Não consigo respirar. Estas foram as últimas palavras de George Floyd, um homem negro americano de 46 anos, que foi torturado e assassinado por um polícia branco, no dia 25 de maio.
As palavras de George Floyd, as mesmas que em 2014 foram ditas por Eric Garner, também ele uma vítima mortal da brutalidade policial, ressoam com uma crueza e violência perturbadoras. Mas são também uma metáfora poderosa para compreender os efeitos do racismo estrutural e institucional que asfixia e oprime a vida e os sonhos das pessoas negras.
Este homicídio insere-se numa cultura de violência e desumanização das pessoas negras que se alicerça no preconceito e discriminação racial. Estes processos foram histórica e socialmente construídos e remontam à exploração capitalista de pessoas escravizadas.
A herança escravocrata continua viva e ativa na sociedade americana
A herança escravocrata continua viva e ativa na sociedade americana. As pessoas negras continuam a enfrentar obstáculos ao exercício pleno da sua cidadania e a ser desproporcionalmente afetadas por múltiplas formas de violência, desigualdade e exclusão social.
A violência policial é inegavelmente uma das dimensões mais expressivas e letais do racismo na sociedade americana. É um legado da escravatura, dos linchamentos, da segregação racial. Os corpos negros continuam a ser percecionados como subalternos, inferiores, primitivos, perigosos. Sujeitos à violência discricionária, supremacista e colonial. Quando assistimos à morte de uma pessoa negra, o que nos é revelado é o projeto de dominação dos corpos negros e da perpetuação da sua exploração, um instrumento primordial de afirmação do capitalismo.
A morte de George Floyd engrossa a longa lista de pessoas negras assassinadas pela polícia nos Estados Unidos. Os dados da organização Mapping Police Violence revelam que naquele país as pessoas negras têm três vezes mais probabilidade de serem mortas pela polícia do que as pessoas brancas.
Quando a indignação por este caso esmorecer, não pode esmorecer com ela a luta contra o racismo e pela transformação das estruturas, instituições e processos que o suportam
Os milhares de pessoas que se têm mobilizado em manifestações em inúmeras cidades nos Estados Unidos reivindicam justiça para George Floyd e igualdade de direitos. Combatem a política da “lei e ordem” defendida e implementada por Trump e por muitos dos seus antecessores, eufemismo para a repressão e o encarceramento em massa de que a comunidade negra tem sido o alvo preferencial. Exigem justiça racial, clamando que “as vidas negras importam”, as vidas das pessoas sobre os ombros das quais se construiu a riqueza e prosperidade da sociedade que historicamente os exclui e marginaliza.
É essencial que esta enorme vaga de indignação e mobilização por justiça se traduza em mudanças reais e profundas, tão profundas como as causas do racismo que esteve na origem deste e de tantos outros crimes. Quando a indignação por este caso esmorecer, não pode esmorecer com ela a luta contra o racismo e pela transformação das estruturas, instituições e processos que o suportam. Esta tem de ser uma luta quotidiana, porque o racismo acontece todos os dias, nos Estados Unidos, como aqui. Só quando vencermos esta luta é que conseguiremos respirar.