Começou esta segunda-feira, em Nice, a terceira conferência da ONU sobre os Oceanos. Até 13 de junho, a cidade verá desfilar nos palanques perto de uma centena de chefes de Estado e de governo que jurarão o seu empenho na proteção dos mares. A eles se juntarão cientistas, organizações não governamentais e muitas empresas na discussão sobre “acelerar a ação e mobilizar todos os intervenientes para conservar e utilizar o oceano de forma sustentável”.
Para além das presenças, a notícia é também a ausência esperada do governo dos Estados Unidos, o país com maior domínio marítimo, depois do presidente Trump ter autorizado a extração mineira em águas internacionais no Pacífico.
Na parte substancial do encontro procurar-se-á avançar no acordo sobre um tratado internacional para a proteção da biodiversidade em alto mar, um tratado sobre poluição plástica, e na regulamentação da sobrepesca e da pesca ilegal, para além de dois documentos que coroarão o encontro, o “Plano de Ação para os Oceanos de Nice” e a “Declaração de Nice para a Ação no Oceano” a adotar por consenso. Nenhum deles tem caráter vinculativo.
Esta conferência acontece numa altura em que as canículas marinhas, a acidificação dos mares, a poluição plástica, a perda de biodiversidade e ainda a sobrepesca se intensificam. Os oceanos cobrem 70% da superfície planetária, sequestram 30% do CO2 emitido pelos seres humanos e produzem metade das necessidades humanas em oxigénio.
Sara Labrousse, investigadora em Ecologia Marinha no Instituto Pierre-Simon-Laplace, explica ao Mediapart que “dois terços da biomassa de peixes predadores desapareceram em 130 anos e mais de um terço de todos os mamíferos marinhos estão atualmente ameaçados. Estima-se também que cerca de metade dos recifes de coral já foram destruídos desde a década de 1950”.
Ao mesmo órgão de comunicação social, Camille Richon, oceanógrafa e biogeoquímica marinha especialista em poluição plástica no Laboratório de Ciências do Ambiente Marinho de Brest, sublinha que “o plástico está absolutamente em todo o lado nos oceanos, nas costas, na superfície nos fundos marinhos e até nos seres vivos. Estima-se que 90% dos pássaros marinhos já ingeriram plástico. E os microplásticos podem levar a disfuncionamentos metabólicos, da reprodução, até do comportamento”. O problema não pára de aumentar porque o equivalente a um camião basculante cheio de plástico é despejado no oceano a cada minuto. Ela acrescenta que “a quantidade de plástico nos oceanos duplica a cada vinte anos e está bastante correlacionada com a produção. A única solução objetiva para esta poluição é fechar a torneira. É preciso deixar de produzir plástico e não falar em reciclagem ou economia circular, como alguns Estados estão a propor.”
Para além das declarações de intenções vazias, dos tratados não vinculativos e das ações mais limitadas do que seria preciso, os especialistas temem que a conferência se possa tornar em mais uma grande ação pública de greenwashing em vários temas. Tal é o caso do problema do transporte marítimo que representa 3% das emissões globais de gases com efeito de estufa. A CMA CGM, a terceira maior empresa de transporte marítimo do mundo, é uma das patrocinadoras do evento e faz propaganda ambiental por ter mudado para o consumo de gás natural liquefeito, um combustível fóssil que continua a ser prejudicial para o planeta.
“Fundo do mar não pode tornar-se num faroeste”
O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, abriu a Conferência indo ao encontro de várias das preocupações expressas pelos especialistas e ambientalistas. Na sessão avisou que “o fundo do mar não pode tornar-se num “faroeste”, apelando a que se substitua a “pilhagem pela proteção”.
Sobre biodiversidade alertou que “os ‘stocks’ de peixe estão em colapso”, defendendo uma ação global urgente porque “sem um oceano saudável, não pode haver um planeta saudável”.