Israel first

Os crime de guerra cometidos pelo Estado de Israel na Palestina não devem continuar impunes e os seus responsáveis têm que ser julgados em todo o mundo, especialmente pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Por Shahd Wadi.

24 de fevereiro 2017 - 11:14
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O quotidiano nos territórios ocupados é marcado pela destruição, violência e morte. Foto de Shareef Sarhan/Nações Unidas/Flickr
O quotidiano nos territórios ocupados é marcado pela destruição, violência e morte. Foto de Shareef Sarhan/Nações Unidas/Flickr

“Only America first, America first”. Com a cabeça meio inclinada e a boca meio aberta, numa postura que transmite algo entre estupidez e arrogância, Trump furou os ouvidos do mundo, ao anunciar que a partir do primeiro dia do seu mandato “apenas” os Estados Unidos da América contam. A excepção foi em Israel, onde o eco desta frase foi ligeiramente alterado com o objetivo de ser ouvida como se fosse uma canção bem clara e sem quaisquer interferências ou dúvidas: “Israel first, Israel first”.

Como dois novos amantes que não passaram pelos preliminares de sedução, Netanyahu e Trump foram directamente ao assunto. Trump anunciou logo o seu amor eterno, a sua fidelidade incondicional e a sua intenção de transferir a embaixada dos EUA para Jerusalém. Um passo rejeitado pela comunidade internacional, o qual significaria a aceitação pelos EUA da revindicação israelita da cidade de Jerusalém como sua capital e que terminaria com qualquer aspiração palestiniana de ver a sua cidade devolvida.

O apoio de Trump à tortura nas prisões que horrorizou os defensores dos direitos humanos no mundo já é uma rotina em Israel, que sempre torturou prisioneiros palestinianos, e é algo aceite pelo Estado e pelo supremo tribunal israelita

 

Trump, não hesitou em se assumir como aluno de Israel, que lhe ensina como se constroem muros de separação, entre outros ensinamentos. Num artigo publicado no jornal Independent, Bem White explica que todas as políticas que Trump quer implementar e que estão a indignar o mundo inteiro não são nada de novo para os palestinianos. O apoio de Trump à tortura nas prisões que horrorizou os defensores dos direitos humanos no mundo já é uma rotina em Israel, que sempre torturou prisioneiros palestinianos, e é algo aceite pelo Estado e pelo supremo tribunal israelita. A proibição de Trump de entrada de refugiados e pessoas de países muçulmanos nos EUA, já Israel a pratica desde 1948, proibindo a entrada de palestinianos (independentemente da sua religião), para assegurar que nenhum refugiado palestiniano possa voltar à terra de onde foi expulso. Ao mesmo tempo, abre as suas portas para qualquer judeu de qualquer parte do mundo.

Pelo seu lado, Israel anunciou a construção de mais colonatos e aprovou uma lei que legaliza retroativamente colonatos na Cisjordânia, por outras palavras, legaliza o roubo e expropriação de terras privadas palestinianas, anunciando assim que aquele pequeno bocado de terra que deixou sem ocupar é desnecessariamente palestiniano e que já é altura de anexar o que resta em proveito de Israel.

A justiça primeiro

No momento que Netanyahu anunciou os planos de construção de novas unidades nos colonatos, um grupo de cidadãos norte-americanos e palestinianos, decidiram, num pequeno gesto de resistência, processar no tribunal federal de Washington membros destacados do governo de Trump e do governo israelita por perpetrar e permitir crimes de guerra. O processo denuncia um esquema de lavagem de dinheiro que envolve os réus norte-americanos que fazem doações de “caridade” aos líderes do governo israelita, os quais utilizam esse dinheiro para financiar colonatos e violência na Cisjordânia ocupada, algo que contradiz a lei anti-terrorista dos Estados Unidos.


O povo palestiniano não desistirá de lutar e exige que as instâncias internacionais não fechem os olhos aos crimes cometidos pelo Estado de Israel. Foto Stefano/Flickr

Entre os réus está a família de Jared Kushner – o genro e o conselheiro para o Médio Oriente de Trump – que já doaram uma boa soma de dinheiro para colonatos. Está também o embaixador designado por Trump para Israel, David Friedman, um dos mais importantes angariadores de fundos para os colonatos israelitas.

Da parte israelita, para além de Netnyahu, estão ministros actuais e antigos como Avigador Liberman, Ehud Barak e Tzipi Livni. Mandatos de captura contra estes lideres e outros, já foram emitidos por diferentes tribunais como o caso da Inglaterra, Bélgica e Espanha, por serem suspeitos de crimes de guerra, algo que foi evocado através da Jurisdição Universal.

Porém, todas as condenações contra Israel pelos seus crimes – como por exemplo a última condenação da lei que legaliza os colonatos pelo Ministério dos Negócios Estrangeiro e pelo Parlamento português – já de nada servem. O jornalista israelita Gideon Levy refere num artigo que, ao anunciar que é legal roubar terra aos palestinianos, Israel declara-se como o segundo estado de apartheid do mar até ao Rio Jordão. As palavras já não são suficientes para travar este plano israelita. É preciso acção: os criminosos têm que ser julgados em todo o mundo e especialmente pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Num cenário de Hollywood, imaginamos Netnyahu detido em Londres, Avigador Liberman extraditado de Minsk, Naftali Bennet a tremer numa prisão federal, entre outras imagens de justiça para com os criminosos de guerra.

Imaginar uma fila de criminosos de guerra em julgamento no Tribunal Penal Internacional é a única coisa que alivia o desespero que o mundo sentiu após o último encontro cómico entre Netnyahu e Trump. Mas da imaginação à acção, porque não também aqui em Portugal conseguirmos que sob esses criminosos de guerra pendesse um mandato de captura? Só assim é que ao invés de “Israel first” poderíamos dizer “justice first”.

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Shahd Wadi é investigadora em Estudos Feministas e Palestinianos

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