Comportamento político de militares

por

Antônio Carlos Will Ludwig

13 de julho 2024 - 16:04
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Em todo o mundo não faltam exemplos da intervenção dos militares na vida política dos países. Isso mostra a dificuldade em gerir o movimento de politização no âmbito dos quartéis e de conseguir implementar o necessário controlo das Forças Armadas com vista a tornar os fardados idóneos defensores da democracia.

exército brasileiro
Foto: Cb Estevam/CComSEx - Exército brasileiro/Flickr

Um relatório do Pew Research Center publicado em 2018, pertinente ao envolvimento de pessoas na política, abrange catorze países situados na África, América Latina, Europa, Médio Oriente e Sudeste Asiático, com quase quinze mil participantes, apresentou o retrato dos principais padrões transnacionais relativos às condutas políticas manifestadas pelos respectivos cidadãos desses recantos do mundo.

Os seus autores asseveram que indivíduos politicamente engajados tendem a se apresentar com um relevante sinal da democracia saudável. Dizem que altos níveis de participação política aumentam a probabilidade de que as vozes dos cidadãos comuns sejam levadas em conta em importantes debates além de conferir um certo grau de legitimidade às instituições democráticas. Porém alertam que grande parte dos habitantes desses locais se mostra alheada da política.

A pesquisa expõe ainda algumas inferências significativas. Aponta que além do voto, relativamente poucas pessoas se incluem em outras formas de participação política. Revela que alguns tipos de envolvimento são mais comuns entre jovens, aqueles com mais escolaridade, os defensores do ideário da esquerda e utilizadores de redes sociais. E certos assuntos tais como saúde, pobreza e educação são mais propensos do que outros a inspirar ações políticas.

Embora a amostra da investigação talvez possa ter incluído alguns militares, não se encontrou um estudo semelhante sobre o engajamento deles na área da política. Entretanto é possível identificar as suas condutas nesta área consultando-se outras fontes informativas. Com base nelas torna-se viável afirmar a existência de pelo menos sete modalidades de condutas relacionadas ao governo de um país, quais sejam, oficiais, cidadãs, poder moderador, partido militar, decisões unilaterais, golpes de Estado modernos e golpes de Estado pós-modernos.

Os comportamentos oficiais estão previstos na Constituição e em outras leis. Como não poderia deixar de ser, cada país prevê as ações a serem executadas por seus militares. Em Portugal, por exemplo, eles realizam ações humanitárias internas e participam de missões internacionais mantenedoras da paz. Na Alemanha protegem as fronteiras nacionais, combatem rebeldes militarmente armados e em situações de emergência controlam o tráfego urbano. No Brasil concretizam ações cívico sociais e efetuam operações de garantia da lei e da ordem. Frequentemente se dirigem ao Parlamento, aos Ministérios, ao Primeiro Ministro ou Presidente para tratar de assuntos relacionados à perenidade das instituições bélicas. A atividade principal de todos é o combate em campos de batalha. Tais condutas, entre outras, mostram de maneira cristalina que os servidores de uniforme são totalmente submissos à política e atendem rigorosamente a objetivos políticos.

As condutas cidadãs são aquelas concretizadas no espaço cívico. Votar e ser votado são os mais comuns. Em relação ao ato de votar nota-se que nos países democráticos os fardados possuem o mesmo direito que os civis. Também são outorgados a eles um atendimento diferenciado devido as peculiaridades de seu mister.  No Canadá, por exemplo, eles podem votar nos quartéis ou depositar seu voto no correio mais próximo.

Quanto a se apresentarem como candidatos verifica-se que nas nações regidas pela democracia eles também possuem o mesmo direito que os paisanos. Entretanto vigora uma regra válida em todas elas, qual seja, os mesmos não podem exercer as funções políticas e militares simultaneamente porque a ocupação castrense exige dedicação integral. Excluso essas duas normas constata-se uma variabilidade de situações.   

Nos Estados Unidos os militares podem se candidatar mesmo estando na ativa, porém precisam observar certas determinações. O caso de um integrante de agrupamento de forças especiais é ilustrativo. Ao disputar uma vaga de parlamentar pelo Tennessee em 2018 não pode arrecadar doações financeiras, solicitar votos e assinar documentos político-partidários. Em 2022 cerca de setenta e nove fardados da reserva conquistaram cadeiras na Câmara e no Senado. Eles possuem duas vantagens em relação aos concorrentes, quais sejam, o elevado prestígio desfrutado pelas Forças Armadas e a crença vigente de que os reservistas são mais qualificados para o exercício da política.

No Brasil, se contarem com menos de dez anos de serviço precisam dele se afastar por meio de demissão ou licenciamento. Ao se desligarem deverão estar filiados ao partido político pelo qual concorrem. Atualmente várias dezenas deles se encontram presentes no Congresso. No Reino Unido os inativos podem se tornar candidatos. E neste ano de 2024 cerca de catorze ex-militares estão a candidatar-se às eleições gerais pelo Partido Trabalhista no âmbito de um esforço para reforçar as credenciais deste partido na área da segurança nacional, um tema prioritário da comunidade europeia. No Canadá o grupo de fardados integrantes da Força de Reserva, os quais servem nas organizações castrenses em regime de período parcial podem concorrer às eleições, porém são proibidos de se anunciarem como candidatos, fazerem discursos políticos e participarem de atividades partidárias. Atualmente vários deputados listam algum serviço militar no decorrer de suas vidas.         

Na Indonésia os fardados da ativa podem se candidatar e fazer campanha, entretanto, eles têm que renunciar aos seus cargos trinta dias antes da apuração dos votos. Desde 2015 a quantidade deles no Parlamento vem aumentando e neste ano de 2024 espera-se que chegue a mais de cinquenta. Agregue-se a este conjunto de eventos os inúmeros desaquartelados que já foram presidentes da República, governadores de Estados e prefeitos municipais em vários rincões do planeta. Ressalte-se que desde o século passado até o atual contam-se os seguintes números de chefes de Estado: Europa 38, África 98, Américas 126 e Ásia 47.

E já emergiram muitas outras reações no espaço cívico. Em 2016 soldados da Macedónia do Norte ameaçaram a realização de uma greve geral contra a política remuneratória em vigor.  No ano passado cerca de duzentos oficiais, sargentos e praças portugueses vestidos à paisana, compareceram ao Terreiro do Paço em frente ao Ministério das Finanças para acusar o governo de falta de vontade para negociar o pagamento de horas extras trabalhadas e criticar as diferenças salariais entre os que entram e os que já se encontram nas fileiras. Na Alemanha a possibilidade de demissão sumária de soldados voluntários após quatro anos de trabalho foi refutada pelos fardados que a considerarem ilegítima. E em 2020 um soldado veio a público denunciar o que denominou de cultura tóxica de aceitação e de cultura do medo em referência ao comportamento de colegas da extrema direita, coletivamente ignoradas e toleradas.

Outrossim, na França em 2021 um grupo de fardados divulgou nos meios de comunicação um texto que acusou o governo de ser incapaz de enfrentar o avanço do islamismo, da imigração e da violência interna. No Paquistão os militares, desde há muito tempo, interferem no processo eleitoral de tal forma que conseguem garantir que só os candidatos favoráveis a seus interesses conquistam vitória nas eleições. Nos Estados Unidos dirigentes do Pentágono passaram a defender políticas e programas do Partido Democrata, em especial aqueles relacionados à diversidade, equidade e inclusão ao lado de um plano que inclui a obrigatoriedade de que todos os veículos militares não táticos sejam livres de emissões que afetem o clima, apesar da maioria dos oficiais se identificar e endossar abertamente o Partido Republicano. E aproximadamente metade dos fardados costuma asseverar em público que o país deve continuar apoiando a Ucrânia na guerra contra a Rússia. Em Israel no mês de julho do ano passado milhares de uniformizados reformados e ativos se dirigiram ao Parlamento em Jerusalém para se juntarem ao protesto popular de oposição à reforma judicial promovida pelo governo e bradaram um grito de guerra contra a gestão ditatorial de Netanyahu.

Quanto ao poder moderador cabe dizer que foi concebido pelo pensador político francês Benjamin Constant que o apresentou de modo sobreposto aos poderes executivo, legislativo e judiciário com vistas a exercer um papel mediador e de equilíbrio entre eles. Nosso país o instituiu no Império através da Constituição de 1824. Portugal o adotou em 1826 pela Carta Constitucional deste ano. Sem dúvida, tal proposta se apresenta como uma inadmissível afronta ao regime democrático haja vista que invalida o insubstituível sistema de freios e contrapesos que rege o funcionamento deles.

Militares de alguns países julgaram possuir o direito de exercê-lo e este exercício se revelou como extremamente constrangedor ao livre e revigorante avanço da democracia. No Brasil os servidores de uniforme foram acertadamente acusados de o utilizarem algumas vezes. O exemplo típico de tal uso ocorreu no ano de 1961. Em tal data o então presidente Jânio Quadros apresentou sua renúncia. Na ausência do vice, João Goulart, que se encontrava na China, o deputado Ranieri Mazzilli assumiu o cargo, embora uma junta militar mantinha de facto as rédeas do poder. E esta junta enviou uma mensagem ao Congresso nacional a qual dizia que pela segurança nacional Goulart não devia retornar e nem assumir a função presidencial. Os parlamentares confirmaram a sua posse, porém atenderam a exigência dos fardados quanto à institucionalização do regime parlamentarista com a indicação de Tancredo Neves para a presidência do Conselho de Ministros.

Na Turquia, os servidores de uniforme já se comportaram de modo semelhante aos brasileiros no transcorrer do século passado até o inicio do atual. Vale lembrar que este comportamento tem a ver com a firme conceção assumida por eles em relação ao país. Acreditam que são os verdadeiros fundadores da República Turca, os inquestionáveis guardiões do Estado, os genuínos garantes do secularismo e da unidade nacional e os legítimos defensores da nação contra os políticos briguentos, incompetentes e destituídos dos princípios éticos norteadores da vida política. Baseados nessas ideias controlaram o dinamismo político por meio do Conselho de Segurança Nacional, dos Tribunais de Segurança do Estado, dos múltiplos departamentos, grupos e centros pertencentes ao Estado Maior das Forças Armadas e através de contundentes discursos proferidos por generais sobre questões de política interna e externa. Em obediência a esta conceção, no ano de 1971, com a renúncia de Süleyman Demirel do cargo de primeiro ministro os aquartelados não assumiram o poder, concordaram com a manutenção e funcionamento do Parlamento, porém sustentaram e controlaram um governo e um gabinete ministerial de cunho tecnocrático até as eleições de 1973.

Pertinente à conduta dos militares como uma espécie de partido político vale dizer que não é algo incomum. De fato, em alguns países costuma emergir e permanecer no interior das Forças Armadas um centro aglutinador no qual debates são processados para construir um discurso coletivo probante. Normalmente é dirigido por um líder carismático de alta patente que se mostra capaz de fazer com que a tropa apoie uma propositura harmônica aos interesses dos próprios militares e às aspirações de determinados setores da sociedade.

Dois casos notórios merecem ser citados. Um deles ocorreu no Peru durante o governo de Alberto Fujimori na década de noventa do século passado. Após o cumprimento de dois mandatos servidores de uniforme passaram a apoiá-lo explicitamente em sua campanha eleitoral rumo ao terceiro. Grande número de fardados se dedicaram a ensinar os eleitores preencherem a cédula eleitoral a favor dele, bem como distribuíram alimentos, remédios, livros e roupas anteriormente coletados e outros doados por vários países em troca de votos. Viaturas, tais como camiões, autocarros e aviões foram disponibilizadas para uso na campanha, principalmente para a ida em comícios onde acontecia a distribuição de bandeiras e camisetas.

Na Venezuela os militares foram cooptados por Maduro. Fardados dirigem os ministérios mais importantes do país, tais como Defesa, Agricultura e Petróleo que responde por mais de noventa por cento da receita do país. Controlam a produção e a distribuição de alimentos que são muito escassos, além de mineradora, emissora de televisão, banco, fábrica automóvel e construtora. Em decorrência, nas mais diversas oportunidades eles aparecem em público não só para expressar total lealdade e amplo apoio a Maduro e sua forma de governar, mas também para manifestar apadrinhamento à sua continuidade no cargo, mesmo porque sabem que a liberdade e o património que desfrutam dependem de sua manutenção no poder, bem como têm consciência de que uma vitória da oposição poderia acarretar perseguições e perdas de vantagens obtidas. Acrescente-se que no Brasil o partido verde-oliva comandou a campanha de Bolsonaro no interior dos quartéis devido a possível obtenção de benefícios aos aquartelados, à embirração deles para com Lula e ao amplo apoio popular à sua candidatura.

Em se tratando das decisões unilaterais sabe-se que são inúmeras e decorrentes da elevada autonomia desfrutada pelos militares dentro dos respectivos países. Os fardados de Israel se mostram como um modelo irrefutável. Assentados na inatacável crença de que constituem um Exército do povo e integram um Estado Guarnição sentem-se à vontade para tomar vários tipos de decisões, principalmente as relacionadas às Políticas de Defesa e Segurança.  O evento israelita mais antigo ocorrido em 1954 é muito expressivo. O denominado Caso Infeliz ou Caso Lavon emergiu quando a inteligência militar israelita, sob ordens do establishment castrense e de segurança, executou uma série de atos de sabotagem no Egito contra cidadãos egípcios e interesses ocidentais com o objetivo de perturbar as relações do Egito com os Estados ocidentais. Nem Pinhas Lavon, ministro da defesa e nem Moshe Sharett, primeiro ministro, haviam autorizado essas atividades. Também não realizaram um ataque às instalações nucleares do Irão em 2010 solicitada por líderes políticos, e em 2019 impediram Netanyahu declarar a anexação da Cisjordânia, além de interromperem uma grande operação militar em Gaza.

Na Bolívia os militares recusaram a ordem de Morales para reprimir protestos massivos contra supostas fraudes eleitorais nas polémicas eleições de 2019 e, em vez disso, sugeriram que ele renunciasse no melhor interesse do país. No Equador, o caminho para a destituição de Lucio Gutiérrez em 2005 começou com o estímulo a manifestações em massa, que se intensificaram sob a condição de deserção militar. Como resultado, o comando conjunto retirou seu apoio ao governo e se opôs à proclamação do estado de emergência.

Quanto aos alcunhados golpes modernos, sabe-se que ocorreram muitos somente no decorrer do século passado na América Latina, Ásia, África e Europa. São denominados modernos porque emergiram na época da história chamada de modernidade. Neles as destituições ilegais de governantes pelos fardados caracterizaram-se pela retirada expedita deles do poder e colocação de militares para o exercício da gestão do Estado, de forma ditatorial e com permanência por vários anos.  A ocorrência de alianças no âmbito social e a manutenção da coesão nas fileiras castrenses são indispensáveis à prática desses atos golpistas.

Exemplo típico e ilustrativo foi o acontecido no Chile em 1973. Em setembro deste ano o general Augusto Pinochet decretou o fim do governo de Salvador Allende democraticamente eleito pelos chilenos e assumiu o cargo de Presidente da República. O golpe foi desencadeado por uma firme coligação entre Exército, Marinha, Força Aérea e Polícia. Essa superciliosa aliança contou com o sólido apoio da elite financeira local, da nata do empresariado nativo, das grandes corporações alóctones e dos Estados Unidos da América do Norte cujos dirigentes políticos viam Allende como uma ameaça aos interesses regionais devido as decisões tomadas por ele referentes a nacionalizações de empresas estrangeiras e aproximação com regimes socialistas.

No Paquistão, em outubro de 1999, oficiais de alta patente leais ao chefe do Exército, General Pervez Musharraf, prenderam o primeiro-ministro Nawaz Sharif e seus ministros. Musharraf declarou estado de emergência e emitiu uma ordem constitucional provisória. O Supremo Tribunal declarou a legalidade do golpe e concordou com a vigência do governo castrense por um período de três anos. Na Grécia, em 1967, durante a vigência do regime monárquico constitucional liderado pelo rei Constantino, aconteceu a Ditadura dos Coronéis norteada pelo Plano Prometheus que denunciou a instalação de um suposto regime comunista no país. Até 1974 os fardados exerceram o governo sem a presença do parlamento.  Em Uganda, no ano de 1971, o general Idi Amin tomou o poder do presidente Milton Obote o qual segundo os militares estava a conduzir o país para o lado do socialismo, com vista à implementação de várias políticas igualitárias.

É oportuno dizer que parece inadequado enquadrar a denominada Revolução dos Cravos de 1974, executada por militares portugueses de média patente, no rol dos golpes modernos porque não possui as características expostas anteriormente. Ademais, ela se revelou como uma exceção, entre os golpes acontecidos nos países citados e em muitos outros, porquanto objetivou a instauração de um regime democrático. Entretanto, cabe ressaltar que embora tenha sido um movimento a favor da democracia, os servidores de uniforme preferiram, de imediato, entregar o poder a um integrante da caserna, o general Spínola. O ato mais correto e genuinamente democrático seria outorgá-lo a um civil pois expressaria de forma marcante e inequívoca a submissão dos fardados aos paisanos, princípio essencial da democracia.

Em relação aos golpes pós-modernos vale dizer que eles são assim denominados por terem sido postos em prática na suposta era pós-moderna. Os mesmos decorrem de salientes pressões exercidas pelos militares com vista a fazer com que os governantes visados abdiquem dos seus cargos. Os seus lugares não são ocupados por funcionários fardados e sim por outros políticos civis que continuam a dirigir os seus países de acordo com as normas democráticas.

O golpe de Estado pós-moderno, talvez primordial, deu-se na Turquia em fevereiro de 1997. Para expor suas insatisfações com a administração do primeiro ministro Necmettin Erbakan, os militares realizaram um protesto usando um comboio de tanques e blindados em Ancara no dia quatro deste mês. No dia do golpe o Conselho de Segurança Nacional, composto por cinco militares e cinco políticos, emitiu um comunicado sobre a presença de uma séria ameaça islâmica no país. Posteriormente divulgaram um documento exigindo o encerramento das escolas religiosas, o fim das atividades de grupos religiosos e a entrega de todos os cursos religiosos privados ao Estado sob a alegação de sua laicidade constitucional. E mais à frente o almirante Salim Dervisoglo enviou um memorando ao primeiro ministro solicitando a sua renúncia, ocorrida em junho, baseado no argumento do apoio outorgado às políticas religiosas que colocavam em risco o secularismo do país. O seu lugar foi ocupado pelo líder do Partido da Pátria Mesut Yilmaz, nomeado pelo presidente Süleyman Demire.

Na Venezuela, em abril de 2002 ocorreu o afastamento de Hugo Chávez da presidência devido a um crescente sentimento de insatisfação entre militares por causa das alianças feitas por ele com Cuba e grupos paramilitares. O alto comando militar exigiu a sua saída do governo e o presidente da Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio, Pedro Carmona, tornou-se presidente interino.  Outrossim, em 2019 houve a deposição de Evo Morales decorrente de seu empenho no processo de reeleição presidencial, o qual afetou a estabilidade política do país.  O comandante das Forças Armadas, general Williams Kaliman, pediu a Morales a abdicação da presidência da República. Após a sua renúncia, a senadora Jeanine Anez se autoproclamou presidente interina do país. Em Madagascar, no ano de 2009, devido a uma série de protestos populares, o vice-almirante Ramoronson, rodeado por um agrupamento de comandados, afastou o presidente Marc Ravalomana e em seu lugar assentou o ex-prefeito da capital Andry Rajoelina. Na Guiné Bissau, em 2010, por causa de um acordo militar secreto, os fardados removeram o primeiro ministro Carlos Gomes e o presidente Raimundo Pereira. A presidente do Conselho de Ministros Adiatu Nandigna assumiu a chefia do governo. No Brasil aconteceu uma frustrada tentativa de golpe nos primórdios de 2023. Militares no ativo e da reserva ensaiaram impedir a posse de Lula, eleito no ano anterior, e manter Bolsonaro na Presidência da República.

Essas descrições das condutas políticas de servidores de uniforme feitas anteriormente autorizam dizer que militares, de maneira notória e incontestável, se apresentam como indivíduos políticos. São tão ou mais políticos que os civis e os próprios políticos. Essa clara inferência mostra o quanto é imensamente difícil realizar a imprescindível gestão do movimento de politização no âmbito dos quartéis bem como implementar o necessário controlo das Forças Armadas com vistas a tornar os fardados idóneos defensores da democracia e longânimes subordinados aos civis eleitos pelo voto popular.


Antônio Carlos Will Ludwig é Professor Aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutorado em educação pela USP e autor de Democracia e Ensino Militar (Cortez) e A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania (Pontes).