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Angola: Governo discrimina Albano Bingobingo em greve de fome

O preso político Albano Bingobingo encontra-se em estado de saúde bastante delicado, no seu nono dia de greve de fome e após ter sido torturado por guardas prisionais. O modo como o governo tem estado a gerir a crise com os grevistas de fome começa a levantar questões sobre a sua eventual política de discriminação social dos detidos. Por Rafael Marques de Morais
Albano Bingobingo, em greve de fome há nove dias, foi transferido para uma pocilga humana

O preso político Albano Bingobingo, também conhecido por “Albano Liberdade”, encontra-se em estado de saúde bastante delicado, no seu nono dia de greve de fome e após ter sido torturado por guardas prisionais na Cadeia de São Paulo, no dia 9 deste mês, soube o Maka Angola a partir de fontes prisionais.

“Os olhos do Bingobingo já estão bem fundos. Ele está muito doente, tem a perna inflamada e está praticamente encarcerado numa pocilga humana, sem qualquer assistência médica ou medicamentosa”, referiu a fonte.

Por sua vez, Henriqueta Diogo, mulher do preso político Benedito Jeremias, confessou também ao Maka Angola que Albano Bingobingo “tem sérias dificuldades em urinar”.

A 14 de Outubro, quatro dos presos políticos do já célebre Processo dos 15+1 – Benedito Jeremias, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Hitler Jessy Chiconde e Albano Bingobingo – foram transferidos da penitenciária-hospital de São Paulo para a Comarca Central de Luanda (CCL), perto das 23h. Por norma, os detidos são transferidos durante o dia, mas no caso dos presos políticos o governo tem-nos feito girar por vários estabelecimentos prisionais, de forma arbitrária e a altas horas da noite.

O director adjunto da Cadeia de São Paulo, Aldivino Oliveira, ordenou e pessoalmente fotografou e filmou a tortura de Benedito Jeremias e Albano Bingobingo

Estranhamente, a transferência ocorreu após o director adjunto da Cadeia de São Paulo, Aldivino Oliveira, ter ordenado e pessoalmente fotografado e filmado a tortura de Benedito Jeremias e Albano Bingobingo, conforme noticiou anteriormente o Maka Angola. Benedito Jeremias continua com feridas nos membros inferiores e no peito, resultantes dos abusos e maus-tratos a que foi submetido.

“O Bingobingo também foi espancado com porretes eléctricos. Os polícias despiram-no na cela, nu mesmo, e torturaram-no assim e arrastaram-no despido para o pátio”, relatou a activista Rosa Conde na altura, após ter conversado com Albano Bingobingo.

Entretanto, o modo como o governo tem estado a gerir a crise com os grevistas de fome do Processo dos 15+1 começa a levantar questões sobre a sua eventual política de discriminação social dos detidos.

O modo como o governo tem estado a gerir a crise com os grevistas de fome do Processo dos 15+1 começa a levantar questões sobre a sua eventual política de discriminação social dos detidos

Há dias, o rapper Luaty Beirão, que se encontra em greve de fome há 26 dias, foi transferido para uma sala de internamento VIP da Clínica Girassol, acompanhado por dois guardas prisionais.  

Através de um protesto singular e doloroso, Luaty Beirão conseguiu mobilizar a imprensa mundial para a sua causa, e tem gerado extraordinária pressão pública contra o poder do presidente José Eduardo dos Santos.

Ontem, Luaty Beirão voltou a manifestar a sua vontade de ser transferido para uma unidade hospitalar modesta, mantendo uma postura parcimoniosa, franciscana, no que diz respeito ao conforto e aos bens materiais.

Na CCL, Albano Bingo encontra-se detido na Caserna 10-a, no “Salão”, juntamente com outros 100 presos ensardinhados.

“O ‘Salão’ tem a dimensão de uma sala de jantar grande, de uma casa grande, e está dividido em oito becos, com papelões e plásticos. Em cada beco estão alojadas entre 12 e 15 pessoas”, revelou fonte da CCL.

Segundo a fonte, que preferiu o anonimato por razões de segurança, “os reclusos dormem à catana, de lado, e junto uns aos outros por falta de espaço. Há somente uma sanita para todos. A casa de banho única, sem água corrente, para uso de mais de 100 pessoas, é um foco de doenças”, denunciou a fonte.

Baratas, piolhos e percevejos dominam o ambiente das celas, segundo informações prestadas por vários reclusos a este portal. Nos próximos dias, Maka Angola publicará uma reportagem mais detalhada sobre a Comarca Central de Luanda.

Maka Angola tentou, sem sucesso, contactar o gabinete de Comunicação e Imagem da Polícia Nacional para os devidos esclarecimentos.

A jornalista Luísa Rogério manifestou-se indignada com o tratamento reservado a Albano Bingo.

“O governo deve conceder igual tratamento a todos, independentemente de quem se trata. O Luaty e o Albano são companheiros de causa, foram detidos juntos e não é bom serem tratados de forma tão discriminatória”

“O governo deve conceder igual tratamento a todos, independentemente de quem se trata. O Luaty e o Albano são companheiros de causa, foram detidos juntos e não é bom serem tratados de forma tão discriminatória”, disse Luísa Rogério.

Para a também analista política, a medida alegadamente discriminatória do governo “poderá ser interpretada como uma manobra para dividir os cidadãos. O Luaty recebe tratamento privilegiado por ser quem é, e o outro é enviado para uma pocilga humana por ser um cidadão comum”.

“É contra esse tipo de injustiças que o Luaty e os seus companheiros de causa se batem. O governo deve dar tratamento humano e condigno ao Albano também. O facto de serem detidos não lhes retira o direito à dignidade humana”, prosseguiu Luísa Rogério.

Quem é Albano Liberdade?

Albano Bingobingo trabalhou até 2011 como motorista da Casa de Segurança do presidente da República. Foi expulso por ter integrado um grupo de trabalhadores que reivindicava melhores condições salariais e de trabalho.

O recluso é considerado um dos activistas da “linha da frente” no movimento de jovens que tem protagonizado inúmeras tentativas de manifestações, sempre brutalmente reprimidas pela Polícia Nacional e pelos serviços de segurança. Bingobingo conta no seu currículo com mais de seis detenções acompanhadas de tortura às mãos das autoridades policiais.

Por falta de familiares em Luanda, a família de Nito Alves tem sido o esteio de apoio e solidariedade a Albano Bingobingo. Adália Chivonde, mãe de Nito Alves, que o tem acompanhado, lamentou a este portal que “o director-adjunto da Cadeia de São Paulo fotografasse o Albano nu, no banho. Não gostámos disso. Não entendemos o comportamento destes dirigentes. Queremos saber o que se passa”.

Mbanza Hamza Espancado

Entretanto, Maka Angola soube que um outro activista da “linha da frente”, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, foi brutalmente espancado a 14 de Outubro por forças especiais dos Serviços Penitenciários. Isto aconteceu por se ter recusado a entrar na cela da CCL, após a sua transferência, devido às condições sub-humanas das instalações.

“O director da cadeia, André J. Pintinho, ligou ao director-geral dos Serviços Penitenciários, que pessoalmente autorizou as forças especiais a espancarem o Mbanza”

“O director da cadeia, André J. Pintinho, ligou ao director-geral dos Serviços Penitenciários, que pessoalmente autorizou as forças especiais a espancarem o Mbanza”, explicou uma testemunha prisional.

“Na cela, o Mbanza, de raiva, começou a bater com a cabeça na parede e tiveram de falar com ele a bem para o acalmarem. Passou meia hora em estado de choque devido às cabeçadas que foi dando”, prosseguiu a testemunha.

Por outro lado, o activista Nelson Dibango, o único que se encontrava arbitrariamente detido no Hospital Psiquiátrico de Luanda desde Junho passado, foi hoje transferido para a Cadeia de São Paulo.

Receio de Envenenamento

Vigília em Lisboa, 14 de outubro de 2015

Vigília em Lisboa, 14 de outubro de 2015

Os presos políticos Benedito Jeremias e Hitler Jessy Chiconde recusaram-se hoje a receber alimentos por receio de envenenamento, conforme alegaram junto dos familiares.

A revista dos alimentos por parte dos serviços penitenciários, testemunhada por Maka Angola, é em si um atentado à saúde pública. Usando sempre a mesma faca, os agentes revistam os alimentos de centenas de detidos, passando-a de vez em quando por uma bacia de água sem detergente, que não é mudada. Após esse processo, os sacos de alimentos são arrumados a um canto, com tiras de cartão com os nomes de detidos, e são os condenados que os transportam, sem supervisão, para distribuição pelos homens.

Nos anteriores estabelecimentos prisionais por onde passaram, os serviços penitenciários permitiam a entrega directa dos alimentos aos reclusos.

Osvaldo Caholo Transferido

A família do preso político Osvaldo Caholo recebeu esta noite, às 21h, insformações sobre a sua transferência em curso, da prisão de Kakila, em Viana, para a Cadeia de São Paulo. “Disseram-nos apenas que o Osvaldo foi requisitado pela Cadeia de São Paulo. Não nos disseram mais nada”, esclareceu Elsa Caholo, irmã do detido.

Artigo de Rafael Marques de Morais, publicado a 17 de Outubro de 2015 em Maka Angola

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