"A crise de Wall Street equivale à queda do Muro de Berlim"

28 de setembro 2008 - 0:00
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Para o prémio Nobel de Economia de 2001, a crise financeira que atingiu Wall Street e os mercados financeiros de todo o mundo equivale, para o fundamentalismo de mercado, ao que foi a queda do Muro de Berlim para o comunismo. "Ela diz ao mundo que esse modelo não funciona. Esse momento assinala que as declarações do mercado financeiro em defesa da liberalização eram falsas", diz Stiglitz.



Entrevista a Joseph Stiglitz, publicada na Carta Maior  



Entrevista conduzida poe Nathan Gardels, do jornal El País



Joseph Stiglitz, prémio Nobel de Economia em 2001, sustenta que a crise de Wall Street evidencia que o modelo de fundamentalismo de mercado não funciona. Para ele, a crise que sacudiu Wall Street é para esse modelo o equivalente ao que foi a queda do Muro de Berlim para o comunismo. Stiglitz critica a complexidade dos produtos financeiros que provocaram a crise e os incentivos ao risco dos sistemas de recompensa dos executivos.



Barack Obama afirma que o naufrágio de Wall Street é a maior crise financeira desde a Grande Depressão. John McCain diz que a economia está ameaçada, mas é basicamente forte. Qual deles têm razão?



Stiglitz - Obama está muito mais próximo da verdade. Sim, os Estados Unidos tem talentos, grandes universidades e um bom sector de alta tecnologia. Mas os mercados financeiros desempenham um papel muito importante, sendo responsáveis nos últimos anos por cerca de 30% dos lucros empresariais. Os executivos dos mercados financeiros obtiveram esses lucros com o argumento de que estavam a ajudar a gerir o risco e a garantir maior eficácia ao capital. Por isso, diziam, mereciam rendimentos tão altos. Ficou demonstrado que isso não é certo. A gestão que eles executaram foi muito má. Agora, o tiro saiu pela culatra e o resto da economia pagará porque as trocas comerciais cairão devido à redução do crédito. Nenhuma economia moderna pode funcionar bem sem um sector financeiro vibrante.



Assim, o diagnóstico de Obama, quando diz que o nosso sector financeiro está em estado deplorável, é correcto. E se está num estado deplorável, isso significa que a nossa economia está num estado deplorável. Ainda que não levássemos em conta a comoção financeira, mas só a dívida doméstica, nacional e federal, isso já bastaria para ver a seriedade do problema. Estamos a afogar-nos. Se observarmos a desigualdade, que é a maior desde a Grande Depressão, o problema é sério. Se observarmos o estancamento dos salários, o problema é sério. A maior parte do crescimento económico dos últimos cinco anos baseava-se numa bolha do sector imobiliário, que agora estoirou. E os frutos desse crescimento não foram repartidos amplamente. Em resumo, os fundamentos não são bons.



Qual deveria ser, na sua opinião, a resposta política ao afundamento de Wall Street?



Stiglitz - Está claro que necessitamos não só voltar a regular, mas também redesenhar o sistema regulador. Durante o seu reinado como chefe da Reserva Federal, no qual surgiu essa bolha hipotecária e financeira, Alan Greenspan tinha muitos instrumentos ao seu alcance para travá-la, mas não conseguiu fazer isso.



Afinal de contas, Ronald Reagan escolheu-o pela sua atitude contrária à regulação. Ele substituiu Paul Volcker na Reserva Federal, conhecido por manter a inflacção sob controle. O governo Reagan não acreditava que ele fosse um "liberalizador" adequado. Por conseguinte, o nosso país sofreu os efeitos de escolher como regulador supremo da economia alguém que não acreditava na regulação. De modo que, para corrigir o problema, a primeira coisa que precisamos é de líderes políticos e responsáveis que acreditem no papel da regulação. Além disso, precisamos estabelecer um sistema novo, capaz de suportar a expansão das finanças e dos instrumentos financeiros de um modo melhor que os bancos tradicionais.



Precisamos, por exemplo, regulamentar os incentivos. Eles têm que ser pagos baseando-se nos resultados de vários anos, e não no de apenas um, porque este último modelo fomenta as apostas. As opções de compra de ações fomentam a adulteração da contabilidade e é preciso travar essa prática. Em resumo, oferecemos incentivos para que se alimentasse um mau comportamento no sistema.



Além de freios, precisamos de faixas de controle. Historicamente, todas as crises têm estado associadas a uma expansão muito rápida de determinados tipos de activos. Se conseguimos travar esse processo, podemos impedir que as bolhas cresçam de modo descontrolado. O mundo não desapareceria se as hipotecas crescessem 10% e não 25% anualmente. Conhecemos tão bem o patrão que deveríamos fazer algo para dominá-lo. Precisamos ainda de uma comissão de segurança para os produtos financeiros, assim como temos no caso dos produtos de consumo. O sector financeiro estava a inventar produtos que não geriam o risco, mas que o produziam.



Certamente, acredito na necessidade de uma maior transparência. No entanto, desde o ponto de vista dos critérios reguladores, esses produtos eram transparentes num sentido técnico. Mas eram tão complexos que ninguém os entendia. Mesmo que fossem tornadas públicas todas as cláusulas destes contratos, elas não trariam a nenhum mortal alguma informação útil sobre o seu risco. Muita informação equivale a nenhuma informação. Neste sentido, aqueles que pedem mais revelações como solução para o problema não entendem a informação. Se alguém compra um produto, necessita de uma informação simples e básica: qual é o risco. Essa é a questão.



Os activos hipotecários que provocaram o caos estão em mãos de bancos ou fundos soberanos da China, Japão, Europa e países do Golfo. Como essa crise os afectará?



Stiglitz - É certo. As perdas das instituições financeiras europeias com as hipotecas subprime foram maiores do que as verificadas nos Estados Unidos. O facto de os EUA terem diversificado esses activos hipotecários por todo o mundo, graças à globalização dos mercados, suavizou o impacto interno. Se não tivéssemos disseminado o risco por todo o mundo, a crise seria muito pior. Uma coisa que agora se entende, a conseqüência dessa crise, é a informação assimétrica da globalização. Na Europa, por exemplo, não se sabia muito bem que as hipotecas norte-americanas são hipotecas sem lastro: se o valor da casa baixa mais que o da hipoteca, pode-se devolver a chave ao banco e ir embora. Na Europa, a casa serve de garantia, mas o tomador do empréstimo segue endividado, aconteça o que aconteça. Este é um dos perigos da globalização: o conhecimento é local, sabe-se muito mais sobre sua própria sociedade do que sobre as outras.



Qual é então, em última análise, o impacto do naufrágio de Wall Street na globalização regida pelo mercado?



Stiglitz - O programa da globalização esteve estreitamente ligado aos fundamentalistas do mercado: a ideologia dos mercados livres e da liberalização financeira. Nesta crise, observamos que as instituições mais baseadas no mercado vieram abaixo e correram a pedir a ajuda do Estado. Toda gente dirá agora que estamos perante o final do fundamentalismo de mercado. Neste sentido, a crise de Wall Street é para o fundamentalismo de mercado o que a queda do Muro de Berlim foi para o comunismo: ela diz ao mundo que este modo de organização económica é insustentável. Em resumo, dizem todos, esse modelo não funciona. Este momento assinala que as declarações do mercado financeiro em defesa da liberalização eram falsas.



A hipocrisia entre o modo pelo qual o Tesouro dos EUA, o FMI e o Banco Mundial manejaram a crise asiática de 1997 e o modo como procedem agora acentuou essa reação intelectual. Agora os asiáticos dizem: "Um momento, para nós, vocês disseram que deveríamos imitar o modelo dos Estados Unidos. Se tivéssemos seguido o vosso exemplo, agora estaríamos nesta mesma desordem. Vocês, talvez, se possam permitir a isso. Nós, não".



Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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