano já marcado pela crise - deixou contra o governo inclusive os conservadores da Convergencia I Unió que governam a Catalunha e que foram os mais duros profetas do ajustamento regional nos últimos tempos.
Os mercados respondem a tudo isto como sempre: pedindo mais. Na última segunda-feira a Bolsa de Madrid deixou 2,71% no caminho e a taxa de risco que mede a confiança no país para honrar a sua dívida pública disparou até os 364 pontos. As praças financeiras franzem o cenho diante da forte recessão que se avizinha e que elas mesmas contribuíram para criar e Berlim e Paris olham cada vez com mais desconfiança para Madrid, num ano no qual deverão desembolsar cerca de 60 mil milhões de euros para permitir ao país pagar a dívida. Para completar a piada macabra desta crise sem fim, a chanceler alemã Angela Merkel permitiu-se afirmar num debate público que “se vemos que necessitamos gente na Alemanha e, na Espanha há 40% de jovens sem trabalho, não vamos trazer imigrantes de fora”.
Artigo de Oscar Guisoni1, traduzido por Libório Junior e publicado em Carta Maior
1 Oscar Guisoni é jornalista, correspondente em Espanha do jornal Página/12, da Argentina, do Il Manifesto, de Itália, e de El Observador Global, portal de informação internacional latino-americano.
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