Tem havido uma escalada dramática no conflito fronteiriço de longa data entre a Tailândia e o Camboja. A 23 de julho, cinco soldados tailandeses de uma unidade de patrulha fronteiriça na província de Ubon Ratchathani ficaram gravemente feridos após pisarem numa mina terrestre – o segundo incidente desse tipo numa semana.
Isso levou o governo tailandês a expulsar o embaixador do Camboja do país e a chamar de volta o seu próprio embaixador do Camboja. Na manhã seguinte, o Camboja retaliou expulsando o embaixador tailandês e chamando de volta o pessoal da sua embaixada em Banguecoque. Ambos os lados têm trocado fogo cada vez mais letal.
O Camboja tem disparado foguetes e artilharia através da fronteira tailandesa em várias províncias, matando pelo menos 11 civis e um soldado. A Tailândia lançou ataques aéreos contra o Camboja em retaliação, supostamente visando bases militares na área disputada em torno do templo hindu Preah Vihear. Atualmente, há pouca informação verificada, pois ambos os lados se culpam mutuamente pelo início do conflito.
O atual conflito começou no final de maio, quando um soldado cambojano foi morto num tiroteio entre os dois exércitos. Mas as raízes do conflito remontam à era colonial, no século XIX e início do século XX.
O atual conflito começou no final de maio, quando um soldado cambojano foi morto num tiroteio entre os dois exércitos. Mas as raízes do conflito remontam à era colonial, no século XIX e início do século XX.
Antes de as potências europeias expandirem os seus interesses coloniais para o sudeste asiático, o conceito de um Estado-nação com fronteiras era estranho aos governantes locais. A vida no sudeste asiático pré-colonial era organizada em sistemas políticos pouco estruturados, sem fronteiras claras.
Existiam várias cidades grandes, que serviam como importantes centros de poder e comércio, e muitas cidades e vilas mais pequenas que mantinham relações com essas cidades. Quanto mais afastadas estas cidades e vilas estavam das cidades, menos controlo e influência as cidades tinham sobre elas.
Os britânicos e os franceses introduziram o conceito de nações com fronteiras no Sudeste Asiático continental, desenhando os primeiros mapas oficiais da Tailândia (então conhecida por Sião) e do Camboja. No caso da Tailândia, a única nação do Sudeste Asiático que nunca foi formalmente colonizada, o mapeamento foi também feito a pedido dos reis siameses.
As atuais fronteiras da Tailândia foram moldadas por diferentes mapas e tratados que se seguiram ao incidente de Paknam de 1893, durante o qual duas canhoneiras francesas navegaram pelo rio Chao Praya e bloquearam Banguecoque.
Para preservar a sua soberania enquanto nação emergente, Sião cedeu consideráveis reivindicações territoriais à França após este incidente. Isto incluía várias províncias no atual Camboja, que albergam templos antigos.
Um mapa de 1907 desenhado pelos franceses definiu estes territórios, embora com um grau de imprecisão considerável. O mapa tornou-se um ponto sensível nas relações entre o Camboja e a Tailândia após a independência do Camboja em 1953, especialmente no que diz respeito às disputas sobre o templo de Preah Vihear.
O templo Preah Vihear
Após a retirada da França do Sudeste Asiático, em 1954, a Tailândia ocupou Preah Vihear. O Camboja levantou a questão da ocupação tailandesa junto do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), que decidiu em 1962 que o templo pertencia ao Camboja com base no mapa francês. A Tailândia aceitou a decisão relutantemente, mas continuou a disputar a área em redor do templo.
O conflito ressurgiu em 2008, quando a Unesco, o organismo responsável pelo património mundial da ONU, concedeu ao templo o estatuto de património mundial. O pedido do Camboja recebeu inicialmente apoio do então novo governo tailandês do primeiro-ministro Samak Sundaravej, um aliado próximo do recentemente deposto Thaksin Shinawatra.
Os grupos anti-Thaksin usaram o apoio do governo para impulsionar uma campanha ultranacionalista contra o governo de Samak. Isto acabou por contribuir para protestos políticos internos de grande escala que fizeram com que o governo de Samak e o do seu sucessor, Somchai Wongsawat, fossem afastados do poder em 2008 numa série de golpes judiciais.
O período de 2008 a 2011 foi marcado por elevadas tensões entre os dois países, com confrontos armados esporádicos entre os seus respetivos exércitos nas zonas em redor do templo.
O recém-nomeado governo tailandês de Abhisit Vejjajiva simpatizava com os grupos ultranacionalistas anti-Thaksin. Portanto, não houve redução da tensão no conflito por parte do lado tailandês. Hun Sen, que era então primeiro-ministro do Camboja, também beneficiou do conflito, uma vez que este ajudou a reforçar as suas credenciais nacionalistas.
Mas uma ronda particularmente violenta de confrontos armados ocorreu em Fevereiro de 2011, resultando em pelo menos oito mortes de civis, 20 soldados feridos e muitos civis deslocados de ambos os lados. Hun Sen levantou então a questão da soberania cambojana sobre o templo e a sua área circundante junto do TIJ.
O TIJ emitiu uma decisão provisória que favoreceu o Camboja e ordenou que ambos os lados retirassem os militares da área. Apesar da recusa inicial das tropas tailandesas em sair, os dois países concordaram em retirar as suas forças em Dezembro de 2011.
A decisão final do TIJ foi tomada no final de 2013, reafirmando a soberania do Camboja na área. Coincidiu com outro período de instabilidade política interna na Tailândia. O governo de Yingluck Shinawatra, a irmã mais nova de Thaksin, enfrentava protestos públicos em massa de grupos anti-Thaksin.
Embora a decisão não tenha desempenhado um papel decisivo na eventual queda do seu governo, acrescentou combustível ao já explosivo ambiente político. O conflito na fronteira ficou praticamente inativo após a decisão do TIJ de 2013, até que uma nova onda de confrontos eclodiu em maio de 2025.
Dado o historial de tensões e disputas armadas por território entre o Camboja e a Tailândia, a recente escalada não é inédita. A novidade, porém, é que esta ronda envolve tanto dois países como duas famílias governantes.
Nos últimos 20 anos, formou-se uma relação pessoal próxima entre Hun Sen e Thaksin. Mas esta relação desfez-se quando Hun Sen, que continua a ser uma figura extremamente influente na política cambojana, divulgou uma gravação áudio privada da sua ligação à filha de Thaksin, Paetongtarn. A fuga de informação colocou o seu mandato como primeira-ministra em risco.
Paetongtarn foi suspensa do cargo enquanto aguarda uma decisão judicial, com as relações entre o Camboja e a Tailândia a atingirem novos baixos. Dada a mistura de animosidades pessoais, uma resolução diplomática rápida para o conflito crescente parece improvável.
Petra Alderman é gestora do Centro Saw Swee Hock sobre o Sudeste Asiático da London School of Economics and Political Science.
Texto publicado originalmente no The Conversation.