O hashtag tem estado presente um pouco por todo o lado na última semana, entre publicações nas redes sociais a notícias de jornal. Mas #BlackLivesMatter não é apenas um hashtag ou um movimento digital, é um movimento criado por três mulheres negras que surgiu na internet e ocupou as ruas.
Tudo terá começado em 2012 aquando da revolta face ao assassinato de Trayvon Martin. Trayvon era um rapaz negro de 17 anos morto enquanto visitava familiares num condomínio fechado onde estes residiam. George Zimmerman, o homicida, vivia no mesmo condomínio e era coordenador de um grupo informal que vigiava a zona residencial. Trayvon, que não estava armado, terá sido mandado parar por Zimmerman e, após uma altercação, baleado.
A revolta gerada pela morte do jovem e o julgamento e subsequente libertação de Zimmerman, em 2013, fizeram com que Alicia Garza, Patrisse Cullors e Opal Tometi, três mulheres negras, sindicalistas e ativistas comunitárias, dessem origem a um movimento que poucos anos depois alastraria não apenas a vários estados americanos, mas também ao Canadá, Reino Unido, Nova Zelândia e Austrália.
Alicia Garza escreveu um post no Facebook dirigido a todas as pessoas negras, terminando-o com a frase “Our Lives Matter, Black Lives Matter” (“As Nossas Vidas Importam, As Vidas Negras Importam”). Entre os comentários, Patrisse Cullors escreveu “#BlackLivesMatter”, o primeiro registo do uso do hashtag. Ainda no mesmo ano era criada a plataforma online Black Lives Matter Network.
Porém, foi em 2014, com as mortes de Eric Garner, em Nova Iorque, e Michael Brown, no Missouri, que o movimento começou a ganhar maior dimensão e atenção mediática. Os assassinatos dos jovens com poucos dias de intervalo deram origem a uma onda de manifestações e confrontos com a polícia um pouco por toda a América, mas sobretudo em Ferguson, com manifestantes vindos de vários pontos do país.
“Darnell Moore e Patrisse Cullors organizaram uma marcha no fim de semana do Labour Day. Chamámos-lhe a Black Life Matters Ride. Em 15 dias, desenvolvemos um plano de ação para irmos para os territórios ocupados apoiar os nossos irmãos e irmãs (…) Estabelecemos dois compromissos: apoiar a equipa no terreno em St. Louis e regressar a casa e trabalhar a partir daí. Vemos Ferguson não como um momento isolado, mas como um claro ponto de referência para o que está a acontecer às comunidades negras em toda a parte”, lê-se no site oficial do movimento.
Ao regressarem às suas cidades, muitos decidiram continuar a organizar-se localmente com pautas antirracistas, convertendo um movimento definido no espaço e no tempo numa organização de âmbito nacional.
Enquanto estrutura, a Black Lives Matter privilegia a organização local em detrimento da coordenação de âmbito nacional e hierárquica. Qualquer grupo de pessoas que queira organizar uma secção local da Black Lives Matter tem apenas de subscrever uma carta de princípios fundadores.
“Os movimentos de libertação negra neste país criaram espaço e liderança sobretudo para homens negros heterossexuais e cisgénero - deixando as mulheres, pessoas queer e trans e outras ou fora do movimento ou no trabalho de bastidores que faz a luta avançar com pouco ou nenhum reconhecimento. Enquanto rede, reconhecemos sempre a necessidade de centralizar a liderança das mulheres e pessoas queer e trans”, num claro distanciamento dos movimentos nacionalistas negros e dos líderes cristãos que marcaram a história do movimento dos direitos das pessoas negras nos EUA. Contudo, embora faça críticas explícitas a um historial político muito marcado por uma presença masculina, heterossexual e religiosa, o movimento não estabelece críticas claras ao sistema capitalista ou à social democracia dos anteriores líderes do movimento pelos direitos das pessoas negras e que historicamente sempre se posicionaram junto das elites do Partido Democrata.
E se inicialmente o foco da Black Lives Matter começou por ser a violência policial contra pessoas negras, rapidamente se tornou num movimento que denunciava o racismo sistémico do país e as condições sociais, económicas e políticas que tornam a população negra uma das populações mais marginalizadas nos EUA.
Atualmente, entre as suas iniciativas, organizam a #WhatMatters2020, uma campanha que procura mobilizar as pessoas negras a votar nas eleições dos EUA e a responsabilizar os candidatos pelas suas ações e políticas diretamente relacionadas com injustiça racial, violência policial, reforma do sistema penal, imigração negra, injustiça económica, direitos LGBTQIA+ e humanos, injustiça ambiental, acesso aos cuidados de saúde, acesso a ensino de qualidade e acesso e direito ao voto.
O movimento tem também gerado muitas reações negativas e críticas. Numa tentativa de desvalorizar a mensagem do movimento, o termo All Lives Matter (Todas as Vidas Importam) tornou-se popular entre setores sociais abertamente conservadores e racistas, bem como entre pessoas menos informadas sobre os objetivos do movimento antiracista. Igualmente popular é o hashtag #BlueLivesMatter (Vidas Azuis Importam, numa referência à cor das fardas da polícia dos EUA) como reação a disparos que atingiram dois polícias nas manifestações de Ferguson em 2014.
Atualmente, o movimento está bastante ativo na organização de protestos em várias cidades do país em homenagem a George Floyd e reivindicando a condenação de Derek Chauvin, o polícia que o sufocou com o joelho.
“Há muita pressão a aumentar neste momento, e eu espero que o nosso governo decida fazer o correto”, disse recentemente Opal Tometi à revista New Yorker. “Isto que estamos a ver nas ruas é apenas o início”, concluiu a co-fundadora do movimento.
Porém, o Presidente dos EUA não parece estar disposto a ceder às reivindicações do movimento e dos manifestantes. Pelo contrário, Donald Trump, a par de outros políticos de direita, tem tentado colar o movimento aos motins das últimas semanas, afirmando que este está a ser instrumentalizado por forças de extrema esquerda.