O sionismo e a origem do conflito israelo-palestiniano

21 de outubro 2023 - 19:18

O conflito surge do projeto político, nacionalista e intrinsecamente colonial chamado sionismo. A criação unilateral do Estado de Israel em 1948 resultou na transformação violenta do território e na expulsão de mais de metade da população palestina no que é cada vez mais visto como uma limpeza étnica. Por Mar Gijón Mendigutía.

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Refugiados palestinianos. Foto de https://www.palestineremembered.com/.
Refugiados palestinianos. Foto de https://www.palestineremembered.com/.

A origem do chamado conflito Palestina-Israel tem suas raízes históricas no que aconteceu no final do século XIX naquele território. As suas causas tem origem na religião, mas na colonização realizada pelo movimento sionista. O sionismo é tanto uma doutrina quanto um projeto político, nacionalista e intrinsecamente colonial.

O sionismo, os acordos secretos Sykes-Picot e a Declaração Balfour

Desde 1896, o termo sionismo tem sido aplicado ao movimento político fundado por Theodor Herzl, um jornalista judeu nascido no Império Austro-Húngaro. Embora esse movimento não se tenha baseado originalmente na religião, ele usou esse fator como meio para reivindicar a criação de um Estado judeu.

Quando Herzl escreveu Der Judenstaat (O Estado Judeu), a Palestina não era a sua prioridade. Ele já tinha avaliado a possibilidade de criar a nova nação noutros lugares, como a Argentina, o Uganda, o Chipre, o Quénia, Moçambique, a Península do Sinai ou o Congo.

No final, escolheu a Palestina por causa da “poderosa lenda (religiosa)” a seu favor, apesar do facto de ele e outros líderes sionistas que o apoiavam afirmarem ser ateus ou “não crentes”. O movimento sionista evoluiu para um projeto colonial desde o início, reconhecido pelos seus próprios líderes, com o objetivo de se apropriar gradualmente do território através de colónias e buscar o apoio, primeiro do Império Otomano e depois dos britânicos, entre os quais havia simpatizantes importantes, como o banqueiro Lionel Walter Rothschild.

Por outro lado, no contexto da Primeira Guerra Mundial, a França e a Grã-Bretanha precisavam do apoio dos árabes para derrotar os otomanos, por isso usaram a seu favor o desejo de independência no contexto do grande despertar árabe que prevaleceu no Oriente Próximo e Médio.

No entanto, as promessas feitas nesse sentido desde o início pelas duas potências já estavam viciadas. Ao mesmo tempo que faziam propostas de independência aos árabes, estes dois países estavam a dividir os territórios do império derrubado em diferentes áreas.

Os planos reais tinham sido elaborados ao longo dos anos com os acordos secretos Sykes-Picot em 1916 e foram revelados pelos bolcheviques após a queda do czar. O inglês Sir Mark Sykes e o francês George Picot dividiram a região em duas zonas sob a sua influência, na forma de “mandatos”. Como resultado, a “Grande Síria” dividir-se-ia, com a França a ficar com a Síria e o Líbano, e a Grã-Bretanha com a Transjordânia (atual Jordânia), o Iraque e a Palestina.

Esta situação foi exacerbada no caso da Palestina porque, além de iniciar a colonização britânica, os britânicos comprometeram-se formalmente como apoiantes do movimento sionista, através da Declaração Balfour de 1917, a construir “um lar nacional judeu na Palestina”, o que incentivou a colonização sionista da Palestina histórica que já tinha começado no final do século XIX.

Da mesma forma, a própria idiossincrasia do sionismo como movimento colonial aplicou – e continua a aplicar até hoje – o modelo de “colonização branca”. Ou seja, um modelo que substitui a população indígena em todas as suas formas por uma população de colonos emigrantes. Este conceito está intrinsecamente relacionado à “transferência” de população, um eufemismo para expulsão, que estará presente em todos os planos elaborados pela liderança sionista e apresentados em diferentes órgãos internacionais e posteriormente executados por suas forças militares.

O Mandato Britânico e a Partilha da Palestina

Assim, os britânicos assumiram o controle da Palestina em 1917, embora isso só tenha sido oficializado em 1920. Este facto fez com que a população palestina sofresse várias crises em protesto contra o colonialismo britânico e o seu apoio à migração sionista agressiva e contínua.

Os exemplos incluem o levantamento de al-Buraq de 1929, os tumultos de 1933, a grande revolta árabe (al-Zawra al-kubra) de 1936-39 e, finalmente, a destruição da maior parte da Palestina histórica em 1948.

Consequentemente, entre 1946 e 1947, os britânicos decidiram passar o problema da Palestina para as Nações Unidas. Por um lado, devido às exigências sionistas apoiadas na época pelos EUA e ao problema do crescente terrorismo judaico na Palestina que começou a atingi-los também. Por outro lado, por causa da crescente pressão árabe exigindo os seus direitos e o cumprimento das promessas feitas.

Em 29 de novembro de 1947, uma Organização das Nações Unidas pouco experiente, criada em 1945, votou formalmente pela divisão da Palestina através da Resolução 181, que permitiu que o território fosse dividido em dois Estados – um judeu e outro árabe.

Desta forma, a ONU ignorou a origem da população do país, concedendo 55% do território ao Estado judeu, apesar do facto de que a população continuava a ser maioritariamente árabe (muçulmanos e cristãos) e a população judaica possuir menos de 6% das terras.

Ambos os grupos rejeitaram a proposta. Os judeus porque queriam mais território sem a população árabe e os árabes porque se recusavam a dividir a terra com uma comunidade de colonos que queria desarraigá-la.

A criação de Israel e a Nakba

Por fim, a criação unilateral do Estado de Israel em maio de 1948, como o ápice da colonização, resultou na transformação violenta do território e na expulsão de mais de metade da população palestina. A maioria tornou-se refugiada, no que é cada vez mais visto pelos investigadores como uma limpeza étnica.

Entre 750.000 e 800.000 pessoas de diferentes religiões – muçulmanos e cristãos – e posições sociais foram expulsas das suas casas e terras no que é chamado em árabe de al-Nakba (a catástrofe, o desastre). Os seus bens pessoais e coletivos foram expropriados ou destruídos.

Da mesma forma, as aldeias, as vilas e os bairros das cidades em que habitavam foram, dependendo do interesse, demolidos ou esvaziados dos seus proprietários e reabitados pelos colonos que chegavam.

A partir de então, a sociedade palestina seria para sempre desintegrada em três grupos distintos: os que foram expulsos para os países árabes vizinhos ou para outros lugares; os que permaneceram no recém-criado Estado de Israel (não considerados refugiados); e os que foram para o que restou da Palestina histórica na Cisjordânia, Gaza e Jerusalém. Nenhum deles teve permissão para retornar aos seus lares originais até hoje.


Mar Gijón Mendigutía é investigadora de pós-doutoramento na Universidade do País Basco.

Texto publicado no The Conversation. Editado para português de Portugal.