A eurodeputada e antiga coordenadora do Bloco de Esquerda foi entrevistada no sábado à noite na CNN Portugal e fez a sua leitura da derrota eleitoral da esquerda e do Bloco de Esquerda em particular nas últimas eleições legislativas.
Lembrando que a campanha do Bloco centrou-se em propostas concretas como os tetos nas rendas, os direitos para os trabalhadores por turnos e a taxação das fortunas, Catarina Martins reconhece, à luz dos resultados, que “vivemos num momento em que o discurso que põe em causa a estrutura da economia - o discurso anticapitalista - não está no centro das preocupações nem dos debates, seja nas redes sociais ou na comunicação social. A agenda que divide é a que domina, como a questão dos imigrantes que é usada sobre tudo e sobre nada com várias coisas que não correspondem à verdade”.
Por exemplo, “ouço dizer todos os dias que Portugal tem portas escancaradas. Mas Portugal faz parte do espaço Schengen da União Europeia. Mesmo que quisesse, Portugal não podia deixar entrar qualquer pessoa. Isso é uma mentira repetida imensas vezes se que nunca ninguém questiona”. O verdadeiro problema que fica por discutir é o de “uma economia que assenta em salários muito baixos”, na agricultura, no turismo, que afasta dos país os jovens que nascem em Portugal e tiveram acesso a qualificações. Ou seja, “nós ficamos sem mão de obra e pessoas que vivem noutras zonas do planeta onde os salários são piores entram”. Mas em vez de estarmos a discutir esta economia de exploração, “estamos a aceitar uma agenda de extrema-direita em Portugal e no resto do mundo que nos afunda porque não tem nenhuma solução”, prosseguiu, atribuindo responsabilidades não só à extrema-direita, mas também à direita tradicional e até o PS que “a determinada altura acharam por bem questionar as pessoas em vez de questionar o modelo da economia. Eu acho isso errado, mas é um senso comum muito generalizado que o Bloco de Esquerda não conseguiu combater”.
O verdadeiro problema da imigração está “quando não conseguimos incluir na sociedade pessoas que cá trabalham” e são obrigadas a passar dias em filas e esperar anos pelos seus documentos, o que quer dizer “que nem sequer um contrato de arrendamento conseguem assinar porque não têm um papel”. Mas também “quando não somos capazes de garantir que as pessoas podem aprender português” por falta de organização dos serviços públicos.
Catarina respondeu também sobre o impacto da campanha contra o Bloco a propósito da redução do número de funcionários após a queda eleitoral em 2022. “Foi comigo, eu era coordenadora do Bloco de Esquerda e continuei a ser durante mais de um ano durante esse processo”, recordou.
“Esse caso apareceu recentemente para atacar a Mariana Mortágua. E se todos nós devemos reconhecer os erros, eu devo reconhecer o meu: a Mariana quis responder por um caso que reapareceu agora depois de eu já o ter explicado na altura. Devia ter sido eu a falar dele, uma vez que a Mariana não esteve envolvida desse processo. O que eu sei é que o Bloco de Esquerda não só cumpriu a lei como foi além da lei para proteger as pessoas”.
“Prefiro uma derrota eleitoral a defender o fascismo”
Questionada pelo jornalista sobre se o uso de um lenço palestiniano por Mariana Mortágua na noite eleitoral seria um sinal de radicalidade que afasta o eleitorado, Catarina respondeu que “não há nada de radical em dizer que não queremos ver mais bebés em Gaza a morrer à fome” e diz não aceitar “a ideia de que Portugal é um país pequenino que não tem posição nos temas internacionais”.
“É preciso que os países tomem posição e os que não tomarem posição são cúmplices e culpados do que está a acontecer. As repercussões são desastrosas para aquela população, mas também para a própria existência do direito internacional. E sem direito internacional, é a lei da selva”, afirmou.
Legislativas 2025
Bloco dá início a debate interno e quer “novas convergências” em defesa da Constituição
Catarina Martins defendeu também que não há nada de radical em em dizer “que todas as pessoas, independentemente da sua origem e da cor da sua pele, são pessoas e devem ser respeitadas como tal”. E que quando começamos a distinguir as pessoas seja pela sua origem, seja pela cor da sua pele, seja pela religião, “estamos a usar os piores momentos da história. E eu prefiro uma derrota eleitoral a defender o fascismo, em qualquer momento”, concluiu.
Sobre o futuro imediato, a antiga coordenadora do Bloco disse ter ficado “aliviada” com a continuidade de Mariana Mortágua à frente da atual direção e por saber que a seguir às autárquicas “temos uma Convenção em que todos os militantes são chamados a tomar posição e a construir uma nova direção para o Bloco de Esquerda”. Ante a insistência do entrevistador sobre a responsabilização individual pelo mau resultado eleitoral, respondeu que no Bloco de Esquerda “a responsabilidade é coletiva, sempre fizemos isso assim, essa é uma tradição da esquerda e é uma tradição correta”.
“A queda eleitoral não foi da Mariana Mortágua, foi do Bloco de Esquerda, foi de todos nós. A linha de campanha eleitoral foi aprovada por uma direção nacional onde estão 80 dirigentes do Bloco e que têm responsabilidades conjuntas. E que têm agora a responsabilidade de fazer o debate interno sobre o que aconteceu no Bloco, mas também de pensar este momento da esquerda e as responsabilidade do Bloco neste momento”, prosseguiu Catarina Martins, acrescentando que esse debate será complementado por uma auscultação “das pessoas que não sendo do Bloco, são de esquerda e com quem é preciso dialogar neste momento tão importante”.