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Estações públicas são mais importantes em tempos de dificuldades
Caro Primeiro-Ministro,
Em nome de toda a comunidade de estações europeias de serviço público, exortamo-lo seriamente a pôr de lado os planos para passar a RTP para mãos privadas.
Embora compreendamos a necessidade de poupar no orçamento, as estações públicas são mais importantes do que nunca em tempos de dificuldades nacionais. Não se deveria transformar a RTP num bode expiatório. Confiar a interesses comerciais a gestão de um património nacional valioso – um passo sem precedentes em qualquer parte do mundo – poria em perigo a reputação conquistada pela RTP desde 1974. Interesses comerciais e públicos seriam misturados e o pluralismo seria posto em perigo. Os cidadãos poderiam perder para sempre um ponto de referência fiável.
O Tratado Europeu assinado em Lisboa há cinco anos continha o chamado Protocolo de Amesterdão, que reconhecia o serviço público de rádio e televisão como um elemento distintivo do acquis communautaire da União Europeia. E há apenas dois anos o Parlamento Europeu confirmou que o “sistema dual” – de estações públicas ao lado de operadores comerciais – é a base do pluralismo nos media em toda a União Europeia. É o próprio ambiente dos media que é posto em perigo pelo cenário que alegadamente [o seu Governo] está a ponderar.
A UER, da qual a RTP é um membro apreciado, representa e reúne todas as estações de serviço público na Europa e para além dela – da BBC à RTVE, da ARD à RAI, da YLE finlandesa à RTR russa. Toda a nossa comunidade está alarmada com os desenvolvimentos registados em Portugal. Como presidente e diretora-geral da organização, instamo-lo a manter a RTP como estação dirigida por profissionais e guiando-se por considerações de interesse público e não de interesse comercial.
Na Assembleia Geral da UER de Estrasburgo no começo deste ano, a RTP estava entre os nossos membros de 56 países, que unanimemente adotaram uma declaração sob o título “Dando poder à sociedade”. Este documento-chave identifica seis valores essenciais que distinguem o serviço público dos media comerciais. Só os media de serviço público defendem os valores de universalidade, independência, excelência, diversidade, responsabilidade e inovação. Só os media de serviço público se empenham em fomentar uma cultura nacional num meio crescentemente global, caracterizado por concentração da propriedade e por conteúdos homogéneos. Só os media de serviço público combaterão a digital divide.
Por estas razões, as estações de serviço público não podem ser privatizadas como companhias de eletricidade ou como cantinas. O carácter e os valores da RTP não podem ser postos em risco por se colocar a organização em mãos comerciais.
Isto não implica afirmar que a RTP possa ser gerida de forma menos eficiente do que uma companhia privada. Naturalmente, todos os fundos públicos devem ser gastos com o maior cuidado. Mas sublinhamos que o financiamento total da RTP – da publicidade à indemnização compensatória e a uma das taxas audiovisuais mais baixas da Europa – já está bem abaixo da media europeia em proporção com o rendimento nacional. E julgamos saber que o atual conselho de administração da RTP apresentou um plano de economias radicais para cortar o (já muito reduzido) orçamento anual em mais 55 milhões de euros, para apenas 180 milhões por ano, tal como exigido pelo seu Governo.
Neste contexto, tendo presente que a Constituição portuguesa reconhece as estações de o serviço público como garantes da democracia, a UER oferece o seu conhecimento dos media europeus de serviço público para fornecer aconselhamento, apoio e experiência necessários para que a RTP seja preservada como verdadeira estação pública em moldes europeus.
Estamos dispostos a viajar para Lisboa em breve para discutir consigo e com os responsáveis portugueses esta questão altamente sensível antes que seja demasiado tarde, e esperamos receber notícias suas.
Com os melhores cumprimentos
Jean-Paul Philippot, Presidente da UER
Ingrid Deltenre, Directora-geral da UER
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