Roger Waters apela a boicote dos artistas a Israel

22 de agosto 2013 - 15:01

Roger Waters, fundador da mítica banda Pink Floyd, escreveu várias cartas aos mais ilustres nomes da música rock a pedir que se juntem a ele no boicote ao Estado de Israel, pelas políticas de apartheid a que sujeita o povo palestiniano. O esquerda.net publica as suas cartas na íntegra.

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"Por favor juntem-se a mim e a todos os nossos irmãos e irmãs na sociedade civil global para proclamar a rejeição do apartheid em Israel e na Palestina ocupada", Roger Waters.

18 de agosto de 2013, Varsóvia, aos meus Colegas do Rock and Roll

Nigel Kennedy o virtuoso violinista e violetista britânico, nos recentes Concertos Promenade no Albert Hall em Londres, disse que Israel é apartheid.

Nada de anormal nisso poder-se-ia pensar e, então uma Baronesa Deech, (Nee Fraenkel) contestou o facto de que Israel é um estado de apartheid e ganhou ascendência sobre a BBC no sentido de censurar a atuação de Kennedy removendo as suas declarações. A Baronesa Deech não mostrou uma só ponta de provas que apoiassem sua alegação e contudo a BBC, supostamente não política, atuando unicamente com base nos dizeres da Baronesa Deech, de repente armou-se toda em 198411 connosco. Bom!!!! Hora de pôr a cabeça de fora da janela, ao lado do meu irmão Nigel Kennedy, que é o sítio dela. E a propósito, Nigel, grande respeito por ti man. Então aqui vai uma carta re-elaborada pela última vez em julho.

25 de julho de 2013 para os meus Colegas do Rock and Roll.

Na sequência da trágica morte a tiro dum jovem desarmado, Trayvon Martin, e da absolvição do seu assassino Zimmerman, Stevie Wonder falou ontem numa gig declarando que não irá atuar no estado da Florida até aquele estado revogar a lei "Stand your ground". Com efeito ele declarou um boicote por questões de consciência. Eu aplaudo a sua posição e estou com ele, fez-me lembrar uma declaração que fiz numa carta que escrevi em 14 de fevereiro passado, que referi mas nunca publiquei.

Chegou o momento e portanto aqui está.

Esta carta esteve em lume brando no calor do fundo da minha consciência e conscientização por algum tempo.

Faz sete anos que entrei para o Boycott, Divestment and Sanctions2 um movimento não violento de oposição à ocupação da Cisjordânia por Israel e às violações do direito internacional e dos direitos humanos dos palestinianos. O objetivo do BDS é atrair a atenção internacional para estas políticas israelitas e ajudar a que, esperemos, cheguem ao fim. Todos os povos da região merecem mais.

Indo direto ao assunto, Israel foi considerado culpado, de forma independente, por organizações internacionais de direitos humanos, por agentes da ONU e pelo Tribunal Internacional de Justiça, de graves violações do direito internacional. Estas incluem, e vou citar apenas duas:

1. O Crime de Apartheid: A opressão sistemática de um grupo étnico por outro. A 9 de março de 2012, por exemplo, a Comissão da ONU para a eliminação da Discriminação Racial apelou a Israel para acabar com as políticas e leis racistas que violam a proibição de segregação racial e de apartheid.

2. O Crime de Limpeza Étnica: A remoção pela força de povos indígenas das terras que são suas por direito para assentar uma população com fins de ocupação. Por exemplo, em Jerusalém Oriental as famílias que não sejam judias são, por rotina, despejadas fisicamente de suas casas para darem o lugar a ocupantes judeus.

Há outras.

Dada a incapacidade ou falta de vontade dos nossos governos ou do Conselho de segurança das Nações Unidas para exercer pressão sobre Israel para cessar tais violações e prestar compensações às vítimas, cabe à sociedade civil e a cidadãos conscientes do mundo desempoeirar a consciência, assumir responsabilidades e agir. Escrevo-vos agora, meus irmãos e irmãs da família do Rock and Roll, para vos pedir que se juntem a mim e milhares de outros artistas à volta do mundo, para declararmos um boicote cultural a Israel, para lançarmos luz sobre esses problemas e também para oferecermos apoio a todos os irmãos e irmãs da Palestina e de Israel que estão a lutar para acabar com todas as formas de opressão israelita e que desejam viver com paz, justiça, igualdade e liberdade.

Escrevo-vos agora por causa de dois eventos recentes. 

1) Stevie Wonder. Chegou-me aos ouvidos que, na primeira semana de dezembro passado, Stevie Wonder estava agendado para servir de manchete num jantar de gala dos Amigos das Força de Defesa Israelitas em Los Angeles, em 6 de dezembro de 2012. Um evento para angariar dinheiro para as forças armadas israelitas, como se os $4.300.000.000 que nós, contribuintes dos EUA, lhes damos todos os anos não fossem suficientes! Isto aconteceu logo a seguir às forças armadas israelitas terem concluído mais outra guerra em Gaza (Operação Pilar de Defesa) e de acordo com a Human Rights Watch cometerem crimes de guerra contra os 1,6 milhões palestinianos aí cercados. 

De qualquer forma, eu escrevi ao Stevie para tentar persuadi-lo a cancelar. A minha carta era nestes termos: "Sentir-te-ias bem ao atuar no baile da polícia em Joanesburgo na noite depois do massacre de Sharpeville em 1960 ou em Birmingham, Alabama, para angariar dinheiro para os agentes das Forças Policiais que cacetearam, atiraram gás e jatos de água aos miúdos que se tentavam integrar em 1963?" O Arcebispo Desmond Tutu escreveu também um apaixonado apelo ao Stevie e outros 3000 adicionaram os seus nomes a uma petição da change.org. Stevie, para seu grande mérito, cancelou!



2) No princípio dessa semana fiz um discurso nas Nações Unidas. Se estiver interessado você pode encontrar este discurso no you tube. A parte interessante dessas duas histórias é que não houve UMA SÓ menção a qualquer das histórias nos meios de comunicação prevalecentes nos Estados Unidos.

A inferência clara seria que os meios de comunicação nos EUA não se interessam com a situação aflitiva do povo palestiniano, ou já agora, com a situação aflitiva do povo israelita. Nós podemos somente ter esperança que eles acabem por se interessar como o fizeram com a política do apartheid África do Sul.

Nos tempos do apartheid Sul-Africano, a princípio foi um gotejar de artistas que se recusou a jogar lá, gotas que exerceram boicote cultural até que se ele tornaram uma corrente, depois um rio, depois uma torrente e um alagamento. (Lembram-se de Steve van Zant, Bruce e de todos mais? "Não vamos jogar em Sun City?") Porquê? Porque, tal como a ONU e o Tribunal Internacional de Justiça, entenderam que o apartheid é errado.

A comunidade desportiva juntou-se à batalha, ninguém queria jogar críquete ou râguebi na África do Sul e por fim a comunidade política juntou-se também. Todos nós como uma comunidade global, musical, desportiva e política erguemos a nossas vozes como uma só pessoa e o regime do apartheid na África do Sul caiu.

Talvez estejamos agora num ponto de inflexão com Israel e a Palestina. Estes são ambos bons povos e merecem uma solução justa para a sua situação aflitiva. Todas e cada uma dessas pessoas merece a liberdade, a justiça e a igualdade de direitos. Muito recentemente, o ANC, o partido do governo da África do Sul, deu o seu apoio ao BDS. Estamos quase lá.

Por favor juntem-se a mim e a todos os nossos irmãos e irmãs na sociedade civil global para proclamar a rejeição do apartheid em Israel e na Palestina ocupada, comprometendo-se a não atuar nem exibir em Israel, nem aceitar nenhum prémio ou financiamento de qualquer instituição ligada ao governo de Israel, até ao momento em que Israel esteja em conformidade com o direito internacional e os princípios universais dos direitos humanos.

Roger Waters

 


Tradução de Paula Sequeiros para o esquerda.net

1. referência à censura ditatorial na obra de ficção “1984” de George Orwell

2. Boicotes, Desinvestimento e Sanções