A Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra tem o projeto de construir uma marina no estuário do Sado na zona em que atualmente está a Doca do Clube Naval Setubalense na zona central da cidade de Setúbal. O processo de consulta pública decorreu entre julho e agosto passado e do relatório divulgado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo pode-se concluir que a maior parte das participações são contra.
Das 108 participações registadas, 63%, ou seja 68 discordaram do projeto. Apenas 21 manifestaram concordância. Há ainda uma reclamação, doze sugestões, uma proposta alternativa e cinco considerações gerais. Entre as participações, seis são instituições como a Câmara Municipal de Setúbal, o Bloco de Esquerda local, o Clube da Arrábida, a Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão, a Ocean Alive e a Sadogelo. As restantes de cidadãos.
O documento começa por sintetizar as razões das concordâncias e discordâncias. Do lado de quem pretende que se avance, apresentam-se argumentos económicos como ser uma “forma de melhorar a cidade, fomentar os negócios locais e a economia da cidade”, desenvolver a “economia marinha e turística de Setúbal”, poder “ancorar investimento qualificado”. Há quem defenda ainda que irá “promover a prática da vela como desporto ecológico e social” e quem alegue que a falta de oferta atual “reflete-se em preços muito altos” e não aproveita os “milhares de embarcações de recreio” que passam “ ao largo da Baía anualmente”.
A lista de contras apresentados é muito mais extensa ocupando diversas páginas. Passa pelo facto da “localização e a dimensão excessiva do projeto” não promoverem “uma maior relação entre a cidade e o rio”; pela preocupação sobre o acesso dos cidadãos à beira-rio; pelo “excesso de turismo” e pela “apropriação do espaço da atividade piscatória, contribuindo para o seu declínio e desvalorização”.
Há ainda quem mencione problemas ambientais como um “impacto ambiental enorme e negativo” na Natureza, com as dragagens permanentes para os cruzeiros a terem “consequências decerto para a vida marinha e para a pesca em geral”; o “elevado tráfego marítimo”; os “impactes sobre a comunidade de roazes”; a “perturbação”dos habitats e de outras espécies; o facto do projeto não ter em conta os cenários climáticos do Plano Local de Adaptação às Alterações Climáticas e do Plano Municipal de Ação Climática, nomeadamente a questão das inundações.
Outros sublinham a localização na zona de dois edifícios classificados ou a “desproporcionalidade da implementação de um edifício de 15 andares face à volumetria de edifícios existentes”, um hotel.
Várias das sugestões vão no mesmo sentido pretendendo-se “a revisão da volumetria do hotel previsto” ou da “questão da pressão sobre os golfinhos”. E é igualmente sobre alguns destes tema que versa a reclamação apresentada face à “falta de avaliação do impacto ao nível social, o rompimento da ligação entre a cidade e o mar, a construção de um edifício com 15 pisos na frente ribeirinha, a construção de unidade hoteleira no interior do Baluarte, monumento classificado – falta de avaliação do impacto ambiental, as dragagens necessárias e destrutivas para a vida marinha-total desapego com a história cultural e social de Setúbal e os impactos vários no património terrestre e aquático”.
No parecer da Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão, cabe igualmente a crítica a este hotel: “a altura projetada para esse imóvel, 15 pisos, cria uma barreira permanente entre a cidade e o rio, não respeitando o perfil urbano ideal, escalonado da serra [da Arrábida] para a baía (clube das mais belas baías do mundo), não assegurando a democratização do direito à fruição da paisagem e estabelecendo um corte abrupto e definitivo com a escala do centro histórico, suas referências culturais e urbanas no perfil da imagem da cidade”, vindo à baila também os dois edifícios classificados.
Bloco de Esquerda de Setúbal repudia projeto
O Bloco de Esquerda de Setúbal participou também na consulta pública através de um parecer assinado pelo deputado municipal Vítor Rosa, apresentando vários pontos de “repúdio”.
Questiona-se o facto de implicar bloquear “por completo a relação da população e da própria cidade com o seu rio em toda esta extensão” e ser “um projeto que tem como público-alvo exclusivo uma camada da sociedade com poder de compra acima do cidadão comum.”
Em segundo lugar, o projeto da marina “deixa em aberto” a questão dos “planos de construção para a zona envolvente – entre a Beira Mar e a Avenida Luísa Todi, nomeadamente no que toca a habitação/alojamento”. A estrutura concelhia do partido considera isto “um sinal de alarme”, uma vez que, em casos idênticos, tem existido “uma discriminação e segregação social do espaço”.
Além disso, “nada existe pensado para investimentos na cultura, na ciência, apoio à inovação e ao conhecimento”, apenas serviços e comércio, “sinónimos de emprego precário e mal pago”.
Teme-se que a marina “com as suas portas e cancelas” e “eventuais prédios de apartamentos de luxo segregadores dos não residentes” inviabilizem o passeio marítimo, “para além de constituírem uma afronta a uma política de sustentabilidade, preservação e segurança desta zona costeira ameaçada pela previsível subida do nível da água do mar”.
Assim, “em vez de fechar mais o acesso e livre circulação da população junto ao rio com tal marina megalómana”, defende-se a requalificação os equipamentos já existentes, nomeadamente a doca do Clube Naval Setubalense e as suas instalações desportivas.