No comboio descendente

Os “novos” docentes em transumância (ou retornados; tendo em conta os antigos “docentes desterrados”) ajudam a manter as gasolineiras e a CP, a quem este ano deram um novo fôlego. Artigo de Sílvia Pereira.

29 de novembro 2013 - 16:49
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Foto de Paulete Matos.

No comboio descendente

...Ninguém vai à gargalhada, sequer a rir … uns sonham com uma vida diferente, outros dormem, outros choram para si…

Refiro-me às viagens diárias que tantos docentes fazem (nas quais me incluo) em transportes públicos, especialmente de comboio. Não desfazendo de muitos outros docentes que se deslocam de viatura própria e que igualmente palmilham dezenas e dezenas de Km por dia.

São os “novos” docentes em transumância (ou retornados; tendo em conta os antigos “docentes desterrados”). São docentes dos quadros, são QZPs, são contratados ou futuros desempregados.

São docentes dos QE e QZPs que não obtiveram destacamento.

São docentes contratados obrigados a concorrer a 2 Quadros de zona Pedagógica (que podem distar da 1ª opção à última 300Km). São os profissionais que ajudam a manter as gasolineiras e a CP, e que este ano lhes deram um novo fôlego. E a esta classe está vedado qualquer subsídio de transporte.

São todos aqueles que muito madrugam e muito trabucam.

São docentes que estão na casa dos trinta/quarenta anos, que têm filhos menores em idade escolar e que ficam aos cuidados da família ou de outros docentes nas escolas…

São docentes que tiveram como “sorte” uma qualquer vaga numa qualquer periferia de uma grande cidade.

É na realidade, na periferia que ainda se obtém uma colocação (seja no concurso nacional ou, nas cada vez mais, ofertas de escola dos estabelecimentos com “ utonomia”), onde ainda há crianças apesar da reorganização curricular e de turmas com 30 alunos. Fora das grandes cidades as escolas com turmas de 30 alunos veem o número de turmas diminuir de ano para ano. Esta “ desertificação” que já se fazia sentir no interior profundo, aumenta cada vez mais geograficamente para o litoral.

Se fosse acionista da CP estaria agradecida ao Ministério da Educação mas como usuária da companhia e a pagar 242 euros de passes, o meu estado de espírito é naturalmente, muito diferente. Mesmo assim, tive sorte (!) pois há quem ainda pague um 3º passe!

…Resta-me pois dizer que o mundo mudou…e as escolas também!

Esta “ nova” classe, obrigada a percorrer Kms para trabalhar, a acordar de madrugada, munida da sua marmita, descendo ao litoral, ainda se depara com reuniões ordinárias, e extraordinárias, que por razões laborais, se continuam a realizar fora do horário letivo. Já para não falar daqueles docentes que têm 11/12 turmas e que têm de participar nos Conselhos de turma intercalares ( que já não estão previstos no despacho da organização do ano letivo) e que se arrastam durante 2/3 semanas.

Cabe a estes migrantes procurar no horário da CP ou de outros transportes públicos as possíveis alternativas para o retorno. Mas cabe também a estes pendulares fazerem ouvir a sua voz nas respetivas reuniões e dar a conhecer a sua vida diária aos colegas que nunca conheceram esta realidade, ou que já dela se esqueceram. Informar que a duração do horário das reuniões deve ser respeitada e que devem ser precisas pois não temos que permanecer mais horas na escola do que as que são realmente necessárias e já agora, que deixem estes professores ainda usufruir de um momento com a sua família (mesmo pequeno que seja).

É claro que não se pode esperar de toda a classe a compreensão indispensável pois para muitos colegas que não fazem estes percursos (às vezes de 2 h), “ apenas” mudou o nº de alunos (que aumentou), o nº de turmas (que aumentou) e o vencimento (que diminuiu )…Ah! … e mais uma prova de avaliação de conhecimentos a ser realizada em pleno período de avaliação de alunos.

 

* Sílvia Pereira, docente contratada há 20 anos,dirigente sindical do SPGL (Sindicato de Professores da Grande Lisboa)

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