O Dow Jones disparou! Não, despencou! Não, disparou! Não... Pouco importa. Enquanto o mercado de ações maníaco-depressivo domina as manchetes, a história realmente importante está nas más notícias que não param de surgir sobre a economia real. Fica claro agora que resgatar os bancos é apenas o começo: a economia não-financeira também precisa desesperadamente de ajuda.
Por Paul Krugman, originalmente publicado no New York Times
E para fornecer essa ajuda, teremos de colocar de lado alguns preconceitos. Está na moda, politicamente, esbravejar contra os gastos do governo e exigir responsabilidade fiscal.
Mas, no momento, uma elevação nos gastos do governo é o remédio correto, e as preocupações quanto ao défice deveriam ser deixadas de lado.
Nesta semana, fomos informados de que as vendas do retalho [nos EUA] caíram no precipício, e o mesmo vale para a produção industrial. Os pedidos de subsídio de desemprego apontam para um nível de recessão pesado. Todos os sinais apontam para uma desaceleração econômica que será cruel e longa.
Cruel a que ponto? O índice de desemprego já ultrapassou 6% (e as medidas mais amplas de subemprego estão na casa dos dois dígitos). Tornou-se virtualmente certo, agora, que o desemprego passe de 7%, e possivelmente ultrapasse 8%.
E quanto à duração da crise? Ela pode ser muito longa.
Pensem sobre o que aconteceu na última recessão, que se seguiu ao estouro da bolha da tecnologia do final dos anos 90. Em termos superficiais, a resposta das autoridades àquela recessão parece uma história de sucesso. Ainda que houvesse temor generalizado quanto à possibilidade de os Estados Unidos experimentarem uma "década perdida" ao modo japonês, isso não aconteceu. O Federal Reserve conseguiu estimular a recuperação por meio de cortes nas taxas de juros.
Mas a verdade é que estamos com cara de japoneses já há algum tempo: o Fed encontrou dificuldades para reanimar a economia. A despeito de repetidos cortes de juros que, por fim, conduziram a taxa dos fundos federais a apenas 1%, o desemprego continuava a subir; demorou mais de dois anos para que o quadro de emprego começasse a melhorar. E quando uma recuperação convincente enfim começou, Alan Greenspan tinha conseguido substituir a bolha da tecnologia pela bolha da habitação.
Agora chegou a vez de a bolha da habitação estourar, e a paisagem financeira está repleta de ruínas. Mesmo que os esforços em curso para resgatar o sistema financeiro e descongelar os mercados de crédito funcionem - e embora o processo esteja apenas a começar, os resultados iniciais foram decepcionantes -, é difícil imaginar que a habitação se recupere no curto prazo. E se existe uma nova bolha à espera para acontecer, ela não é óbvia. Assim, o Fed pode encontrar ainda mais dificuldade para reanimar a economia, desta vez.
Noutras palavras, não há muita coisa que Ben Bernanke possa fazer pela economia. Ele pode, e deveria, cortar ainda mais os juros, mas ninguém espera que isso propicie mais do que um ligeiro empurrão.
Por outro lado, há muita coisa que o governo pode fazer pela economia. Pode ampliar os benefícios aos desempregados, o que tanto ajudaria as famílias que enfrentam problemas a superá-los, como iria colocar dinheiro nas mãos de pessoas que devem gastá-lo. Pode oferecer assistência de emergência a governos municipais e estaduais, de modo a que eles não se vejam forçados a realizar cortes profundos de gastos. Também pode adquirir títulos hipotecários (ainda que não pelo valor de face, como propôs John McCain) e reestruturar os seus termos, de forma a ajudar as famílias a manter suas casas.
E também estamos num bom momento para investimentos sérios em infra-estrutura, algo que o país precisa muito, de qualquer maneira. O argumento habitual contra as obras públicas como forma de estímulo econômico é que elas demoram demais: quando a ponte enfim é reformada, e a ferrovia, modernizada, a crise econômica já passou e o estímulo deixou de ser necessário. Bem, esse argumento perdeu a validade agora, já que as hipóteses de que a atual crise desapareça rápido são nulas. Por isso, melhor colocarmos esses projetos em andamento.
O próximo governo fará o necessário para enfrentar a desaceleração da economia? Não se McCain conseguir reverter a desvantagem e vencer. O que precisamos agora é de mais gastos do governo, mas quando perguntaram a McCain num debate como enfrentaria a crise econômica, a sua resposta foi: "Bem, a primeira coisa é colocar os gastos sob controlo".
Caso Barack Obama se torne presidente, não terá a mesma aversão instintiva aos gastos públicos. Mas enfrentará um coro de figuras de Washington que o aconselharão a ser responsável, e dirão que os grandes déficits que o governo vai acumular em 2009, caso faça a coisa certa, são inaceitáveis.
Ele deveria ignorar esse coro. A coisa responsável a fazer, agora, é fornecer à economia o apoio de que precisa. Não está na hora de nos preocuparmos com o défice.
Traduzido e publicado pela Folha de S.Paulo de 18 de outubro de 2008. Retirado do blog Outra Política.
Adaptação para Portugal de Luis Leiria
Não é hora de pensar no défice
20 de outubro 2008 - 0:00
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