“A grande vaga de micro e nano-plásticos está a chegar”

27 de janeiro 2024 - 10:15

A poluição plástica está em todo o lado, na nossa água, nos nossos alimentos, nas nossas casas e nos nossos corpos. “Nenhum ser vivo possui as ferramentas biológicas para digerir este plástico”, alerta a investigadora Nathalie Gontard” nesta entrevista a Sophie Chapelle. Mas há alternativas.

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Plástico. Foto publicada pelo Basta!

Sophie Chapelle: Quando pensamos em poluição plástica, pensamos nos mares de plástico conhecidos como o "sétimo continente". Porque é que o perigo está mais no plástico que não conseguimos ver?

Nathalie Gontard: O perigo é muitas vezes equiparado a resíduos de plástico suficientemente grandes para serem vistos. As suas consequências não são negligenciáveis – em quantidade, secam o solo e sufocam as espécies que os ingerem. Mas o plástico torna-se verdadeiramente perigoso quando deixa de ser visível, ou seja, quando se fragmenta em micro e nano-plásticos. Isto multiplica as suas propriedades de interação e de dano. Tem a capacidade de transformar e absorver moléculas essencialmente hidrofóbicas, ou seja, todos os poluentes (pesticidas, etc.) presentes no ambiente.

Os micro e nano-plásticos podem transportar estas moléculas – por água, ar e terra – e introduzir-se em todos os órgãos dos seres vivos, atravessando as barreiras biológicas. Encontramo-los assimilados no pâncreas dos camarões, no nosso sangue, nos nossos pulmões, no nosso fígado… em todo o lado!

Ora, nenhum ser vivo possui as ferramentas biológicas para digerir este plástico e decompô-lo completamente. O resultado é uma acumulação de corpos estranhos que conduz a disfunções biológicas e metabólicas.

 

Esta vaga de micro e nano-plástico vem aí?

Desde os anos 1950, acumulámos na Terra nove mil milhões de toneladas de plástico, parte do qual já se degradou em micro e nanoplásticos, mas a grande maioria está ainda em processo de degradação, nomeadamente nos nossos aterros sanitários, mas não só.

Porque não são apenas os plásticos de utilização única que constituem um problema mas também aqueles que são utilizados durante muito tempo, em construções ou no vestuário, por exemplo. A partir do momento em que são produzidos, os plásticos começam a desgastar-se, a degradar-se e a produzir micro e nanoplásticos nocivos. Os microplásticos do Lago de Léman, em Genebra [50 toneladas acumuladas todos os anos, nota do editor] provêm de roupas de fibras sintéticas que ainda estão a ser usadas e que são libertadas quando são lavadas.

Os microplásticos nas profundezas do gelo do Ártico provêm do desgaste dos edifícios isolados com plástico e ainda em utilização. Os microplásticos no ar provêm principalmente do desgaste dos pneus e das estradas que utilizamos atualmente. A poluição plástica é sobretudo aquela que não se vê e que é emitida durante a utilização.

A grande vaga de micro e nanoplásticos está a chegar. Estamos a falar de uma “bomba-relógio”. Quando se produz 1 kg de plástico hoje, as gerações futuras terão de lidar com todos os micro e nanoplásticos que daí resultarão.

 

Em que medida o plástico invadiu o setor da agricultura e da alimentação?

De todos os plásticos que utilizamos, 40% são utilizados no fabrico, transporte e embalagem dos nossos alimentos, na agricultura e na indústria alimentar. Neste setor, os plásticos são por vezes utilizados durante períodos de tempo muito curtos, com uma espécie de excesso na sua utilização. Acabámos por comer alimentos embrulhados em plástico quando não temos absolutamente nenhuma necessidade deles! Um dos objetivos da lei anti-resíduos para uma economia circular (em vigor desde 2022) seria precisamente eliminar todas estas embalagens desnecessárias, nomeadamente as embalagens de plástico para frutas e legumes frescos. Mas os lóbies da indústria estão a tentar atrasar a implementação destas medidas.

 

Como encaras as películas plásticas ditas biodegradáveis que foram desenvolvidas desde 2000, nomeadamente para as culturas hortícolas e para o milho?

Na agricultura, como em todos os outros domínios, estão a ser desenvolvidas novas tecnologias com um grande reforço de plástico. Por exemplo, os plásticos são aplicados no solo para reduzir a utilização de pesticidas ou a rega e as culturas são feitas em estufas para aumentar a produtividade. São apresentadas como tecnologias para a transição ecológica. Isto é verdade na medida em que reduzem a nossa pegada de carbono.

Por outro lado, aumentam a nossa pegada de plástico – ou seja, a sua capacidade de persistir durante milhares de anos sob a forma de micro e nanoplásticos. A pegada de plástico não é tida em conta nas análises do ciclo de vida. Desta forma, algumas estratégias baseiam-se inteiramente na reciclagem, apesar de a reciclagem do plástico não existir! [1]

 

O plástico pode ser biodegradável?

Alguns plásticos foram desenvolvidos para serem biodegradáveis. Infelizmente, uma parte deles foram desenvolvidos com base no PLA (ácido poliláctico) e não são biodegradáveis em condições naturais: não apresentam assim qualquer interesse em comparação com os plásticos convencionais.

Existem materiais biodegradáveis genuínos de substituição das fibras de plástico só que a sua produção e propriedades apenas substituirão uma parte ínfima dos plásticos que utilizamos. Isso até nem é mau porque três quartos dos plásticos que utilizamos não são úteis!

Na grande maioria dos casos, podemos fazer as coisas de forma diferente e aprender a passar sem eles. Em vez de concentrarmos a nossa atenção nos plásticos e materiais de substituição, ou nos processos de reciclagem – que é o que eu faço no meu laboratório – a nossa prioridade enquanto sociedade deveria ser reduzir o nosso consumo e, por conseguinte, falar sobre essa redução!

 

Coordenaste o projeto “No-Agro Waste” (não ao lixo agro-alimentar) entre a Europa e a China. Em que ponto se está?

Parecia-nos incontornável trabalhar sobre a poluição por plásticos envolvendo um dos maiores produtores mundiais. Este projeto prossegue através do “Agri-Loop”. O trabalho está a ser desenvolvido no conjunto da fileira, com uma abordagem sistémica de substituição dos produtos petrolíferos. Procura-se valorizar os resíduos agrícolas que não são utilizados para consumo humano ou animal, transformando-os com a ajuda de processos biológicos.

A ideia é substituir os plásticos atualmente utilizados na produção agrícola e na transformação de alimentos (embalagem). Por exemplo, desenvolvemos bandejas que podem substituir as de polipropileno ou PET (politereftalato de etileno) para embalar vários alimentos (húmidos ou secos). O nosso principal objetivo não é produzir plásticos de origem biológica mas sim plásticos que sejam biodegradáveis em condições naturais. Esta é a garantia que o material se comportará como qualquer outro material orgânico: que reintegrará o ciclo biológico do carbono orgânico e, por conseguinte, não se acumulará durante séculos no nosso ambiente, como acontece com o plástico.

Estamos também a trabalhar na utilização da quantidade certa, revendo as práticas dos vários agentes económicos (agricultores ou industrias) para lhes permitir limitar realmente a sua utilização de materiais plásticos ao mínimo estritamente necessário.

A partir do momento em que um plástico, mesmo biodegradável, é inútil, não faz sentido utilizá-lo. Cada um deve ter a consciência de que a produção de plástico continua a aumentar. Os industriais continuam a investir em complexos petroquímicos monstruosos. É preciso reduzir a nossa pegada de plástico e, para isso, temos de reduzir o nosso consumo.


Nathalie Gontard é diretora de Investigação do Instituto Nacional de Investigação Agrária, Alimentar e Ambiental (INRAE). Autora de Plastique, le grand emballement (Stock, 2020), o seu trabalho centra-se na substituição dos produtos petrolíferos na indústria alimentar. Entrevista conduzida por Sophie Chapelle.

Esta entrevista foi retirada de Campagnes solidaires, a revista mensal da Confédération paysanne, que publicou uma reportagem especial em dezembro de 2023 sobre o tema: “Agricultura: sair da era do plástico”. Republicada no Basta!.