A pergunta é retórica. Para além da constituição da Autoridade Palestiniana na sequência do acordo de paz assinado em Setembro de 1993, entre o primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, e o líder palestiniano Yasser Arafat (e o presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton), e o consequente regresso de Yasser Arafat à Palestina, nada mais ficou. Já lá vão 23 anos. Passaram os governos israelitas, os presidentes norte-americanos, Intifadas e guerras na Faixa de Gaza, e nada de concreto acontece que aponte para a constituição de um Estado palestiniano. Em contraponto, aumentou de forma constante a presença de colonos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, aumentaram os colonatos e o confisco de terras palestinianas. A única excepção foi a retirada israelita da Faixa de Gaza, em 2005, por decisão unilateral do Primeiro-ministro de então, Ariel Sharon.
Passaram os governos israelitas, os presidentes norte-americanos, Intifadas e guerras na Faixa de Gaza, e nada de concreto acontece que aponte para a constituição de um Estado palestiniano
Durante estes anos o Mundo “distraiu-se” com guerras que retiraram o primeiro plano ao conflito israelo-palestiniano. Ataque às Torres Gémeas, guerra no Afeganistão, no Iraque, no Líbano, na Ucrânia, a ameaça do Irão nuclear, as Primaveras Árabes e o que se lhe seguiu. O conflito israelo-palestiniano deixou de ter destaque na agenda internacional.
E eis que Donald Trump é eleito Presidente dos Estados Unidos. Logo na campanha eleitoral gasolina para a fogueira: a promessa de passar a Embaixada dos Estados Unidos de Telavive para Jerusalém. Se a promessa for concretizada a possibilidade de conflito é enorme. Basta que nos lembremos quando em Setembro de 2000 uma visita de Ariel Sharon à Esplanada das Mesquitas espoletou a II Intifada palestiniana. A religião como arma ultra sensível. Jerusalém, cidade santa, aconselha todos os cuidados.
Mais dúvidas que certezas
Dos primeiros dias de Donald Trump na Casa Branca fica o primeiro encontro e a conferência de imprensa conjunta com o Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, da qual ficaram mais dúvidas do que certezas. A única certeza, para quem seguiu a dita conferência de imprensa, foi o enorme sorriso de Benjamin Netanyahu (Bibi) em vários momentos. O próprio Netanyahu, fez questão de sublinhar que há muito tempo conhece Trump, a família e a equipa que o acompanha. E dão-se muito bem. Netanyahu não tem boas memórias de Barack Obama. Agora, com Donald Trump, houve juras de amor: o jornal El Mundo disse que a Casa Branca assistiu a uma “lua-de-mel” entre os dois políticos. A frase com que Netanyahu encerra a conferência de imprensa é elucidativa: “não há maior amigo do povo e do Estado judeu do que o Presidente Donald Trump”.
Esta conferência de imprensa e esta visita de Benjamin Netanyahu a Washington serviu ao Primeiro-ministro israelita para ganhar outra força política – tem problemas internos preocupantes por estar a ser investigado em alegados casos de corrupção e também no negócio da compra de submarinos – mas também para que Donald Trump pudesse cortar definitivamente com a linha de política externa da administração de Barack Obama. Trump deixou cair a “solução dois Estados” (basicamente o que disse foi que tanto lhe faz: um ou dois Estados. Isto pode ser interpretado como estando a dizer a Israel que tem as mãos livres para fazer o que entender porque terá o apoio norte-americano) e voltou a apontar todas as baterias ao Irão. Música para os ouvidos de Benjamin Netanyahu. Aliás, ter um inimigo externo comum é algo que vai aproximar os dois políticos e permite-lhes a utilização de argumentos e de uma estratégia política que pode dar frutos na política interna. O próprio Netanyahu sugeriu uma paz global no Médio Oriente, entre países árabes e Israel, para fazer face ao Irão e ao Estado Islâmico. Uma proposta curiosa quando a Liga Árabe há mais de uma década (2002) propôs a Israel um plano de paz com todos os países árabes por troca de um acordo entre israelitas e palestinianos. Trump agarrou a sugestão de Netanyahu e o embaixador norte-americano nomeado para Israel defendeu-a no Senado. O Irão como inimigo útil.
Ainda quanto à visita a Washington, o único aspecto que não terá agradado a Benjamin Netanyahu foi não ter obtido a garantia de que a Embaixada dos Estados Unidos passa de Telavive para Jerusalém. Trump sabe (já lhe devem ter dito) qual é o peso dessa decisão. O antigo Secretário de Estado John Kerry, antes de deixar o cargo, deixou um alerta: existe o risco de uma “explosão absoluta na região”!
Convém, no entanto, ter alguma reserva quanto ao que chega da nova administração norte-americana. Logo após a declaração de Trump sobre a “solução dois Estados”, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Nikki Haley, veio dizer que “apoiamos absolutamente uma solução de dois Estados, mas também pensamos em alternativas”. Também o Embaixador norte-americano nomeado para Israel, David Friedman, conhecido pelas posições em defesa dos colonatos e hostis aos palestinianos, disse no Senado que não tem melhor solução do que a de dois Estados. Em que ficamos? Situações políticas indefinidas sempre funcionaram contra os objectivos palestinianos.
Desde logo, até agora, não há contactos da administração norte-americana com a Autoridade Palestiniana. Com Barack Obama, Mahmood Abbas esteve entre os primeiros líderes mundiais que foram recebidos na Casa Branca.
Um quadro pouco animador
Após as palavras de Trump e Netanyahu, do lado palestiniano surgiram as críticas, embora com a habitual e obrigatória prudência que tenta evitar acusações de radicalismo. O jornal Al Quds (Jerusalém) escreveu em editorial: “Depois de mais de 20 anos passados a negociar e depois de aceitarmos não ficar com mais do que 22% da Palestina histórica, a grande questão é: que devemos fazer?”.
Da Autoridade Palestiniana, o Presidente Mahmood Abbas disse que qualquer medida sobre Jerusalém (transferência da embaixada dos Estados Unidos) destrói a solução política do conflito, acusou Israel de trabalhar para construir um Estado com base no sistema de apertheid e ameaçou rever o reconhecimento de Israel por parte da Organização de Libertação da Palestina.
Depois de mais de 20 anos passados a negociar e depois de aceitarmos não ficar com mais do que 22% da Palestina histórica, a grande questão é: que devemos fazer?
Neste momento estão criadas as circunstâncias para que tudo seja mais complicado para os palestinianos: para além de Donald Trump na Casa Branca, nunca Israel teve um governo tão à direita como o actual executivo liderado por Benjamin Netanyahu, enquanto os palestinianos continuam profundamente divididos e sem qualquer sinal de alteração na relação entre o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, e a Autoridade Palestiniana que controla a Cisjordânia. Uma divisão que começou no Verão de 2007.
O que se passa na Palestina não prenuncia nada de bom. Não se ouvem os tambores da guerra, mas será avisado pensar que nenhum povo aceita pacificamente a humilhação e a desonra. Resta a ONU. António Guterres já veio dizer que a solução dois Estados é a única que permite antever um qualquer acordo entre israelitas e palestinianos. Para início de mandato, António Guterres não podia ter um desafio maior, sabendo nós como ao longo dos anos a Lei Internacional e a palavra das Nações Unidas relativamente a este conflito têm sido (quase) completamente ignoradas.
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José Manuel Rosendo é mestre em Relações Internacionais