Paquistão está a deportar perto de dois milhões de refugiados afegãos

03 de novembro 2023 - 12:24

As organizações humanitárias no terreno denunciam o caos e o desespero em que chegam as pessoas que foram forçadas a deixar tudo para trás.

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Refugiados afegãos expulsos do Paquistão. Foto de EPA/STRINGER.
Refugiados afegãos expulsos do Paquistão. Foto de EPA/STRINGER.

O governo do Paquistão tinha emitido um ultimato para que os afegãos ilegais saíssem do país. Muitos são refugiados que fugiram da tomada do poder pelos talibãs. De acordo com as autoridades paquistanesas, seriam 1,7 milhões de pessoas e deveriam sair até ao passado dia 1 de novembro ou seriam expulsos à força. A decisão foi justificada ligando a presença dos refugiados a atentados que sucederam depois dos talibãs terem chegado ao poder no país vizinho.

De acordo com as Nações Unidas, 60.000 pessoas foram saindo ao longo de mês, o Paquistão alega que terão sido 200.000. Para os outros, construiram-se três “centros de detenção” na província de Khyber Pakhtunkhwa nas proximidades da fronteira, para serem um “ponto de passagem” e “quando os responsáveis da fronteira tiverem lugar, serão enviados para serem expulsos", ameaçou o porta-voz do governo, Feroz Jamal, no início da semana.

A partir do fim do prazo, o executivo paquistanês cumpriu a promessa e começou a prender e deportar os refugiados. O ministro do Interior, Sarfraz Bugti, avança: “temos os dados sobre quem está ilegalmente no Paquistão. Estamos a ir porta a porta”, acrescentando que serão transportados para a fronteira e que serão vigiados para garantir que não regressam.

A expulsão atinge tanto os afegãos que fugiram dos talibãs, como outros que já viviam no Paquistão mas que não tinham documentos. É o caso de Gul Mohammed, de 50 anos, que vive há muito no país e aí criou família. Ao Guardian, disse que não sabia o que fazer depois de expulso: “vou ver o que posso fazer para sobreviver no Afeganistão”. É igualmente o caso de Mir Agha, de 23 anos, que nasceu já no Paquistão e que afirma que tinha um cartão de refugiado passado pelas Nações Unidas mas que foi destruído pela polícia aquando da detenção. Para ele, “o Paquistão é agora casa, não o Afeganistão. E seremos refugiados lá”, lamentou, mostrando-se também preocupado sobre como sobreviverá a partir daqui.

Para além disto, as autoridades estão a ser acusadas de assédio, fazer rusgas constantes e de prender até quem está legalizado.

A situação levanta preocupações internacionais. Ravina Shamdasani, porta-voz do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, exigiu a suspensão da expulsão para “evitar uma catástrofe em matéria de direitos humanos”. A ONU avisa que as deportações forçadas terão consequências ainda mais pesadas para quem é mais vulnerável sob o regime talibã, como mulheres, minorias e pessoas mais expostas como ativistas e jornalistas.

Para além disso, três organizações internacionais que trabalham no terreno, o Conselho Norueguês para os Refugiados, o Conselho Dinamarquês para os Refugiados e o Comité Internacional de Salvamento, denunciam as condições “terríveis” em que estão a chegar estas pessoas ao Afeganistão.

Numa declaração conjunta, escrevem que “muitos suportaram viagens árduas que duram vários dias, expostos às intempéries e muitas vezes forçados a deixar para trás os seus bens em troca de transporte”.

A deportação massiva somará mais uma crise humanitária àquela que já se vive no Afeganistão atualmente. Fala-se em “cenas caóticas e desesperadas”. Neil Turner, do CNR, vinca que as organizações humanitárias têm “recursos e infraestrutura frágil” que já foi “esmagada” por esta vaga de chegadas. Já Zia Mayar, do CDR, sublinha que estas pessoas “não têm casa ou terra onde voltar”, apelando por isso à ajuda da comunidade internacional.