Carta solidária com Rojava

18 de outubro 2019 - 11:19

Leia aqui a carta aberta assinada por Noam Chomsky, Angela Davis, Boaventura de Sousa Santos, Antonio Negri, José Mário Branco, David Harvey, Francisco Louçã, entre muitos outros.

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Combatentes curdas do YPJ. Foto Kurdishstruggle/Flickr

Face à retirada das tropas norte-americanas na Síria, acordada entre os presidentes Donald Trump (EUA) e Recep Tayyip Erdoğan (Turquia), e perante a invasão militar do Curdistão Sírio (também chamado Rojava) e dos povos livres desse território que esse acordo permite, consideramos necessário e urgente manifestar o seguinte:

1. A comuna de Rojava é o primeiro esforço no Médio Oriente de um projeto político anticapitalista baseado numa confederação democrática; tem como fundamento uma visão alternativa de organização da vida; assenta numa autonomia não estatal, na autodeterminação, na democracia direta e no combate ao patriarcado. A autonomia do Rojava é a utopia de um mundo possível, onde diariamente se constrói a interculturalidade, uma relação diferente e virtuosa entre géneros e o respeito pela mãe-terra. O Rojava mostra-nos que não podemos resignar-nos à barbárie dos dias que correm.

2. O primeiro resultado desta luta pela autonomia foi a contenção do ISIS (Estado Islâmico do Iraque e do Levante) e do seu fundamentalismo. Agora, o referido acordo debilita os esforços das milícias curdas, atentando contra os notáveis sucessos que as YPG (Unidades de Protecção Popular) e as YPJ (Unidades de Defesa das Mulheres) obtiveram até hoje, ao enfrentarem com êxito os ataques terroristas do Estado Islâmico no Sul da Síria, vendo-se obrigadas a proteger e libertar o Norte devido ao redobrado assédio levado a cabo pela Turquia.

3. A guerra contra a autonomia do Rojava, face ao fracasso do Estado sírio, tem sido sistematicamente orquestrada desde há anos; os ataques e invasões territoriais têm sido o pão nosso de cada dia. Com a retirada das forças militares norte-americanas das raias turco-sírias, a ameaça sobe de nível: a hostilidade do Estado turco contra o esforço de construção de um mundo democrático converte-se na possibilidade concreta de um extermínio étnico.

Portanto, nós, subscritores desta carta – académicos, estudantes, activistas, organizações sociais, colectivos, povos organizados e em resistência –, manifestamos a nossa solidariedade com a luta dos povos curdos e do Norte da Síria e gritamos a nossa ira contra esta nova onda de agressão capitalista-patriarcal levada a cabo pelo Estado turco, sob o silêncio e a cumplicidade da União Europeia e de organismos internacionais como a Nato (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a ONU (Organização das Nações Unidas), que continuam a dar mostras de que só consideram válidos os Direitos Humanos quando estes obedecem à lei do mercado.

Defender Rojava significa defender todos os coletivos e pessoas que lutam diariamente contra a barbárie capitalista, não só no Médio Oriente, mas em todos os lugares do Mundo. Esta carta é um grito de ira, indignação e solidariedade com os nossos irmãos curdos, que lutam por outras formas de vida possíveis.

Viva a vida! Morra a morte! Rojava não está só!

 

Lista (não exaustiva) de subscritores:

Aleksandr Buzgalin (Rússia); Angela Davis (EUA); Anna Ochkina (Rússia); Antonio Negri (Itália); António Pedro Dores (Portugal); Arjun Appadurai (EUA); Ashish Kothari (Índia); Barbara Duden (Alemanha); Boaventura de Sousa Santos (Portugal); Carole Pateman (Reino Unido); Christian Laval (França); David Harvey (EUA); Donatella Della Porta (Reino Unido); Edgardo Lander (Venezuela); Eduardo Viveiros de Castro (Brasil); Elaine Santos (Portugal); Etienne Balibar (França); Francisco Louçã (Portugal); Giacomo Marramao (Itália) ; Joan Martinez Alier (Espanha); John Holloway (México); José Mário Branco (Portugal); Luis X. B. Mourão (Portugal); Manuela de Freitas (Portugal); Michael Hardt (EUA); Domenico Lucano (Itália); Noam Chomsky (EUA); Raquel Gutierrez (México); Raúl Zibechi (Uruguai); Rita Laura Segato (Brasil); Stephan E. Nikolov (Bulgária)

Carta publicada no Público, 17 de outubro de 2019.