Os 100 dias de Mariano Rajoy no governo de Espanha

O saldo dos primeiros cem dias do governo de Mariano Rajoy é uma greve geral, o castigo de um mercado que não tem nenhum tipo de paciência política, a perda de mais de meio milhão de votos nas eleições regionais, o aumento do desemprego e um puxão de orelhas dos seus sócios europeus. Por Oscar Guisoni

07 de abril 2012 - 19:12
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Manifestação no dia da Greve Geral em Oviedo, Asturias - Foto de CCOO

Com apenas 100 dias de governo já deu para perceber que são os piores 100 dias enfrentados por um primeiro ministro desde o retorno da democracia, em 1977. Neste período, Mariano Rajoy já teve que enfrentar uma greve geral, o castigo insolente de um mercado que não tem nenhum tipo de paciência política, o desgaste inusitado nas eleições regionais em que perdeu mais de meio milhão de votos, o encorpado aumento do desemprego que supostamente ele iria domar, um enfrentamento latente com os seus aliados do nacionalismo de centro-direita da Catalunha e até um puxão de orelhas dos seus sócios europeus porque, segundo eles, não está a fazer bem o trabalho de casa, já que não fez todo o ajustamento necessário no orçamento 2012 para pôr fim à crise.

Neste contexto desolador, no qual os conflitos sociais e o descontentamento nas ruas crescem como espuma, o Partido Popular apresentou o orçamento para o presente ano. O ajustamento é brutal e supera, com sobras, o primeiro que José Luís Rodríguez Zapatero realizou e que foi qualificado na altura como o “mais contundente da historia recente”. 27 mil milhões de euros a menos que no ano passado, com o objetivo de reduzir o défice fiscal de 8,5 para 5,3%. As prioridades do corte são uma declaração de princípios: a investigação científica perde 35%, o incentivo ao cinema outro tanto, haverá 166 milhões de euros a menos para bolsas de estudo, 28% a menos para o Plano Nacional de Combate às Drogas, 39% a menos para atender pessoas idosas e 21% menos para destinar à prevenção à violência de género, 42% de corte para a atenção à infância e 43% para os serviços sociais básicos. Já para a Casa do Rey só cortaram 2% e, como se o pão e circo fossem parte deste insólito programa, só cresce o gasto no item desportos, ao mesmo tempo em que se anuncia uma redução no destinado para cobrir o subsídio de desemprego, algo que ninguém sabe muito bem como se conseguirá, já que a destruição de empregos alcançou um ritmo sem precedentes nos últimos meses e tudo indica que não fará mais que aumentar.

Às resistências que os ajustamentos despertam, Rajoy tem respondido com o seu parco estilo galego: “Tem coisas que nem os próprios membros do partido gostam”. Mas não existem alternativas. Ao menos esse é o chavão com o qual a direita, acompanhada em coro pela quase totalidade da imprensa, tenta colar numa opinião pública a cada dia mais cética e furiosa. A magnitude dos problemas políticos que esta vigorosa política de corte neoliberal traz consigo é difícil de quantificar: à greve geral mais contundente em décadas, soma-se um conflito sindical setorizado, detonado nos últimos meses. Mas não são os trabalhadores nem os jovens, entre os quais o desemprego alcança 50%, os únicos “indignados”. A magnitude dos cortes em infraestruturas e obras públicas – este ano será gasto metade do que foi gasto em 2010, um ano já marcado pela crise - deixou contra o governo inclusive os conservadores da Convergencia I Unió que governam a Catalunha e que foram os mais duros profetas do ajustamento regional nos últimos tempos.

Os mercados respondem a tudo isto como sempre: pedindo mais. Na última segunda-feira a Bolsa de Madrid deixou 2,71% no caminho e a taxa de risco que mede a confiança no país para honrar a sua dívida pública disparou até os 364 pontos. As praças financeiras franzem o cenho diante da forte recessão que se avizinha e que elas mesmas contribuíram para criar e Berlim e Paris olham cada vez com mais desconfiança para Madrid, num ano no qual deverão desembolsar cerca de 60 mil milhões de euros para permitir ao país pagar a dívida. Para completar a piada macabra desta crise sem fim, a chanceler alemã Angela Merkel permitiu-se afirmar num debate público que “se vemos que necessitamos gente na Alemanha e, na Espanha há 40% de jovens sem trabalho, não vamos trazer imigrantes de fora”.

Artigo de Oscar Guisoni1, traduzido por Libório Junior e publicado em Carta Maior


1 Oscar Guisoni é jornalista, correspondente em Espanha do jornal Página/12, da Argentina, do Il Manifesto, de Itália, e de El Observador Global, portal de informação internacional latino-americano.

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