Sessão 25 Novembro: “Cá estaremos para acabar com este solene disparate”

25 de novembro 2024
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Intervenção de Joana Mortágua na sessão solene do 25 de Novembro na Assembleia da República.

Portugal despertou do pesadelo da ditadura no dia 25 de abril de 1974. E um ano e meio depois, no dia 26 de novembro de 1975, o horizonte do país continuava a escrever-se em três palavras: liberdade, democracia, socialismo.

As palavras que a Revolução escreveu, o 25 de novembro não apagou.

A democracia, as liberdades individuais e coletivas, a liberdade de expressão, o pluralismo partidário, a liberdade de reunião, os direitos sindicais, a liberdade sindical, o direito ao voto, tudo isso nasceu com o 25 de Abril. Nada disso devemos ao 25 de novembro.

Quem ainda hoje repete a velha ladainha de que o 25 de Abril não deu aos portugueses a “verdadeira liberdade” bem pode vir apresentar-se como herdeiro de novembro, mas é na verdade um derrotado de Abril.  

A atual mistificação sobre o significado histórico do 25 de novembro é uma manobra de derrotados de abril. Daqueles que, como lembrou o ex-líder parlamentar do PSD, Pacheco Pereira, em 74 e 75 eram partidários da ditadura que oprimiu os portugueses. Quem quer diminuir o 25 de abril só convoca os saudosistas do 24.

A celebração do 25 de Novembro é a tentativa de esvaziar o conteúdo revolucionário e popular do 25 de Abril. Apresentar o 25 de Abril como uma mera reconquista da democracia formal é pintar o processo revolucionário como um desvio a essa suposta ‘intenção original’.

Mas o processo revolucionário é que lançou à terra o que somos. Portugal. O Portugal da democracia e dos direitos sociais foi o 25 de Abril que o iniciou.

O 25 de Abril foi um grito do povo contra o fascismo, um povo que ganhou consciência de que a ditadura era também o poder de uma pequena elite económica. O processo revolucionário português tem como resultado imediato a liberdade. E o resultado da liberdade foi a revolução popular.

O 25 de Abril fez-se contra a guerra, contra o colonialismo, contra o imperialismo, mas também contra o latifúndio, contra o monopólio. Fez-se contra um regime político, mas também contra um sistema económico de opressão.

A história de um povo é mais forte que as vinganças políticas de qualquer fação. Não estava escrito que o derrube do ditador levaria a um processo revolucionário popular de massas. Mas foi isso que aconteceu.

Foi o povo quem acabou com a polícia política e com a censura, quem exigiu a justiça nas relações historicamente iníquas entre capital e trabalho.

Foi o povo quem conquistou as liberdades públicas e sindicais e o direito à greve, quem fez a reforma agrária, ou como escreveu Sérgio Godinho, quem atribuiu “o nome revolução a um trator usado com amor, um trator assim usado, um braço assim estendido entre o futuro e o passado”.

Abril foi tomado pelo povo, esse novo protagonista da nossa história que logo iniciou a substituição da ordem social instalada. Foi isso a revolução. Ou, nas palavras de Fernando Rosas: “Um levantamento popular vindo de baixo, do âmago da condição social dos que nunca tinham tido voz e entravam tumultuosamente na história”.

Depois do 25 de novembro, foi aprovada nesta sala uma Constituição em nome do socialismo - e alguns dos atuais pretendentes a herdeiros de novembro até votaram contra ela. Perderam. E por isso consagraram-se os direitos democráticos, sociais e económicos e um Estado organizado para os garantir.

O 25 de novembro foi o que foi, e não vale a pena fazer contra-história. Inventar um passado alternativo para Portugal serve apenas a mitologia de uma certa direita que pretende normalizar o regime social do Estado Novo através da diabolização do PREC.

Podem repetir a vossa lenda do 25 de novembro, e nós continuaremos a responder com a história do 25 de abril e com o texto da Constituição.

Essa mesma, a Constituição que consagrou a “apropriação colectiva dos principais meios de produção”, a “irreversibilidade das nacionalizações”, a Reforma Agrária e a “eliminação dos latifúndios”, o apoio do Estado às “experiências de autogestão” e o direito universal à segurança social.

Sim, a Constituição de 1976, em cujo preâmbulo se nomeia o 25 de abril e a Revolução como as fontes indiscutíveis da democracia em Portugal. E onde, claro está, nunca houve qualquer referência ao 25 de novembro, porque semelhante disparate nem sequer passaria pela cabeça de nenhum dos partidos que fundaram a democracia portuguesa.

Passaram 49 anos, durante os quais nenhuma maioria parlamentar se lembrou de perturbar essa saudável inexistência. Até chegarmos a esta sessão, um disparate que revela a deplorável disponibilidade do PSD para ceder às extremas direitas.

Esta sessão e as que se realizarem nos próximos dois ou três anos serão lembradas no futuro como o momento folclórico de um tempo bizarro, em que o PSD e a extrema-direita se aliaram no revisionismo histórico, num exercício espúrio e sem duração na memória do país.

Cá estaremos, quando chegar o dia de voltar a chamar a nossa democracia pelo seu único nome - Abril. Nesse dia, uma outra maioria acabará com este solene disparate. O Bloco cá estará nesse dia, para isso e para o resto.

Viva o Socialismo! Fascismo nunca mais!

Viva a Revolução! 25 de abril, sempre!

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