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Assassinato no aeroporto: Ministro responde a Beatriz Gomes Dias

Na audição requerida pelo Bloco de Esquerda com caráter de urgência, o ministro da Administração Interna respondeu que a situação, do ponto de vista administrtaivo, configura algo "entre a negligência grosseira e o encobrimento grave".
ministro Eduardo Cabrita
Ministro Eduardo Cabrita na audição requerida pelo Bloco de Esquerda.

Ocorreu esta quarta-feira, 8 de abril, na Assembleia da República a audição do ministro da Administração Interna, requerida pelo Bloco de Esquerda, sobre as circunstâncias em que ocorreu a morte do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk, no passado dia 12 de março, nas instalações do Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa.

Na audição a deputada Beatriz Gomes Dias defendeu a necessidade de mudanças profundas no modelo de funcionamento do Centro de Instalação Temporária (CIT) "para que nem uma pessoa mais tenha uma morte violenta à guarda do Estado português". A deputada do Bloco de Esquerda considera que "é urgente que estas mudanças tenham uma rápida concretização e sejam guiadas pelo primado da garantia dos direitos fundamentais. Temos de caminhar para um modelo que altere este paradigma assente na detenção".

Na no final da sua intervenção, a deputada Beatriz Gomes Dias colocou as seguintes questões ao ministro Eduardo Cabrita: "Quantos processos disciplinares foram abertos em relação a este caso? A quem? Quantos funcionários (do SEF e de outras entidades) estão suspensos?", "Em que preciso momento foi a Direção Nacional do SEF notificada da morte deste cidadão e que diligências foram por ela tomadas subsequentemente? Quando é que, em concreto, foi aberto um inquérito interno pelo SEF? Quando é que o SEF deu conta à IGAI do sucedido?", "Que medidas estão a ser implementadas para o cabal apuramento das responsabilidades? Que articulação se tem verificado entre o MAI e o Ministério Público para este efeito?" 

O ministro Eduardo Cabrita afirmou que respondeu dentro da maior brevidade ao pedido de audição e que “jamais” esteve no Parlamento “por uma situação que mais contrariasse os valores essenciais  do Estado democrático". Sobre matérias de competência judiciária, recusou comentar, afirmando "não conheço nem posso conhecer mais do que está nessas notícias que a estão nesses artigos de jornal e não posso sequer pronunciar-me". No entanto, defendeu que a Inspeção-Geral da Administração Interna deve “eficaz e urgente na aplicação de medidas”.

O ministro da Administração Interna reconheceu ainda que a situação aponta para algo entre a “negligência grosseira e encobrimento gravíssimo” e que tudo isso "terá de ter consequências".

Sobre os factos, Eduardo Cabrita declarou que no dia 12 de março o SEF notificou o Ministério Público, que foram “feitas as diligências necessárias, quer de comunicação ao Ministério Público, quer de remoção do cadáver para o Instituto de Medicina Legal para autópsia”. O médico dirigiu-se ao local às 18:40 e confirmou o óbito, colocando em causa informação do SEF de que se trataria de uma morte por paragem cardiorrespiratória. O cadáver do cidadão ucraniano foi para o Instituto de Medicina Legal às 22:00. Sendo que o ministro desconhece o resultado da autópsia. O SEF decidiu abrir uma averiguação interna no dia 17 de março. A informação transmitida à Inspeção-Geral da Administração Interna e ao Ministério da Administração Interna falava na ocorrência de uma morte de natureza epilética e uma paragem cardiorrespiratória. O inistro declarou ainda que o resto das informações que possui teve acesso aquando das detenções feitas pela Polícia Judiciária no dia 30 de março.


Intervenção de Beatriz Gomes Dias

Senhor Ministro, Sras Deputadas, Srs. Deputados

Foi com grande choque e perplexidade que ficámos a saber da morte do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk, depois de alegadamente ter sido barbaramente agredido por inspetores do Serviço de Estrangeiro e Fronteiras (SEF), no passado dia 12 de março, nas instalações do Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa. Ao requerer esta audição urgente do MAI, o Bloco de Esquerda não pretende que a Assembleia da República se substitua ao Ministério Público na investigação criminal. Pretendemos, isso sim, como é nossa obrigação, apurar a responsabilidade política de quem tem a tutela sobre o SEF.

As notícias publicadas sobre este violento homicídio fazem fundamentadamente um retrato de horror. O que devia ser um tratamento escrupulosamente dentro das exigências legais, terão sido, ao contrário, 20 minutos de tortura de alguém que se encontrava algemado que resultaram na sua morte. O jornal Público noticiou que – e passo a citar – «os três arguidos entraram na sala, algemaram o homem de 40 anos atrás das costas, amarraram os cotovelos com ligaduras, deram-lhe socos e pontapés e usaram ainda um bastão, “enquanto aos gritos lhe exigiam que permanecesse quieto”. (…) Foram 20 minutos, interrompidos por “alguns vigilantes”, a quem terão ameaçado — “Isto aqui é para ninguém ver” — e a quem terão dito “agora ele está sossegado” e “isto hoje, já nem preciso de ir ao ginásio”». Não, não é efabulação jornalística, é o que se lê no mandado de detenção.

Os três inspetores suspeitos do homicídio só foram detidos pela Polícia Judiciária no dia 30 de Março, mais de duas semanas depois do crime e só após a divulgação da notícia pela comunicação social. Acresce que o motivo da morte evocado pelo SEF foi ataque cardíaco, em sequência de uma crise de epilepsia, motivo que foi contestado pelo médico legista que analisou o corpo e que alertou a Polícia Judiciária.

As condições em que esta morte ocorreu devem alarmar-nos a todas/os, não apenas pela violência extrema do ato e pela tentativa de ocultação do mesmo, mas também por ter sido praticado enquanto este cidadão se encontrava à guarda de uma autoridade policial e por ter contado com a conivência ou, pelo menos, a negligência da hierarquia.

Senhor Ministro

Senhoras Deputadas e Senhores Deputados

Ainda que assuma contornos especialmente violentos, este não é um caso isolado. Situações anteriores demonstram que os Centros de Instalação Temporária dos aeroportos têm sido demasiadas vezes verdadeiros offshores de impunidade das autoridades responsáveis e estão muito longe de oferecer as condições mínimas de permanência dos detidos com respeito pelos seus direitos. 

Enquanto Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura, o Provedor de Justiça há muito que, nos seus relatórios anuais vem assinalando os termos concretos em que os CIT e os EE violam os direitos fundamentais dos migrantes ali detidos. “Os CIT são o verdadeiro no man’s land contemporâneo”, afirma a atual Provedora de Justiça. Esta crítica é plenamente corroborada pela Ordem dos Advogados e por organizações de defesa dos direitos humanos. Só erradicando com firmeza essa prática instalada de violação dos direitos fundamentais e da legalidade nestes espaços se teria prevenido a sua naturalização e a sua intensificação impune que agora atinge o patamar de um homicídio qualificado. A verdade é que os sucessivos Governos nada fizeram, foram complacentes com a transformação destes centros em offshores de impunidade e o resultado está à vista.

Agora, o Senhor Ministro diz que o modelo de funcionamento do Centro de Instalação Temporária do SEF no aeroporto de Lisboa terá “mudanças profundas”. O Bloco de Esquerda concorda. É imperativo que haja mudanças, e que estas tenham uma rápida concretização e sejam guiadas pelo primado dos direitos fundamentais e da legalidade. Mas é preciso ir mais longe. Não basta reformar o modelo de acolhimento de estrangeiros que se encontram nestas circunstâncias, é preciso transformá-lo, repensando o paradigma assente nas detenções. Por isso lhe pergunto, Senhor Ministro, quais são as mudanças que irá implementar para garantir a segurança e a dignidade das pessoas que ali se encontram detidas e quando será apresentada essa proposta ao parlamento.

  1. - Quantos processos disciplinares foram abertos em relação a este caso? A quem? Quantos funcionários (do SEF e de outras entidades) estão suspensos?

- Em que preciso momento foi a Direção Nacional do SEF notificada da morte deste cidadão e que diligências foram por ela tomadas subsequentemente? Quando é que, em concreto, foi aberto um inquérito interno pelo SEF? Quando é que o SEF deu conta à IGAI do sucedido?

- Que medidas estão a ser implementadas para o cabal apuramento das responsabilidades? Que articulação se tem verificado entre o MAI e o Ministério Público para este efeito?

 

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