Jorge Leite: Um combate totalmente empenhado pela justiça social e fraternidade

Um Homem bom e generoso, que, de forma coerente, sempre esteve ao lado dos mais desfavorecidos, cumprindo de forma exemplar o dever de solidariedade e de luta pela justiça social. Por José João Abrantes.

02 de setembro 2019 - 16:08
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Muito já foi dito e escrito sobre o Professor Jorge Leite, que nos deixou no passado sábado, dia 24 de Agosto, vítima de doença prolongada. Mas as palavras serão sempre poucas para dizer tudo aquilo que se poderia dizer sobre as múltiplas facetas desse ser humano de excepção e o legado que nos deixou, a todos nós, seus Amigos e discípulos. Nos nossos corações e nos nossos pensamentos ficará para sempre a sua profunda lição de humanismo, generosidade e entrega ao próximo e a sua coerência na luta por esses valores.

Jorge Leite era um Homem bom e simples e um Amigo disponível e generoso, um Mestre competente, rigoroso e sério, um grande Professor, que, pela sua competência, humanidade e sentido de justiça, marcou todos os que com ele se cruzaram, desde logo todos os seus alunos.

Catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra, foi um dos maiores juslaboralistas portugueses, nomeadamente, foi um dos pioneiros a quem, após o 25 de Abril, coube a tarefa de reconstruir os princípios laborais vindos do Estado Novo em termos modernos e democráticos. Como tive oportunidade de escrever, há alguns anos, para o livro então publicado em sua homenagem, uma das principais marcas da sua brilhante carreira académica foi a defesa da autonomia do direito do trabalho, baseada numa mundividência que ele próprio designou como “antropologicamente amiga” do trabalho e dos trabalhadores. Sempre em consonância com tal mundividência, foi também Jorge Leite um cidadão totalmente empenhado no combate diário pelos seus ideais de justiça social e fraternidade.

Jorge Leite partiu da mesma forma como viveu. Sem revolta, tranquilo e sereno, resignado, morreu em paz. Como, na sua oração fúnebre, disse João Leal Amado, partiu com a consciência de um dever cumprido e da noção de que a passagem pela terra tem um termo e este estava a cumprir-se.

Sem isso alguma vez o fazer diminuir o respeito por quem tivesse outros ideários, Jorge Leite foi sempre fiel às suas convicções mais profundas, aos seus ideais de esquerda, foi um defensor intransigente da dignidade da pessoa humana e, como tal, sabia que, numa sociedade profundamente fracturada em classes e interesses antagónicos, a forma de ser coerente com a luta pelo Direito e pela Justiça (a tal “luta pelo Direito”, a que se referia Ihering, expressão de que tanto gostava) implica necessariamente uma opção preferencial pelos mais desfavorecidos. Jorge Leite assumiu essa opção ao longo de toda a sua vida, como um dever, que considerava indeclinável, de realizar a solidariedade que cada um de nós deve aos nossos semelhantes, particularmente aos que não têm voz nem vez e aos que têm fome e sede de justiça.

É tão só disto que se trata, como bem acentuou José Manuel Pureza, num belíssimo texto que escreveu em Julho para o diário “As Beiras”, sob o título “Aprender com Jorge Leite”, onde dizia de forma exemplar tudo aquilo que, no essencial, todos nós, seus Amigos, sentíamos por Jorge Leite e por aquilo que com ele aprendemos. “É tão simplesmente de respeito humano elementar que se trata”. É do respeito pela dignidade a que têm direito todos os seres humanos, nomeadamente, os que só têm a força de trabalho como única fonte de sustento e de realização; por isso, esse valor, princípio fundador de qualquer sociedade decente, não pode ver a sua prossecução ser confiada ao mercado, antes tem que constituir uma das funções principais do Estado democrático.

Era nisto que acreditava e por isto se bateu toda a vida Jorge Leite, um Homem bom e generoso, que, de forma coerente, sempre esteve ao lado dos mais desfavorecidos, cumprindo de forma exemplar esse tal dever de solidariedade e de luta pela justiça social. Se a sua partida deste mundo nos deixou a todos, seus amigos, mais pobres, e naturalmente tristes, reconforta-nos o seu legado inestimável de humanidade e coerência e a gratidão por termos podido conviver e partilhar ideais, convicções e combates por um mundo melhor com este ser humano excepcional.

Lisboa, 1 de Setembro de 2019

* José João Abrantes – Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade NOVA de Lisboa; Vice-Presidente da Associação Portuguesa de Direito do Trabalho – APODIT; Membro da European Labour Law Network – ELLN

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